Educação, meio ambiente e globalização

02/03/2006
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Vivemos um momento histórico da mesma natureza que o mundo viveu no Renascimento e no Século das Luzes. São momentos de bifurcações, como diria Illya Prigogine e Isabelle Stengers[1]. É como estivéssemos imersos no olho do furacão cujos desdobramentos não temos nenhuma certeza de como será o futuro imediato, menos ainda o futuro a médio e longo prazo, sendo que alguns até se perguntam se haverá futuro, como Albert Einstein diante do perigo nuclear. Eis o primeiro desafio de um educador nessa quadra histórica: educar implica a idéia de futuro, de um futuro qualquer que seja. Como educar se não se tem uma paisagem imaginária onde se haveria de viver, um horizonte de vida que pudéssemos construir? Educar é projetar esse futuro, essa paisagem a partir do aqui e de agora. Implica, assim, recuperar nosso poder de inventar mundos de vida, de construir futuros. Enfim, implica reinventar nossa vontade de querer poder construir o mundo – uma RE-VOLIÇÃO[2].

***

Globalização, primeiro movimento

Não podemos mais contar com as certezas que acreditamos até um passado relativamente recente, e essa talvez seja uma certeza que devemos afirmar. Uma dessas certezas que haveremos de abandonar é a crença numa causalidade linear a que fomos habituados a partir de uma episteme de matriz eurocêntrica, sobretudo pós-século XVIII. A partir dessa crença o destino dos povos era pensado como se fora um continuum que os levaria inexoravelmente da Selvageria e da Barbárie à Civilização (Auguste Comte). E a Civilização enquanto momento superior tinha nome e lugar: era a Civilização Européia que, ciosa de sua superioridade, acreditava ter desenvolvido uma racionalidade que mais que uma racionalidade era A Racionalidade. Esta racionalidade com R maiúsculo não é, na verdade, tão européia como se apregoa, mas sim de uma subprovíncia da Europa, a Europa Norte-Ocidental, que fala o inglês, o francês e o alemão. É a partir desta subprovíncia européia que se desenvolveram as Revoluções no pensamento (“só é possível filosofar em alemão”, Caetano Veloso), na política (que nos ensinou a partir da França que “todos os homens são iguais”) e nas técnicas econômico-produtivas (na Inglaterra do Sr. James Watt e sua máquina a vapor que a queria universal) que passaram a colonizar corações e mentes em todo o mundo a partir de então. Este século das Luzes, segundo essa subprovíncia da Europa, vê obscurantismo por todo lado e crê ter descoberto A Razão Universal (Emanuel Kant).

Sabemos que nomear e colocar marcos não são operações ingênuas, ao contrário, são operações interessadas e não foi de qualquer lugar que se marcou o século XVIII como marco histórico do mundo moderno. Por isso, vimos insistindo em sinalizar que se trata de uma visão que surge a partir de uma subprovíncia européia, a norte-ocidental, que não se vê como uma subprovíncia, mas como um não-lugar posto que vê seu modo de ver, pensar e agir como atópico, como se fora de lugar-nenhum[3] e, assim, universal. Para aquel@s que estão imers@s nesse “magma de significações imaginárias” eurocêntrico norte-ocidental parecerá estranho dizer que se trata de um pensamento de uma sub-província até porque provinciano são os outros. São graves os efeitos dessa perspectiva até porque, como toda visão provinciana, ignora o mundo na sua diversidade. Ignora, por exemplo, que o mundo não é unilinear, mas, ao contrário, é constituído por múltiplos lugares que se caracterizam por suas temporalidades distintas. Múltiplas temporalidades implicam múltiplos movimentos e processos que fazem o mundo mais rico do que aquele que foi pensado a partir dessa matriz européia norte-ocidental. Na verdade, o mundo na sua diversidade é negado enquanto tal, posto que cada lugar é visto não a partir de suas próprias características, mas a partir de um olhar eurocêntrico norte-ocidental como se cada lugar estivesse num estágio determinado da evolução da Europa (norte-ocidental). Talvez aqui coubesse o verso do poeta “é que Narciso acha feio o que não é espelho” (Caetano Veloso).

São esses valores que têm comandado nossas práticas, inclusive as educativas. É a partir daí que se concebe o que seja o mundo moderno onde a idéia de modernidade mais do que uma caracterização é uma meta, quase um destino, a que todos inexoravelmente estaríamos condenados. Esse mundo moderno que toma o século XVIII como referência e que fala inglês, francês e alemão acredita que o progresso da humanidade deve se ancorar num saber técnico-científico, saber esse também tomado como superior. Outros saberes são, assim, ignorados ou inferiorizados e os povos que os desenvolveram estão, assim, condenados a serem educados e desenvolvidos a partir de parâmetros que não lhes pertencem.

Tudo isso se torna mais grave quando sabemos que a modernidade não se inicia no século XVIII, mas no século XV, mais especificamente em 1492, quando se inicia o que hoje chamamos globalização. Assim, a perspectiva dos europeus norte-ocidentais ignora a primeira modernidade que falava espanhol e português. Até 1492 podemos falar de histórias regionalizadas, mas a partir de então o mundo começa a se mundializar. Ignorar essa primeira modernidade ibero-americana é deixar escapar toda uma séria de processos que nos conformam e estão subjacentes ao contraditório mundo que vivemos, a começar com a própria centralidade da Europa na geopolítica do mundo moderno e contemporâneo.

Até o final do século XV, a Europa se inscrevia de modo marginal e periférico nos maiores circuitos econômicos e culturais que, como se sabe, girava em torno do que, hoje, chamamos Oriente Médio[4]. A centralidade do Oriente era tal que nos legou um verbo – orientar – que nos indica o rumo a seguir (“se oriente, rapaz” como nos disse o poeta Gilberto Gil). A centralidade da Europa, por seu turno, está indissoluvelmente ligada à América, pois foi a partir daqui, da América, que a Europa reuniu as condições materiais para que, desde então, o circuito norte-Atlântico passasse a ser o centro geopolítico do mundo. E a América foi integrada de modo subordinado, colonial. Assim, a colonialidade[5] esteve, desde o início, formando parte da modernidade e, talvez, seja mais preciso afirmar que desde então passamos a viver as vicissitudes do sistema mundo moderno-colonial (Aníbal Quijano[6], Imannuel Wallerstein[7], Walter Mignolo[8] entre outros) do que, simplesmente, mundo moderno. Afinal, o que chamamos mundo moderno está, desde sempre, atravessado por essa clivagem constitutiva que ajuda-nos a entender a desigualdade social e econômica que nos conforma até hoje. Foi a partir da constituição deste sistema mundo moderno-colonial que a escravidão foi reinventada tendo o racismo como suporte[9]. Enfim, a diferença negada.

Entre os marcos com que a segunda modernidade procura se distinguir da primeira está o caráter laico do seu critério de verdade (Foucault), a Ciência, vis a vis a Religião que teria caracterizado a primeira. Todavia, se é verdade que a missão colonizadora da primeira moderno-colonialidade tenha sido consagrada pela Igreja, afinal, foi o Papa que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha por meio do meridiano de Tordesilhas, não é menos verdade que o caráter religioso esteve o tempo todo ancorado na ciência mais apurada, seja a náutica e tudo que envolvia a navegação, desde as próprias embarcações, até a cartografia e a orientação (bússola) – afinal, “navegar é preciso” (Fernando Pessoa), como também a melhor tecnologia de guerra até então conhecida. As primeiras cidades racionalmente planejadas que o mundo conheceu foram criadas nas Américas, nos informa o ensaísta uruguaio Angel Rama em seu A Cidade das Letras, e foram cidades marcadas por uma razão dominante, isto é, uma razão de controle do espaço pelo e para os dominadores. A Plaza da cidade colonial produziu os primeiros desplazados modernos. Se tivermos que contar a história recente da moderna tecnologia também haveremos de começar pela América. Afinal, as mercadorias de maior valor em circulação no mundo nos séculos XVI e XVII não eram matéria prima simplesmente, mas, sim, produtos manufaturados, a saber: o ouro e a prata eram exportados em barras após passarem pela elaboração de uma refinada metalurgia que, inclusive, manipulava o mercúrio e já era do domínio dos povos originários do Tawantinsuyo[10] e do Anauac[11] antes da chegada do europeu; o açúcar não era produto in natura, mas, sim, um produto manufaturado nos maiores engenhos que então o mundo conhecia e que estavam localizados no Brasil, em Cuba e no Haiti[12]. Não havia nada de mais moderno, tecnologicamente falando, do que esses engenhos de açúcar ou essas metalurgias de ouro e prata que estavam aqui, nas Américas, e não na Europa. Assim, a América é moderna há 500 anos desde o primeiro momento da globalização! E a compreensão desse caráter, talvez, nos alerte para o poderoso mecanismo de conformação da subjetividade que se mostra pela sobrevida da colonialidade do pensamento, mesmo após o fim do colonialismo em sentido estrito. Refiro-me ao fato de queremos superar as mazelas do mundo moderno por meio da modernização! Para isso, tem-se ignorado que a constituição do sistema mundo moderno é, desde sempre, colonial, esse outro lado dramático e sofrido da modernidade de que a América é a melhor expressão, sobretudo a América dos povos originários, dos negros e dos mestiços. Assim, ficamos com uma visão parcial do nosso mundo moderno-colonial e reproduzindo mais do mesmo. É preciso descolonizar o pensamento para o que o mundo ibero-americano tem muito a contribuir, sobretudo a visão do mundo ibero-americano que se coloca a partir da perspectiva da subalternidade (Edgardo Lander (2005 [2000]), Walter Mignolo (2002), Ana Ester Ceceña[13], Pablo González Casanova[14], Arturo Escobar[15], Enrique Leff[16], Silvia Rivera Cusicanqui, Raul Prada Escoreza, Boaventura de Sousa Santos[17], Álvaro Garcia Linera[18] entre tantos)!

. Globalização, segundo movimento

A segunda modernidade (mais apropriado seria dizer segunda moderno-colonialidade), a que se desenha a partir do século XVIII, empresta novos sentidos ao sistema mundo mantendo a característica moderno-colonial da primeira. É de conhecimento geral que grande parte da riqueza gerada pelo trabalho escravo e servil de negros e índios na América se concentrou na Inglaterra ensejando a acumulação originária de capital que haveria de proporcionar a revolução industrial. Além disso, vários portos ingleses se notabilizaram pelo vigoroso comércio de negros arrancados à África (Liverpool, por exemplo). Enquanto a América inaugurava, no final do século XVIII, uma nova página na história e na geografia mundiais com as primeiras revoluções de libertação nacional, feito em que os Estados Unidos da América do Norte são pioneiros (quatro de julho de 1776), os ingleses, os franceses e os alemães iniciarão, sobretudo no século XIX, uma nova etapa de colonização na África e na Ásia. A segunda moderno-colonialidade não poupou esforços para efetivar seus desígnios de dominação lançando mão para isso até mesmo do ópio como estratégia, como na China. A América, desde então, será para os americanos e decifrar quem são esses americanos passou a ser uma questão chave para nós. Há uma América para os americanos da Doutrina Monroe ancorada no Destino Manifesto, crença religiosa que moverá a nação que, desde então e cada vez mais, se tornará a mais poderosa do mundo, os Estados Unidos. Há uma América bolivariana que pensa uma integração mais horizontalizada, ainda que crioula que, todavia, mantinha a colonialidade mesmo após o fim do colonialismo ao manter a escravidão e a servidão e, assim, a discriminação contra os negros, os índios e os mestiços. Havia ainda uma outra América, subalterna, que, desde 1804 no Haiti, busca uma dupla emancipação, ou seja, se emancipar tanto da metrópole quanto das elites crioulas e sua mentalidade colonial. A França que ajudara a independência dos colonos us-americanos contra a Inglaterra receberá o apoio de Tomas Jefferson na pressão que exercerá contra a ousadia dos haitianos de fazer a dupla emancipação (“essa experiência deveria ficar confinada à ilha”) e o medo do hatianismo se espraiou entre as elites crioulas latino-americanas. O racismo continua subjacente ao sistema mundo moderno-colonial mesmo após a segunda modernidade, como se pode ver nos juízos de valor emitidos por pensadores do porte de Kant e Hegel sobre a América e a África e seus povos que são, absolutamente, racistas (Porto-Gonçalves[19]).

Mesmo reivindicando o caráter laico do conhecimento científico, a segunda moderno-colonialidade se moverá com a crença de que este conhecimento trará a salvação para toda a humanidade. Ninguém se libertará a não ser por meio deste conhecimento científico que se quer universal. A Ciência fará milagres na transformação da natureza não se cansam de prometer os cientistas que retiram sua legitimidade da crença de que seu conhecimento vem do próprio mundo (da Physis) e não de dogmas religiosos (meta físicos, além da Physis). É como se a Ciência fosse a natureza falando e essa crença de que não é o cientista que fala, mas, sim, a natureza é o que se chama objetividade. Galileu Galilei chegou a dizer que o mistério da natureza está escrito em linguagem matemática e, assim, começamos confundir as coisas da lógica (matemática) com a lógica das coisas. Outras formas de conhecimento foram, então, consideradas como inferiores, como sendo a expressão de animismos e misticismos, além de outras adjetivações desqualificadoras, tal como na Grécia Clássica a Filosofia desqualificou outros saberes como místicos ou religiosos.

         A Ciência seria um conhecimento construído a partir de uma relação sujeito-objeto e não fruto de uma relação intersubjetiva. Deixemos de lado essa idéia de um sujeito cognoscente que individualmente produz conhecimento numa relação isolada com seu objeto, até porque só se pensa por meio de uma língua e, como tal, todo pensamento é, como toda linguagem, social. Consideremos que, a partir do século XVIII, não é Deus quem autoriza o que quer que seja, mas, sim, o conhecimento dos mistérios da natureza por meio da Ciência é que autoriza a sua dominação. Eis a síntese do imaginário que sai da segunda moderno-colonialidade: o homem está autorizado a dominar a natureza posto que conhece objetivamente os seus mistérios por meio do método científico. Para que se pudesse penetrar nesses mistérios era preciso que a natureza fosse dessacralizada, enfim, que a natureza fosse tornada objeto. Eis aqui a tensão com as outras matrizes de racionalidade a partir de então desautorizadas como não-modernas exatamente por acreditarem que a natureza[20] (Descola[21]) está povoada por deuses ou por forças que nos transcendem. De fato, como dominar a natureza se ela está povoada por deuses? Sendo assim, podemos afirmar que antes de se expulsar os homens da terra, como nos cercamentos das terras comuns inglesas desde o século XVI (Thomas Morus), foram os deuses que, primeiro, foram expulsos para os céus. Assim, os homens tomam o lugar dos deuses e com suas máquinas operarão os milagres da transformação da natureza, agora tida como objeto. Eis a gênese do antropocentrismo que ignora a natureza na sua materialidade traduzindo-a numa linguagem matemática que se crê objetiva[22]. Com ele, o progresso e o desenvolvimento.

A aceitação desses fundamentos paradigmáticos não se faz nos céus, mas bem aqui na Terra, posto que cada vez mais as relações mundanas, cotidianas, são mediadas por relações onde a quantidade se impõe sobre a qualidade, com o dinheiro cada vez mais mediando as relações dos homens e mulheres entre si e com a natureza. Até mesmo o tempo é reduzido a dinheiro - time is money – e, com isso, o tempo que, em si mesmo, é riqueza se esvai quando reduzido a uma abstração matemática. Afinal, se consideramos o tempo como riqueza, um das mensagens que daí pode emanar é que sejamos mais lentos posto que riqueza é fruição, o contrário da mensagem que emana do tempo é dinheiro que nos incita à velocidade, a correr mais e, assim, não se tem tempo para fruir.  Afinal, se tempo é riqueza quanto mais tempo se tem mais rico se é. Rei Midas redivivo! Não se pode confundir a riqueza com sua expressão matemática, nesse caso, o dinheiro. Eis o desafio que emana do cerne do imaginário hegemônico tecido a partir da Europa que coloniza o pensamento com gravíssimos efeitos para toda a humanidade, inclusive o efeito estufa, conforme veremos adiante.

         Se o primeiro momento da construção do sistema mundo moderno-colonial foi feito sob a tríade da Cruz, da Espada e do Dinheiro o segundo momento substituiu a Cruz pela Ciência continuando a se mover com a Espada e com o Dinheiro. Vimos como nesses dois momentos a Ciência e Religião não foram incompatíveis e o que a Ciência prometeu a partir da segunda moderno-colonialidade foi realizar aquilo que a religião prometera, ou seja, acabar aqui na terra e não nos céus com a fome, a doença e o sofrimento humano. Se antes a fé movia montanhas agora é a Ciência feita tecnologia que com suas máquinas remove concretamente e, não imaginariamente, montanhas, rios, draga pântanos, irriga terras, cria elementos químicos (são 26 os sintéticos além do 90 naturais), transmaterializa a matéria com a nanotecnologia, com a biotecnologia, com a transgenia.

         Com isso uma nova fase do processo de globalização aprofunda a dominação da natureza mantendo a natureza moderno-colonial da globalização da primeira fase. O que se dá a partir de então é uma mudança radical na relação tempo-espaço por meio de uma revolução no campo da energia. É que até então o ciclo de todo processo de trabalho, que depende de energia, estava associado aos ciclos biológicos, enfim, à energia solar renovável nos ciclos da vida biológica. Usava-se a energia animal que, por sua vez, dependia da biomassa (forragem) para alimentar os animais de tração e de carga. Há um ciclo de fotossíntese que depende do movimento de rotação (dos dias e das noites) e de translação (das estações do ano). A agricultura mantinha uma relação orgânica, em mais de um sentido, com a criação de animais. As cidades não podiam ser muito grandes, pois para alimentar os seus habitantes se necessitava não só de grandes extensões de terras para cultivar alimentos como, ainda, de grandes extensões de terras para pasto para alimentar os animais que eram usados para o cultivo dos alimentos. Com o uso dos combustíveis fósseis como fonte de energia com a máquina a vapor, passou-se a usar uma energia solar que não depende dos ciclos diários ou anuais de fotossíntese, mas de fotossíntese concentrada nos fósseis e que havia sido mineralizada sob a forma de carvão, de petróleo ou de gás num outro tempo, um tempo geológico. Assim, acreditava-se, o homem podia se emancipar das limitações do movimento de rotação e de translação da Terra para produção de biomassa, em suma, da energia não só para alimentar plantas, homens e outros animais como, também, de energia que pudesse realizar qualquer trabalho, isto é, capacidade de trans-formar a matéria. Assim como o domínio do fogo foi uma primeira grande revolução na relação dos humanos com a natureza, a máquina a vapor, na verdade, potencializa ainda mais o domínio do fogo e, com isso, a capacidade de trans-formação da matéria. Aliás, o uso do carvão na máquina a vapor veio resolver um problema imediato e muito concreto derivado da escassez de lenha (de madeira) para combustão. Ou seja, o tempo de produção e reprodução da biomassa sob a forma de lenha (madeira) não se dava na proporção em que era demandado. A Inglaterra importava madeira da Escandinávia e as florestas estavam sendo devastadas.  Assim, a resolução de um problema concreto em uma situação concreta acabou por gerar uma tecnologia, a máquina a vapor, passível de ser universalizada. Sublinhe-se que a generalização do uso da máquina a vapor não é feita pela máquina a vapor. A máquina não se generaliza por si mesma, mas, sim, por meio das relações sociais e de poder e essa é uma verdade que precisa ser destacada para não reificarmos a história e a conformação geográfica do mundo. Toda revolução tecnológica, inclusive a revolução industrial com sua máquina a vapor, é parte das transformações nas relações sociais e de poder e, assim, a generalização dessa tecnologia fez parte da expansão da burguesia e do capitalismo que encontrou nessa tecnologia a possibilidade de afirmar seus desígnios de acumulação com um maior domínio sobre a natureza e sobre os homens. Portanto, quando estamos falando do antropocentrismo é preciso ver que o domínio que os homens podem ter sobre a natureza não é igualmente exercido por todos os membros da espécie. Afinal, a espécie humana se relaciona com a natureza por meio das relações sociais e de poder e não enquanto espécie biológica, simplesmente, como parecem sugerir tanto os que afirmam o antropocentrismo como alguns dos seus críticos.

         Com a generalização do uso da máquina a vapor, inclusive nos transportes a longa distância (ferrovias e navegação transoceânica), a matéria pode ser captada em qualquer lugar do planeta e transportada para onde se quer[23]. Deslocar, eis a palavra chave da nova configuração geopolítica proporcionada pela revolução (nas relações sociais e de poder por meio da nova tecnologia) industrial. E deslocar é uma palavra que, por suas implicações políticas e, sobretudo, ambientais nos interessa de perto. Des-locar implica retirar do lugar, retirar do ambiente local. Como os lugares/ambientes são constituídos por pessoas sob determinadas relações sociais e de poder, retirar do lugar é, também, retirar dos do local matéria e energia. Des-locar é, ainda, des-envolver e, assim, é o próprio des-envolvimento (Scheibe e Buss[24]) que exige que se tome em consideração suas implicações territoriais, inclusive, geopolíticas. Afinal, des-locar, des-envolver é, também, retirar do ambiente sua autonomia (des-ambientar)[25]. Assim, com a revolução (nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia) industrial, o sentido do fluxo geográfico da matéria será aquele conformado pelas relações sociais e de poder da geopolítica do sistema mundo moderno-colonial. É a globalização da natureza como parte da natureza da globalização moderno-colonial, eis ao que nos remete uma análise que integra as relações sociais e de poder à natureza. Não à toa, as disputas territoriais entre diferentes potências imperialistas se tornaram cada vez mais freqüentes desde a segunda metade do século XIX (partilha da África na Conferência de Berlin[26] (1885), a 1ª e a 2ª guerras[27] (1914-1918 e 1939-1945), além da crise permanente do Oriente Médio, neste caso, a demonstração maior do significado da energia enquanto potencial de transformação da matéria).

Há um quadro do pintor espanhol Francisco Goya (1746-1828) que nos mostra dois lutadores de esgrima se movimento sobre um pântano e, assim, quanto mais se movem em busca de ocupar espaço mais se afundam no ambiente. Não podia haver melhor metáfora de nosso mundo onde se olvida a termodinâmica (o princípio da entropia, por exemplo): que todo processo de trabalho dissipa energia (calor); que todo processo de transformação da matéria para fins socialmente considerados legítimos deixa resíduos sólidos, líquidos e gasosos; olvida-se que a flecha do tempo não é abstrata, mas, sim, concreta e material: que tempo de assimilação pela própria natureza da matéria socialmente desagregada bio-físico-químicamente pode não ser compatível com tempo das condições de reprodução da vida biológica, pelo menos nas condições de vida conhecidas (o tempo de assimilação dos gases de efeito estufa pela natureza ultrapassa o de uma geração de humanos; o tempo de vida do lixo radiativo remonta a muitas vidas e se conta em centenas ou milhares de anos); olvida-se que a resiliência, capacidade de um ecossistema se reproduzir por si mesmo em meio a transformações, pode ser rompida alterando as condições da própria vida.

Na verdade, passamos a assistir à apropriação de um tempo geológico, o da formação de uma matéria-energia fóssil – carvão, petróleo e gás – subordinada a um tempo do curto prazo, o do aumento da produtividade, seja para se ganhar a concorrência e obter lucro, seja simplesmente para aumentar o consumo de bens materiais ou se afirmar como superpotência. A capacidade de transformação da matéria chega ao paroxismo com a energia atômica, quando a desagregação da matéria se dá numa velocidade tal que nos coloca diante da possibilidade concreta de extinção da vida tal como a conhecemos. Até 1945, dos 90 elementos químicos se manipulava de modo relativamente amplo cerca de 25 a 30, sendo que desde então até hoje se manipulam não só todos os demais como, ainda, mais 26 elementos sintéticos foram adicionados aos naturais, segundo nos informa Eduardo Mari[28]. Não se tem uma avaliação sistemática do que significa a manipulação desses elementos num período relativamente curto da história, sobretudo por suas possíveis implicações com o metabolismo do próprio corpo humano, para não falarmos da vida em geral[29].

Houve mesmo a crença partilhada por várias ideologias diferentes que todos poderiam participar de uma vida boa por meio do consumo dos bens materiais[30] que todo o aparato tecnológico proporcionava de trans-formação generalizada da matéria. Henry Ford levou à prática essa ideologia, o fordismo, que teve sua contrapartida na antiga URSS, com o stakanovismo. Tanto o keynesianismo como a ideologia social-democrática partilham a mesma crença desenvolvimentista. Assim, as ideologias hegemônicas em torno das quais desde o século XVIII e XIX vimos nos debatendo, tanto as liberais como as que se pretendem críticas ao capitalismo, partilham essa mesma crença tecnocêntrica característica do pensamento eurocêntrico[31]. Daí a necessidade de descolonizar o pensamento e, sobretudo, se abrir para as múltiplas matrizes de racionalidade que o mundo comporta e que a ideologia do progresso e do desenvolvimento impede de dialogar por negá-las na sua outridade. Assim, os marcos do pensamento eurocêntrico negam a outridade tanto do outro absoluto – natureza – como dos outros distintos povos com suas distintas matrizes de racionalidade, os topoi de Boaventura de Sousa Santos (2002).

. Globalização, terceiro movimento

É isso que se que se delineia nos últimos 30/40 anos com a nova fase do longo processo de globalização onde a preocupação com o ambiente é parte constitutiva. A primavera silenciosa (Rachel Carson, 1907-1964) nos indicava que o sonho acabou (John Lennon, 1940-1980) com o mal-estar da civilização (Sigmundo Freud, 1856-1939) que os anos 1960 tão bem sinalizaram (“Sejamos realistas, exijamos o impossível”). É daí que surge a contracultura com toda a crítica às estruturas hierárquicas de poder (“É proibido, proibir”) e todo o debate em torno do direito à igualdade, à diferença (raça, gênero, orientação sexual, étnica) e à vida, inclusive o direito à vida para além da espécie humana. O ambientalismo é, talvez, o único movimento dos que saíram dos anos 60 a colocar em debate uma visão global do planeta por meio de uma grande narrativa, ainda que trazendo ao debate a diversidade da vida e da cultura. Enfim, a idéia de dominação da natureza, sinônima de progresso e desenvolvimento, cerne do constructo moderno-colonial sob hegemonia eurocêntrica, começa a ser abertamente posta em questão nas suas diferentes versões. Á época a ecologia chegou a ser vista até mesmo como ciência subversiva[32], sobretudo pelos desenvolvimentistas do terceiro mundo que, dominados pela colonialidade do pensamento, querem ser de primeiro mundo para o que não lhes faltou apoio vindo desse primeiro mundo[33]. Todos os problemas da África, da Ásia e da América Latina e Caribe pareciam estar relacionados ao seu atraso e esse atraso[34] estava referido à temporalidade da segunda moderno-colonialidade. Para superar o atraso falava-se em modernização por todo lado. Como vimos assinalando modernizar é, sempre, colonizar e, assim, modernizou-se (colonizou-se) o cerrado brasileiro com a revolução verde dos grandes latifúndios modernos com suas monoculturas para exportação, modernizou-se (colonizou-se) o semi-árido com irrigação para o cultivo de frutas para exportação, modernizou-se (colonizou-se) a Amazônia com os grandes projetos hidrelétricos, de mineração e monoculturas várias para exportação, para ficarmos com exemplos brasileiros, mas que podem ser vistos igualmente no Paraguai, na Argentina, no Oriente boliviano, na Colômbia, no Equador, no México, no Chile. Esse processo de modernização (colonização) é, também, processo de des-envolvimento no sentido que vimos assinalando junto com Scheibe e Buss e é um processo que, tal como na primeira moderno-colonialidade, se faz de modo violento não só porque implica dominar a natureza como também negar os camponeses, os povos originários e os afrodescendentes[35] (antes indolentes e preguiçosos e, hoje, simplesmente, improdutivos).

Assim, passamos a viver o aparente paradoxo de ver nos últimos 30/40 anos o ambiente entrar definitivamente na agenda política e nos meios de comunicação e, ao mesmo tempo, assistimos a um processo de devastação jamais visto (Porto-Gonçalves[36]). Nunca se devastou tanto o planeta como no período em que mais se falou em salvá-lo! Os ambientalistas que viram sua problemática atingir o auge de reconhecimento na Rio-92, onde estiveram presentes os chefes de estado de todo o mundo, se vêem diante desse fato incontestável e vivem o dilema de se afirmarem quanto mais o planeta é devastado! Poder-se-ia dizer que a devastação teria sido maior não fossem os ambientalistas, mas não podemos fugir às nossas responsabilidades diante do fato concreto de que a devastação nesses últimos 30/40 anos atingiu níveis jamais vistos.

Os limites da relação da racionalidade eurocêntrica e sua tecnociência, como parte das suas relações sociais e de poder, com a natureza e com outras matrizes de racionalidade começam a ser atingidos como assinala o aquecimento global[37], a gripe aviária, o mal da vaca louca, a aids, a temporada de furacões cada vez mais intensos e, sobretudo, a resistência de povos e grupos sociais que devem a sua existência à produtividade ecológica primária (biomassa) e à criatividade de suas culturas – povos originários, camponeses, afrodescendentes em seus quilombos (Brasil), palenques (Colômbia e Panamá) e cumbes (Venezuela). São grupos sociais que estão nas margens do que se chama mundo moderno, ou melhor, de grupos sociais que se constituíram nos últimos 500 anos nesse limite entre suas matrizes de racionalidade e a racionalidade eurocêntrica operando numa zona de contato entre duas lógicas distintas (Catherine Walsh, Rivera Cusicanqui, Walter Mignolo, Xavier Albó).

Há, em meio a esse contraditório turbilhão, um pensamento ambiental subalterno pós-moderno, pós-colonial, pós-tradicional sendo forjado pelos movimentos sociais com diversos nomes: socio-ambientalismo, ecologismo dos pobres, ecologismo de sobrevivência, ecologismo feminista, racismo ambiental, justiça ambiental, racionalidade ambiental. Diferentemente de um ambientalismo de matriz eurocêntrica que se desenvolveu com base no mito moderno da natureza intocada, na feliz caracterização crítica de A. C. Diegues, há esse outro ambientalismo que emana do pensamento subalterno e que parte da criatividade cultural e da produtividade biológica primária em busca de uma racionalidade ambiental (Leff). É assim um pensamento com e não contra a natureza, que retira sua força do conhecimento do lugar (pensamento local) sem pretensões de universalização, mas, como tudo que é humano, universalizável, o que tanto pode se dar por meio da imposição, como é o caso da colonialidade do poder que quis fazer crer ao mundo que havia um conhecimento superior e, por isso naturalmente com direito à cidadania global, como pode se dar por meio de uma ética da outridade como sugere Enrique Leff por meio de Emanuel Levinas, ou Catherine Walsh por meio da interculturalidade.

Na verdade, o que está em jogo são as grafias com que estamos marcando a terra, a Terra, as novas geo-grafias. A crise dos Estados Nacionais é uma crise dessa conformação territorial que foi imposta ao mundo todo pela colonialidade do poder que generalizou a idéia de território mutuamente excludente, na verdade ancorada na idéia da propriedade privada. Por isso, se fala tanto, hoje, de romper as fronteiras. Nesse sentido, há muito que aprender com os ayllus dos povos do Tawantinsuyo (q´echuas, aymaras), com o komon dos maias (um mundo onde caibam outros mundos, conforme a fina sugestão do sub-comandante Marcos), com o teko e teko-ha guarani, com os quilombos (que não eram somente de negros, mas aberto a todos que ali buscavam a sua liberdade), com os migrantes que mesmo vivendo em terras outras que não as de origem, mantém relações transterritoralizadas com suas famílias e os lugares que carregam como parte de sua subjetividade, ou com os migrantes que reinventam, nas cidades, relações comunitárias e práticas de ajuda mútua de origem rural (os indígenas de El Alto, na Bolívia, ou na cidade do México, o mutirão das favelas no Brasil). Afinal, os territórios nacionais reproduziram no interior de suas fronteiras o colonialismo, o colonialismo interno tão bem analisado por Pablo Gonzalez Casanova e, assim, negou as múltiplas territorialidades que ali habitavam.

Nesse sentido cabe prestar atenção à mensagem de Luis Macas, membro da CONAIE – Coordenação Nacional Indígena do Equador – quando diz que “nuestra lucha es epistémico e política”.

A idéia que a natureza é uma fonte inesgotável de recursos não é só uma idéia que se possa substituir por outra idéia. É uma idéia que conforma as relações sociais e de poder que a conforma. Assim, não é uma idéia fora do mundo concreto de homens e mulheres nas suas relações entre si e com a natureza. Ao contrário, é uma idéia que sobrevive a seus críticos que teimam em permanecer exclusivamente no plano das idéias ignorando a relação das idéias com o mundo das relações sociais e de poder. Eis a razão de tanta crítica ao paradigma que se diz em crise e a sobrevida das práticas informadas por esse mesmo paradigma. Afinal, os paradigmas não caem dos céus. São, na verdade, instituídos no terreno movediço (o espaço) da história e, assim, os paradigmas têm processos instituintes e sujeitos que os protagonizam e que lhes dão suporte e sustentação. Não vamos superar os paradigmas que estão em crise, enquanto não formos capazes de identificar as ações e as instituições que os mantém vivos.

Eis o desafio que se apresenta aos educadores e às nossas sociedades, sobretudo para os setores subalternos. Assim como o desenvolvimentismo se expandiu em nome de superar o subdesenvolvimento, vemos o mesmo no campo ambiental onde o des-envolvimento é recuperado enquanto eco-desenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, enfim, sempre alternativas de desenvolvimento e não alternativas ao desenvolvimento. É de outra(s) racionalidade(s) que carecemos, o que Enrique Leff vem, apropriadamente, chamando racionalidade ambiental (Leff, 2006 [2004]) o que requer uma ética da outridade (Leff; Levinas) por meio de uma política da diferença na igualdade e de uma política de igualdade na diferença[38].

-Conferência proferida no V Fórum Ibero-americano de Educação Ambiental em Joinville, 6 de abril de 2006.

- Carlos Walter Porto-Gonçalves é Doutor em Geografia, Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, Membro do Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso e Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). Ganhador do Prêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004 é autor de diversos artigos e livros publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, em que se destacam: - Geo-grafías: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentablidad, ed. Siglo XXI, México, 2001; Amazônia, Amazônias, ed. Contexto, São Paulo, 2001; Geografando – nos varadouros do mundo, edições Ibama, Brasília, 2004; O Desafio ambiental, Ed. Record, Rio de Janeiro, 2004 e A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização, Ed. Record, Rio de Janeiro, 2006.

 



[1] PRIGOGINE, Ilya; STENGERS; Isabelle. A nova aliança: a metamorfose da ciência. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994.

[2] Devo essa idéia ao dramaturgo José Celso Martinez Correa e não aos que hoje associam a revolução da vontade nos marcos da ordem existente o que, por si só, limita a vontade de tranformação.

[3] É interessante observar que no Brasil se fala de nordestino, de nortista e de sulista para referirmo-nos a quem nasce nas regiões Nordeste, Norte e Sul, respectivamente. Todavia, não falamos de sudestino ou de centro-oestista para nos referirmos a quem nasce nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, regiões que se constituem nos centros mais dinâmicos do poder econômico no Brasil. O Centro não se vê como parte, como região que, sempre, é uma parte de um todo qualquer (até mesmo quando se fala de uma determinada área do cérebro costuma-se falar de região frontal, região do córtex). O mesmo ocorre com os endereços de e-mail. Todos os países têm que apor sua sigla ao final - .Br, para o Brasil; .es, para a Espanha; .pt, para Portugal; .co, para a Colômbia e, assim, para cada país, menos para os endereços de e-mail dos EUA que não tem .us. Mais uma vez o Centro não se expõe.

[4] Aristóteles só chegou a Paris no século XII em uma tradução feita na cidade de Toledo na atual Espanha (LANDER, 2005 [2000]).

[5] LANDER, Edgardo 2005 [2000] A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latino-americanas, São Paulo/Buenos Aires.

[6] QUIJANO, Aníbal, 2005 [2000] Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina in LANDER, Edgardo 2005 [2000] A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latino-americanas, São Paulo/Buenos Aires.

[7] WALLERSTEIN, Imannuel 1997 El Espacio/Tiempo como base del conocimiento. Anuario Mariateguiano (Lima), vol. IX, n° 9.

[8] MIGNOLO, Walter 2000 Histórias Locais/Projetos Globais. EDUFMG, Belo Horizonte.

[9] Aníbal Quijano nos alerta que até o século XVII não se encontra na literatura nenhum registro de que uma pessoa seja discriminada pela cor de sua pele, sendo este tipo de racismo uma invenção da moderno-colonialidade.

[10] Região que corresponde ao atual norte da Argentina e Chile, a maior parte da atual Bolívia, Peru, Equador e Colômbia.

[11] - Região que corresponde a atual Guatemala, México e grande parte do território us-americano anexado após a guerra contra o México entre 1845 e 1848 (Califórnia, Utah, Arizona e grande parte do Texas).

[12] Diga-se, de passagem, que o Haiti era a mais rica das colônias francesas.

[13] CECEÑA, Ana Éster (coord..) 2006 Los Desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado. Clacso, Buenos Aires.

[14] CASANOVA, Pablo González 2004 Las Nuevas Ciencias y las Humanidades – de la Academia a la Política. Anthropos/UNAM (México) Editorial Complutense (Madrid).

[15] ESCOBAR, Arturo 1996 La Invención del Tercer Mundo – construcción y deconstrucción del desarrollo. Editorial Norma, Bogotá.

[16] LEFF, Enrique 2006 [2004] Racionalidade Ambiental – a reapropriação social da natureza, Ed. Record, Rio de Janeiro.

[17] SANTOS, Boaventura de Sousa 2002 Democratizar a Democracia – Os caminhos da democracia participativa, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

[18] LINERA, Álvaro Garcia (Coord.), CHÀVEZ LEÓN, Marxa e COSTAS MONJE, Patricia 2004 Sociología de los movimientos sociales en Bolivia – estructuras de movilización, repertorios culturales y acción política. Diakonia/OXFAM, La Paz.

[19] PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter 2006 A Reinvenção dos Territórios – a experiência latino-americana e caribenha. In CECEÑA, Ana Ester (coord..) 2006 Los Desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado. Clacso, Buenos Aires.

[20] Se é que nossa idéia do que seja a natureza faz algum sentido fora da matriz de racionalidade eurocêntrica.

[21] DESCOLA, P, y G. PÁLSSON (Eds.) 1996 Nature and Society. Antropological perspectives. Routlege, Londres e Nova Iorque.

[22] Não se sabe, na verdade, qual é a objetividade de um axioma ou de um postulado, seja ele qual for. Por exemplo, como encontrar na natureza a referência empírica do postulado de que todo número elevado a zero é igual a 1? A matemática se encontra, sem dúvida, entre as mais criativas formas de linguagem jamais inventada pelos homens e isso no sentido poético mais forte dessa expressão, ou seja, enquanto criação absoluta. Eis o seu valor maior. A pretensão de objetividade da matemática é um rebaixamento desse valor.

[23] Para evitar reificações nos vemos obrigados a destacar que a possibilidade de se transportar o que quer que seja para onde se queira, não quer dizer que todos os homens e mulheres, por mais que queiram, possam fazê-lo. Essa possibilidade está inscrita na tessitura das relações sociais e de poder e os conflitos sociais são os melhores indicadores das tensões e contradições que nos movem. Enfim, devemos valorizar o conflito, pois eles expressam as contradições de modo prático, interessado, e nenhum consenso verdadeiro pode ser construído se não aceitamos como ponto de partida o dissenso.

[24] SCHEIBE, L. F; & BUSS, M. D. - O caráter paradoxal do conceito de des (-) envolvimento. In: Simpósio Internacional de Ecodesenvolvimento, 1, Santa Maria, RS. 28 - 31/10/1992. (inédito)

[25] Nesse sentido, a expressão desenvolvimento sustentável é uma contradição nos termos, pois é o des-envolvimento que, na própria palavra, indica a quebra do envolvimento.

[26] A Conferência de Berlin dividiu com regra e compasso o território africano entre as potências imperialistas sem que tenha precisado, à época, se revestir do caráter de organismo multilateral que, hoje, cumprem o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio e o Conselho de Segurança da ONU (muito embora os EUA se sintam na condição de só respeitar as decisões que não colidam com seus interesses estratégicos, como vimos no caso do Iraque).

[27] Observe-se que essas guerras só são consideradas como mundiais pelo fato do campo de batalha envolver os territórios dos países do centro do sistema-mundo moderno colonial. A guerra tem sido o estado permanente nos territórios dos povos originários da atual América, da África e da Ásia. Para esses povos, desde o primeiro momento da constituição do sistema mundo moderno-colonial “o estado de exceção é a regra”, como disse um dos próceres da Escola de Frankfurt.

[28] MARI, Eduardo 2000 El Ciclo de la Tierra. Fondo de Cultura, México/Buenos Aires.

[29] A quebra de relações e níveis das cadeias tróficas pela liberação de elementos químicos em ligações diferentes daquelas que até então a vida tal como conhecemos havia se desenvolvido pode estar relacionada ao aumento das doenças degenerativas e a vários outros desequilíbrios que põem a vida em risco.

[30] Devemos ser capazes de refinar uma crítica ao consumismo e ultrapassar uma visõa que se generalizou e que ignora que os homens e mulheres têm uma “pulsão ao gasto” (George Bataille) que inventa sentidos para a vida para além do biológico, enfim, cria mundos por meio da cultura. É esse o espetáculo que a diversidade de línguas e culturas nos oferecem. A crítica aos riscos que a sociedade moderno-colonial impõe a humanidade inteira não pode ignorar essa pulsão ao maravilhoso (Leff).

[31] Não vai aqui qualquer crítica ingênua à técnica que, como indicamos acima, é, sempre, parte das relações sociais e de poder e nesses contextos específicos deve ser analisada. Além disso, não há sociedade sem técnica, embora as diferentes sociedades mantenham diferentes relações com as suas técnicas. A relação que a racionalidade especificamente européia tem com a técnica está longe de ser a única e, mais ainda, desejável, pelo que indica a degradação ambiental contemporânea que lhe valeu, até mesmo, o epíteto de sociedade de risco (U. Beck e A. Giddens).

[32] Na verdade, sabemos, não há ciência subversiva e, sim, homens e mulheres de carne e osso que põem o mundo em questão (ou não). Sem a agência humana, sobretudo, ação coletiva, nenhum conhecimento transforma o mundo.

[33] O Banco Mundial, por exemplo, se encarregaria de gerar as condições gerais (recursos financeiros, transportes, comunicações, energia) para o des-envolvimento.

[34] A segunda moderno-colonialidade também se verá obrigada a marcar a terra com seu próprio meridiano, o de Greenwich, não reconhecendo mais o de Tordesilhas, meridiano que marcou o primeiro movimento da globalização moderno-colonial.

[35] No Brasil, as áreas de maior violência no campo são aquelas para onde se expande o moderno latifúndio empresarial autodenominado agribusiness (Ver PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter 2004 Democracia e Violência no Campo Brasileiro: o que dizem os dados de 2003 in Conflitos no Campo – BRASIL – 2004, Goiânia, Loyola/CPT).

[36] PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter 2006 A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização, Ed. Record, Rio de Janeiro.

[37] Que cientistas e publicitários contratados pelos grandes complexos industriais us-americanos sugerem chamar de mudança climática global em vez de aquecimento global.

[38] Como parece sugerir Boaventura de Sousa Santos ao dizer: “Estamos em uma situação nova em relação à modernidade, e, apesar da sociedade ser muito desigual, a igualdade não chega. Nós queremos, ao contrário do que aconteceu no passado, salientar a diferença, nós queremos dois princípios, e não um só: o da igualdade e o da diferença. O princípio da igualdade exige a redistribuição por lutas que continuam sendo fundamentais. O princípio da diferença exige conhecimento igualitário das diferenças, onde a modernidade ocidental sempre fraquejou. Essa dupla tem que estar totalmente junta na sociedade civil. E aí surge o grande direito nesta sociedade civil global. O direito a ser iguais, quando a diferença nos inferioriza; o direito a ser diferentes, quando a igualdade nos descaracteriza” (Palestra proferida no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, 28 de janeiro de 2003).

https://www.alainet.org/pt/articulo/114729
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