Lula (ou Color?) de saias ...

01/09/2014
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O Jornal Folha de São Paulo (FSP 29/08/2014) fez circular a informação de que o ex-deputado José Dirceu teria afirmado que a candidata Marina Silva, da Rede Solidariedade abrigada na sigla do PSB, seria o “Lula de Saias”. Não temos com averiguar essa informação que, todavia, se oferece no atual mercado político (a expressão não é fortuita). Que necessitamos de uma reforma política, ou mais que isso, de uma verdadeira revolução política diante de tudo que está implicado no país e no mundo é fato que as manifestações de junho de 2013 tornaram pública no Brasil e se puseram em debate no mundo desde 2011 com a Primavera Árabe, o “Ocuppy Wall Street”, nos EUA, os Indignados no sul da Europa e na Grécia, o movimento "Yo soy 132" contra a fraude eleitoral no México e o movimento estudantil do Chile.

Há uma clara crise no sistema político onde a democracia está sendo reduzida a mero procedimento eleitoral e, assim, se tornando uma democracia de baixa intensidade, como lhe vem chamando Boaventura de Sousa Santos. Nesse verdadeiro “caos sistêmico” (I. Wallerstein e G. Arrighi) as instituições mediadoras do político e das demandas sociais (partidos políticos e sindicatos) também estão em crise e, em meio a isso, outras formas de fazer político se insinuam. A crise da democracia representativa é, sobretudo, a crise da representação e sobre isso as ideologias e práticas conservadoras parecem não ter dúvidas haja vista as intempestivas críticas que fazem a iniciativas que procuram ampliar a participação e controle social, ainda que muitas delas sejam débeis, como foi o caso, no Brasil, do “orçamento participativo”, e a proposta em curso no Congresso de controle social desses novos mediadores do interesse social que são as organizações políticas midiáticas.

No Brasil, já experimentamos aventuras políticas que se apresentaram aproveitando-se desse “caos sistêmico”, como foi o caso da eleição de Color de Mello para Presidente da República, em 1989. À época, os setores conservadores no Brasil se dividiram e lançaram muitas candidaturas à Presidência (Afif Domingues, Collor de Mello, Ronaldo Caiado, Ulisses Guimarães entre outros). Ainda em agosto de 1989, os conservadores tentaram apostar na candidatura de Mario Covas que, então, se apresentava como sendo do centro do espectro político (PSDB). A firme candidatura que se apresentava no campo popular, com um Lula da Silva ainda com cara de “João Ferrador”, o sindicalista combativo, chegou a provocar declarações profundamente antidemocráticas, como as do Sr. Mário Amato, então Presidente da FIESP, que afirmara que se Lula fosse eleito os empresários mudariam de país. Não emplacando nenhuma candidatura à direita, os setores conservadores investiram numa aventura, muito menos por suas virtudes, haja vista que poucos anos depois eles mesmos ajudariam a derrubá-lo, mas muito mais por seu caráter anti-Lula.

Tudo indica que caminhamos novamente por um sendeiro semelhante com uma candidatura de “origem humilde” de Marina da Silva que, por essa condição, estaria sendo chamada de “Lula de saias”. Não me parece a analogia mais adequada. Mesmo considerando que o PT nesses últimos 12 tenha contribuído para o rebaixamento do debate político naturalizando o Presidencialismo de negociação atraindo para sua base de governo figuras das mais conservadoras como Afif Domingues, Color de Mello, Paulo Maluf e Katia Abreu e, assim congestionando pela direita o centro do espectro político, o fato é que o fez introduzindo um componente que, até aqui, fora ignorado pelas elites conservadoras que nos governam há 500 anos: a preocupação com a desigualdade social através de programas de governo que procuram atacar a miséria e fazer justiça social. É aqui que Marina Silva, ex-petista até ontem (2010), oferece uma credibilidade que nenhum candidato conservador oferece. Por mais que Aécio Neves diga que não vai acabar com os programas sociais (Bolsa Família, Minha Casa é Minha Vida, Luz para Todos, ampliação das universidades públicas, escolas técnicas profissionalizantes) seu discurso não cola. Esses programas, sabemos, estão longe de caracterizar um governo como sendo de “esquerda”, basta observarmos como vêm sendo postos em prática por vários governos abertamente de direita na América Latina, como o de Uribe Vellez e Juan Manoel Santos na Colômbia, e o de Ollanta Humala, no Peru, e tenham sido assimilados até mesmo pelo Banco Mundial. Talvez essa solução de combate à pobreza explique porque o Presidente Barack Obama tenha afirmado que Lula da Silva seja “o cara”.

Todavia, não subestimemos a relação que o povão tem com esses programas sociais. Dois anos atrás, quando um boato circulou sobre o fim do Programa Bolsa Família, as agências bancárias, sobretudo na região Nordeste, foram imediatamente ocupadas por milhares de beneficiários do Programa para receber o que lhe era devido. Tudo parece indicar que o Bolsa Família já não é mais um Programa de determinado governo ou partido e está maduro para ser incorporado como direito e deixar de ser simplesmente Programa.

Por mais que Marina Silva se apresente como alternativa ao governo do PT, ela já se apressou a lançar sua “Carta aos Brasileiros”, tal como fez o PT em 2002 para acalmar os banqueiros! Não olvidemos que Lula da Silva manteve no Banco Central o Sr. Henrique Meirelles, ex-presidente do Bando de Boston, então recém-eleito Deputado Federal pelo PSDB, de Goiás. Marina Silva também já se acercou de notórios representantes do maisntream do mercado financeiro. Uma avant premiére de governar com pessoas e não com instituições? Marina Silva e seus assessores já disseram que não são contra os transgênicos e, assim, se aproximam do mundo de Katia Abreu e do que há de mais conservador no mundo rural brasileiro. Diga-se, de passagem, que Katia Abreu apoia Dilma Roussef!

É claro que o PT contribuiu, e muito, para esse estado rebaixado da política brasileira atual por seu pragmatismo, agora se vê, irresponsável, ao acreditar que poderia governar para o povo com alianças políticas com setores historicamente anti-povo. A própria Marina Silva, a mais longeva entre os Ministros do governo Lula, o que indica o grau de confiança que o então Presidente e o PT nela depositavam, jamais se pronunciou contra essas alianças políticas. Não esqueçamos que Marina Silva e Henrique Meirelles foram os dois primeiros nomes de ministros anunciados por Lula da Silva numa viagem que fez a Nova Iorque em dezembro de 2002. O lugar do anúncio e os nomes falam por si mesmos.

Lula da Silva ao anunciar sua Ministra para o Meio Ambiente contribuiria para associar o nome de Marina Silva ao do líder sindical e comunista Chico Mendes que, diga-se de passagem, estava sendo articulado para ser candidato a vice na chapa de Lula da Silva, em 1989, antes de ser assassinado em 22 de dezembro de 1988. À época Chico Mendes já se projetara internacionalmente quando recebera o Prêmio Cidadão Global 500 e outros por sua defesa original das condições naturais da vida. Até essa época, Marina Silva não era conhecida nacionalmente embora fosse uma excelente sindicalista e parlamentar no Acre, com uma carreira que passava longe dos temas ambientalistas a que Chico Mendes daria uma contribuição revolucionária. Lula da Silva, em dezembro de 2002 ao lançar o nome de Marina Silva como uma das suas primeiras ministras e o fazendo em Nova Iorque se apropriou da mais valia simbólica de Chico Mendes como se dissesse ao mundo que tinha quem cuidasse da Amazônia!

Marina Silva, no entanto, quando nomeada Ministra já havia contribuído para esvaziar uma das principais propostas de Chico Mendes, as Reservas Extrativistas, que implica a participação protagônica das populações na sua autogestão por seu “notório saber”. Marina Silva ao apoiar a criação de um SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação - que obriga a que toda UC tenha um plano de manejo feito por técnicos joga por terra o “notório saber” dos seringueiros e dos outros grupos sociais com sua cultura tecida com e não contra a natureza. Acrescente-se que Chico Mendes via a Reserva Extrativista como a Reforma Agrária dos seringueiros como também havia conseguido aprovar no Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais, realizado em Brasília em 1984, que a reforma agrária deve respeitar os contextos sociais e culturais específicos de cada região do país. Onde está a Reforma Agrária nas propostas de governo de Marina Silva (e de Dilma ou de Aécio)? Onde está a tese defendida por Chico Mendes de que “não há defesa da floresta sem os povos da floresta”, este sim, um novo paradigma de relação sociedade-natureza onde o conhecimento dos povos é fonte de novos horizontes de sentido para a vida?

Que Marina Silva busque se aproveitar do espírito das manifestações de junho de 2013 que expôs o quanto nosso sistema político está desconectado da sociedade, sobretudo daqueles que gritam porque sentem no corpo as contradições de um sistema que lhes é insensível, pode ser uma boa estratégia eleitoral. No entanto, entre os três candidatos que se apresentam liderando as pesquisas de opinião, o que mais coragem apresentou diante das manifestações de 2013, sem dúvidas, foi Dilma Rousseff que surpreendeu a todos com uma ousada proposta de reforma política que nem Marina Silva nem Aécio Neves apoiaram. Diga-se, de passagem, que nem mesmo o partido da Presidenta a apoiou, o que mostra que não basta voluntarismo para superar a grave crise política que nos acompanha.

Não se faz uma nova política com a independência do Banco Central nem com uma Carta aos Banqueiros, assim como não se pode defender a natureza pisando na história de Chico Mendes, como fez Marina Silva ao dar o nome de Chico Mendes a um Instituto que hoje nega a autogestão nas Reservas Extrativistas, tal como ele propusera e, hoje, exerce controle sobre esses espaços que foram uma grande invenção teórico-política dos movimentos sociais nos anos 1980 juntando a defesa da terra e da cultura através dos territórios.

Tudo indica que o amadurecimento político da sociedade brasileira seja suficientemente forte para não se deixar levar por outro aventureiro desconhecido, como foi Collor de Mello em 1989. Que no imaginário mais profundo da sociedade brasileira se quer um Silva no governo já não é de hoje. Basta olharmos que, desde os anos 90, quando o país experimentou a aventura política de Color de Mello que a direita não consegue emplacar um candidato que venha de dentro de sua própria história política, haja vista que até mesmo FHC não era conhecido por ser um intelectual conservador ou de direita.

Só não estou certo de que o amadurecimento da sociedade brasileira seja suficientemente forte para evitar uma nova aventura, agora com um Silva de saias, Marina, que bem pode ser um Color de saias! E como o processo eleitoral já está avançado e para que não tenhamos que ir às ruas com novos cara-pintadas para sacar do governo o novo Presidente sem forças políticas minimamente organizadas que lhes dê sustentação, sinalizemos com a única proposta política séria que se apresenta no horizonte: a da convocação de uma assembleia constituinte livre e soberana para refundar a política entre nós.

Já, já os conservadores dirão o que acham disso?

- Carlos Walter Porto-Gonçalves, Professor do Programa de Pos-graduação em Geografia da UFF. Prêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia, em 2004, prêmio conferido pela Ministério de Meio Ambiente, à época encabeçado pela Srª. Marina Silva. Prêmio Casa de las Américas de 2008, em Literatura Brasileira, La Habana, Cuba.

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