Por um punhado de terra
08/05/2005
- Opinión
Por um punhado de sal marchou Gandhi quando o Império Britânico
proibia a qualquer indiano aproximar-se do mar que lhes pertencia.
Milhares acompanharam o Profeta da Libertação em sua chegada à praia.
Caía ali um símbolo da dominação britânica.
As primeiras marchas do MST se inspiraram na Marcha do Sal do povo
indiano. Em 1986, da Fazenda Anonni a Porto Alegre. Em 1997, de São
Paulo a Brasília. Agora, em 2005, cerca de 12 mil camponeses de todo
o Brasil estão marchando de Goiânia a Brasília.
Por um punhado de terra marcham os Sem Terra. Sim, pois num
continente como o Brasil, um lote camponês não passa de um punhado,
até hoje negado a milhões que nele poderiam colher trabalho, comida e
dignidade. No entanto, penam nos fundos de campo e beiras de estradas,
empilham-se nas periferias urbanas, padecem famintos com os olhos
fixos nas cercas que protegem o latifúndio.
Latifúndio que é a chaga-mãe das chagas sociais que corroem o tecido
vivo da sociedade brasileira. Mesmo quando recauchutado com a
cirurgia plástica de alguma onda modernizadora – transgênicos,
agronegócio, geoprocessamento – a realidade é sempre a mesma. Trata-
se de uma arma mais sofisticada na mão do mesmo bandido. E atrás dele
se esparramam a destruição da natureza, o enriquecimento de poucos, a
violência, o êxodo rural, o desemprego, a miséria e a exclusão social.
Sua aparente exuberância esconde dívidas para serem renegociadas,
alongadas, esquecidas e por fim pagas por toda a sociedade.
Contra a praga do latifúndio – todos improdutivos, pois nenhum
latifúndio é socialmente produtivo – marcham os pobres do campo.
Querem terra e dignidade estes pés rachados pela rudeza da vida. Num
país onde terra não falta, por estar concentrada, falta a dignidade à
maioria de seus filhos.
Em favor da Reforma Agrária e da Agricultura Camponesa ergue-se esta
longa coluna de marchantes a desafiar o passado, abrir as brumas do
presente e fincar os alicerces do futuro. Sacodem consciências.
Irritam abastados. Incomodam conformados. Animam desanimados.
Atitude altaneira de heróis e heroínas, pobres de cabeça erguida,
dispostos a não deixar mais um século de Nação entregue aos luxos de
poucos. Atitude que desafia à ação todos os que sonham com um Brasil
humano e justo.
Ponhamo-nos pois em alerta solidário. Façamos o que ao alcance esteja.
Diante dos corpos cansados sob o sol inclemente, dos pés sangrados
pelo peso da história, dos rostos humildes enrugados pelas dores da
existência respondamos com o gesto solidário, com a mão amiga, com a
palavra de estímulo. E quem governa faça o que disse que faria - que
se um dia Presidente, uma só coisa fosse possível fazer, faria a
Reforma Agrária.
É pela Reforma Agrária que marcham altivos os heróis e as heroínas da
esperança do Povo Brasileiro. Enfim, por um punhado de terra que
remova o entulho de desgraças que o latifúndio provoca na sociedade
brasileira.
- Frei Sérgio Görgen é militante da Via Campesina e Deputado Estadual
(PT-RS)
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