Rolezinho: um olhar sobre a violação do direito à cidade
21/01/2014
- Opinión
A divulgação dos “rolezinhos” fez o JK Iguatemi (de São Paulo) buscar uma decisão judicial para abordar e restringir que jovens da periferia pudessem circular nas dependências do shopping. Essa medida tornou mais visível o processo de urbanização que marginalizou a periferia, violou o direito à cidade pela falta de políticas de planejamento e potencializou a discriminação e o preconceito de uma sociedade estratificada e desigual.
O processo de expansão horizontal das cidades empurrou as pessoas para áreas cada vez mais distantes dos centros urbanos, deixando-os, na maioria das vezes, sem direito a serviços de cidadania e a espaços públicos livres, como parques e áreas verdes, ou seja, territórios de domínio público. Logo, com a ausência estatal, a segregação social dessa população acontece em outros espaços, com características privada e mercadológica.
É o fenômeno que envolve a privatização dos direitos (moradia, saúde, lazer) e a supervalorização do espaço privado como resultado da ausência de planejamento urbano por parte do Poder Público. É a contradição pura, já que os investimentos vão para áreas onde há estrutura e melhores condições urbanas.
Esses locais têm sido primordialmente os condomínios privados ou os shoppings centers. Espaços privados de uso coletivo, notadamente excludente, garantido por meio de grades, muros e controle absoluto de quem pode nele circular.
Nos Estados Unidos, os shoppings passam por uma grave crise de identidade e parecem estar condenados à morte. No ano passado, jovens turcos mobilizaram milhões de pessoas contra a privatização do parque Taksim Gezi, onde seria construído um centro comercial sobre o último espaço verde ainda restante na cidade de Istambul.
Entretanto, no Brasil, a proposta dos shoppings centers ainda é vendida com a ilusão das bolhas urbanas com a promessa de facilidade, rapidez e segurança. Trata-se, na realidade, de espaços de confinamento humano, ausentes de decisão pública coletiva. E não é apenas ele, mas o carro, que também é símbolo do individualismo porque isola o motorista do contato real com o meio urbano e com as outras pessoas.
Nesse caso, a chamada luta de classes na sociedade de massa não se dá no espaço público, que é uma construção histórica, mas no espaço privado das relações. E de fato, nos espaços privados, o cidadão não deixa de ser um sujeito de direito, mas se torna um consumidor em potencial, relativizando suas garantias.
Por isso, a conclusão que se chega é de que a cidadania está forjada no sistema de Casa-Grande Senzala, de Gilberto Freyre, baseado na diferenciação e estratificação social, onde “a periferia” não pode circular livremente em alguns locais. Pois tratam-se de locais de desterritorialização.
Assim, estender a Casa Grande aos shoppings centers é a decisão que retrata a realidade de estratificação social no País. Esse é o preço da mercantilização da vida e da homogeneização do capital.
Porto Alegre, por exemplo, tem sofrido com a perda e a restrição do uso de espaços públicos. Basta lembrar a restrição do uso do largo Glênio Peres, a privatização do auditório Araújo Viana, a criação de uma via e a perda de espaço no parque Marinha do Brasil para o estádio Beira-Rio, a duplicação da avenida Edvaldo Pereira Paiva e a revitalização do Cais do Porto.
É preciso reafirmar a importância dos espaços públicos livres como um local de reafirmação da res pública e do direito à cidade inclusiva, de todos e para todos, independentemente da aparência. Por fim, precisamos de menos shoppings centers e consumo, e mais espaços públicos livres e diálogo.
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- Cristiano Lange dos Santos é advogado. Especialista e Mestre em Direito, foi Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito. Atua como Procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – LAPPUS.
- Marcelo Sgarbossa é advogado. Mestre e Doutorando em Direito pela UFRGS. Vereador em Porto Alegre pelo Partido dos Trabalhadores.
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