De volta para o futuro
- Opinión
Uma das estratégias usada pelos norte-americanos para combater a URSS, durante a Guerra Fria, foram os chamados “conflitos de baixa intensidade”. Após o desenvolvimento pelos soviéticos de armas nucleares e de mísseis para lançar tais armas (ICBM’s), lutar na Guerra Fria tornava-se muito perigoso e com custos muito altos. Desde o final da década de 60 até o início da de 80, os EUA optaram por criar uma série de conflitos pequenos, geograficamente delimitados e normalmente lutados pelas forças militares da região (Indochina, América Central, África, Ásia Ocidental), mas com o auxílio técnico e armamentista dos EUA, para embaraçar a URSS.
Esta estratégia tinha baixo risco de uma escalada nuclear e induzia os soviéticos a responderem da mesma forma, para tentar manter suas linhas de dominação. Estas guerras custavam muito e os EUA podiam lançar mão deste instrumento com muito maior frequência do que os soviéticos. Caso a URSS optasse por não auxiliar seus aliados locais, a vitória norte-americana se transformava em “vitória do capitalismo” ou “vitória da liberdade” e os soviéticos perdiam importantes apoiadores. Na prática, se os soviéticos aderissem à estratégia dos “conflitos de baixa intensidade” o custo financeiro drenava recursos de sua sociedade (que já gastava para manter a Alemanha Oriental e Cuba, por exemplo), e se a escolha fosse por não participar, permitindo aos norte-americanos o caminho livre, o prestígio e o apoio mundial aos vermelhos ia se esvaindo.
Assim a URSS foi fustigada e o resultado prático foi a impossibilidade de se manter economicamente. Tal plano, embora brilhante, também teve pontos problemáticos para os EUA. O Vietnã é o maior deles, mas não o único.
A estratégia norte-americana ao mesmo tempo que levou à destruição do modelo soviético (não sem alguma ajuda interna vermelha), também elevou a dívida pública dos EUA. A partir da década de 70, os EUA passaram a acumular muito prejuízo em suas contas internas. Reagan imaginou que o esforço valeria à pena, pois com a “Nova Guerra Fria” ele forçaria os soviéticos à bancarrota. A vitória moral-ideológica era mais importante.
O gráfico abaixo mostra bem o resultado econômico da estratégia dos “conflitos de baixa intensidade” para os norte-americanos. O que não se esperava é que os EUA fossem cometer o mesmo erro que induziram a URSS a praticar. Após os atentados ao WTC, em 2001, os EUA envolveram-se em um número bastante grande de conflitos (Iraque, Síria, Líbia, Afeganistão e etc.) e seu déficit interno vem crescendo de forma ainda mais acelerada. O Governo Trump sabe que não tem mais fôlego para manter todas as intervenções em andamento e ainda atacar simultaneamente a Venezuela e a Coreia do Norte. É preciso compreender que, assumindo todo este dispositivo militar, os EUA precisariam ainda manter militarmente a sua segurança. O custo é proibitivo.
As ações de Osama Bin Laden (2001) levaram os EUA a uma decisão: ou usavam o clamor mundial a seu favor e fortaleciam o sistema internacional (ONU, Conselho de Segurança, TPI, entre outros), aumentando o apoio aos EUA ao mesmo tempo que fortaleciam o multilateralismo; ou partiam para uma reação armada que geraria mais custo e mais descontentamento internacional para com o seu país. Bush foi pelo caminho errado, e mais de 15 anos depois a superpotência norte-americana está enredada na mesma estratégia que usou para empobrecer a URSS.
Kim Jong-un, o líder norte-coreano, ao testar suas armas nucleares, em realidade torna impossível qualquer forma de ataque. Os EUA não têm mais capacidade financeira de enfrentar guerras normais, não tem mais recursos para financiar “conflitos de baixa intensidade” e não podem simplesmente arrasar a Coréia do Norte. Enquanto a China e Rússia se mantiverem no silencioso endosse às ações de Jong-um, Trump nada poderá fazer, mesmo com sua imensa maior capacidade militar.
Obama compreendeu este problema e deixou Jong Un falando sozinho. Controlava o norte-coreano por meio da China. Trump parece escolher uma estratégia suicida: não há como manter todas as intervenções militares atuais e ainda atacar a Coreia do Norte mantendo um núcleo militar suficiente para defender-se de uma coalizão de Rússia, China e Irã. Militarmente isto não é possível e economicamente também não. Lembremos que a China é a principal credora internacional dos EUA. Acredita-se que os chineses tenham hoje entre 15% e 20% do total da dívida norte-americana. E a China não vai aceitar uma guerra em suas fronteiras ou desamparar um aliado.
Assim, ou Trump acha uma forma diplomática de recuar e não ficar desmoralizado ou, na iminência de colocar a ainda supremacia americana em xeque, será sacado do poder por dentro dos EUA. A imensa maioria dos historiadores e internacionalistas concordam que os EUA estão já em seu processo de ocaso. A questão é que, bem manejado, este declínio pode levar 15 ou 20 anos com os EUA mantendo ainda sua posição de primazia internacional e negociando com as novas potências desde um ponto de vantagem. Se Trump insistir na estratégia de “valentão internacional” os EUA podem cair de forma muito rápida, e isto, os empresários, banqueiros e políticos norte-americanos não vão permitir.
Por mais irônico que seja, a ditadura de Kim Jong-Un se comporta de forma bastante racional, buscando sua segurança, e a democracia americana, com Trump, deixa-se envolver em aventuras que não poderá sustentar. O século XXI, definitivamente, está colocando problemas mais complicados do que os líderes das nações do mundo têm tido capacidade pessoal para resolver. A impressão que se tem é que estamos à deriva ...
05/09/2017
http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/de-volta-para-o-futuro-por-fernando-horta
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