A reforma trabalhista e o ataque aos direitos

03/03/2017
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Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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O governo Temer pretende fazer reformas na legislação trabalhista e previdenciária. Essas reformas surgem por pressão especialmente dos segmentos empresariais – como a Fiesp, de Paulo Skaff – que apoiaram Temer no processo que levou ao impeachment da presidenta Dilma.

 

A cobrança dessa fatura política começou logo após o afastamento de Dilma, mas já estava prevista no programa Uma ponte para o futuro, lançado em outubro de 2015. Esse Programa já prenunciava a política que é agora abraçada por Temer.

 

Desde o ano passado, inúmeros projetos de lei surgiram no Congresso Nacional tratando de alterações na legislação trabalhista e previdenciária.

 

Neste artigo, vamos nos restringir aos projetos da reforma trabalhista. Analisaremos apenas os projetos enviados ao Congresso entre 2015 e 2016, bem como alguns anteriores que começam a ter sua tramitação apressada agora. Registre-se que o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) apontou 55 projetos que tramitam no Congresso e que são prejudiciais à classe trabalhadora1.

 

As centrais sindicais foram as primeiras a se posicionarem contra as propostas em discussão pelo governo. Dezenove ministros do Tribunal Superior do Trabalho de um total de 272 produziram manifesto que aponta para a precarização das relações de trabalho e denuncia os cortes de gastos especialmente com a Justiça do Trabalho, que, segundo o manifesto, é um “declarado propósito de retaliação contra o seu papel social e institucional, levando à inviabilização do seu funcionamento”. Na mesma época, o deputado Nelson Marchesan Jr, do PSDB, defendeu na Comissão de Trabalho da Câmara o fim de Justiça do Trabalho.

 

Retrocesso na jornada de trabalho

 

Em recente reunião com Temer e mais cem empresários, o presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), ao sair do encontro, sugeriu que a jornada do trabalhador deveria ser de 80 horas semanais e 12 diárias. Segundo ele, a jornada seria a mesma que a da França.

 

Entretanto, o presidente da CNI preferiu ocultar que, na França, o limite de jornada é de 35h semanais. Naquele país, foi aprovada recentemente a realização de horas suplementares em caráter excepcional totalizando, no máximo, 60h semanais. No Brasil, atualmente temos 44h semanais e 8h diárias. Essa jornada pode ser prorrogada por mais 2h extras diárias, totalizando, no máximo, 60h semanais. Uma jornada de 80h semanais e 12h diárias nos remeteria às condições de trabalho existentes no século 19. Um retrocesso tamanho que poderíamos levar mais duzentos anos até recuperarmos o patamar atual. Elevar a carga horária para este nível implica sobrecarregar quem está trabalhando, piorando suas condições sociais e de saúde, além de elevar o desemprego.

 

A elevação da jornada é incompatível com um país que precisa criar empregos. No Brasil, a taxa de desemprego já alcança 11% da população ativa em busca de trabalho.  

 

O que gera empregos é justamente a redução da jornada e não a sua elevação. De acordo com estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese)3, a diminuição da carga horária para 40 horas semanais geraria 2,2 milhões de novos postos de trabalho. A eliminação de horas extras teria o potencial de criar mais 1,2 milhões de postos de trabalho.

 

A redução da jornada de trabalho não impede o incremento da competitividade. O mesmo estudo do Dieese indica que, entre os anos de 1990 e 2000, o nível de produtividade do Brasil aumentou em 6,5%. Isso, embora a jornada de trabalho tenha diminuído de 48 para 44 horas semanais com a Constituição Federal de 1988.

 

Prevalência do negociado sobre o legislado

 

O atual ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, defende claramente em suas manifestações públicas a prevalência do negociado sobre o legislado. Esse mecanismo, se transformado em lei, fará com que os acordos coletivos firmados entre empregadores e sindicatos tenham validade, mesmo que viessem a estabelecer regras contrárias à CLT.

 

O Projeto de Lei 4.962/2016, do deputado Júlio Lopes (PP/RJ), representa essa proposta. De acordo com o referido projeto, o artigo 618 da CLT, que dispõe sobre os acordos coletivos4, seria alterado. Assim, desde que respeitados os direitos previstos na Constituição Federal e nas normas de medicina e segurança, o acordo prevaleceria sobre a lei ordinária.

 

O projeto ignora princípios elementares do Direito do Trabalho, como o da proteção ao trabalhador. Por esse princípio, qualquer alteração do contrato de trabalho só é lícita com o consentimento do empregado e desde que não traga prejuízos a ele. Assim, alterações que visem, por exemplo, aumentar competitividade via diminuição de direitos trabalhistas jamais podem ser objetos desses acordos. Entretanto, como exposto, o PL 4962 joga esse princípio no “lixo”.

 

Acrescente-se que o artigo 7º da Constituição Federal5 estabelece os direitos mínimos dos trabalhadores. O artigo menciona ainda que outros direitos infraconstitucionais poderão ser criados a fim de melhorarem as suas condições sociais. Não para piorarem ou restringirem essas condições.

 

Mas não é só isso. A questão da falta de representatividade de inúmeros sindicatos também é fator que torna ainda mais grave os efeitos do projeto que faz prevalecer o negociado sobre o legislado.

 

Temos no Brasil mais de 10 mil sindicatos de trabalhadores6. A maioria foi criada apenas com o propósito de receber contribuições sindicais. Esse tipo de sindicato não detém legitimidade para negociar direitos de trabalhadores, conquistados há mais de um século.

 

A tentativa de desmantelar o movimento sindical

 

Recentemente foram apresentados o PL 6148/2016, do deputado Paulo Martins (PSDB-PR), e o PL 4977/2016, do deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que tratam da contribuição sindical. O primeiro projeto torna a contribuição sindical facultativa. O segundo determina a prestação de contas dos sindicatos, federações, confederações e centrais ao Tribunal de Contas da União, em razão de receberem a contribuição sindical, imposto de natureza obrigatória.

 

O fim da contribuição sindical obrigatória não pode ocorrer por uma canetada e no contexto de uma política anti-sindical.

 

A Central Única dos Trabalhadores, historicamente, desde a sua criação na década de 1980, defendeu o fim do imposto sindical. Criado no governo Lula, o Fórum Nacional do Trabalho, no qual participaram representantes dos empresários, trabalhadores e governo, chegou a um relativo consenso na formulação de proposta de um novo modelo sindical7, após intensas discussões sobre o tema. Pela proposta, a contribuição sindical seria extinta gradativamente. Os sindicatos receberiam a mensalidade sindical dos seus sócios, e também a taxa negocial, conforme os acordos coletivos que fizessem.  Ou seja, somente sindicatos comprometidos com os trabalhadores é que conseguiriam sustentação financeira.

 

A partir dos projetos de lei acima referidos, é possível afirmar que o claro intuito dos referidos projetos é acabar com a organização sindical e atrelar o seu controle ao Estado. Isso contraria a liberdade sindical duramente conquistada na Constituição Federal de 1988.

 

A terceirização

 

O projeto da terceirização (PLC 30/2015, antigo PL 4330) tem sido objeto de intenso debate já há algum tempo. Entretanto, esse projeto, com essa sinalização do governo atual de flexibilizar direitos, vem agora com toda força. Para prejuízo dos trabalhadores.

 

Já aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto permitirá que as empresas terceirizem toda a sua atividade econômica. Um banco, por exemplo, poderá terceirizar os caixas, os gerentes, os departamentos. Os banqueiros ficarão apenas com a parte que mais lhes interessa: o domínio da marca.

 

A terceirização representa a fragmentação da classe trabalhadora. Ela dificulta a organização sindical, promove a perda de identidade da classe, diminui os salários, aumenta a jornada média, causa doenças. E os trabalhadores terceirizados demitidos têm grandes dificuldades em receber seus direitos trabalhistas, mesmo na Justiça. É o caos para os trabalhadores.

 

Contrato de Trabalho Intermitente

 

Vale também mencionar o PL 218/2016, do Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que cria ocontrato de trabalho intermitente.

 

O contrato intermitente prevê que o empregado irá permanecer a disposição da empresa e pode ser chamado a qualquer momento para trabalhar. Apesar de ficar à disposição da empresa, o trabalhador não tem direito a receber as horas que permanecer de sobreaviso. O trabalhador receberá somente aquelas que efetivamente trabalhar.

 

Em resumo, na semana que tiver serviço, o trabalhador vai trabalhar e recebe por isso. Do contrário, fica em casa, sem nada receber. No final do mês, é garantido ao trabalhador apenas o salário mínimo por hora trabalhada. Ou seja, se o empregado trabalhou pouco, ele poderá receber menos de um salário mínimo no mês.

 

Mas a precarização não para por aí. Se, de um lado, a lei prevê plena flexibilidade do trabalhador, que fica à disposição da empresa, de outro, ela estabelece plena rigidez ao empregado, que é impedido de prestar serviço a outra empresa sem a anuência do seu empregador8.

 

Jovem entre 14 e 16 anos como empregado em tempo parcial

 

A PEC 18/2011, de autoria de vários deputados, voltou a ser cogitada. Essa PEC altera a Constituição Federal ao permitir que o jovem entre 14 e 16 anos possa trabalhar como empregado em tempo parcial. Atualmente, a Constituição Federal permite o trabalho nesta idade somente para jovens enquadrados como aprendizes.

 

Ou seja, não contentes que os trabalhadores se aposentem somente depois dos 65 anos de idade (que é o que pretende a reforma previdenciária, que abordaremos em outro artigo), os defensores das atuais reformas trabalhistas querem “sugá-los” desde os 14 anos de idade.

 

Simples Trabalhista

 

O PL 450/2015, de autoria do deputado Júlio Delgado (PSB/MG), cria o Simples Trabalhista para pequenas e microempresas. Este Simples Trabalhista institui na prática o trabalhador de segunda categoria – aquele que tem direitos reduzidos.

O PL prevê que haverá acordos coletivos específicos que poderão prever piso diferenciado (menor), supressão do adicional de horas extras, PLR diferenciado (mais reduzido) e trabalho aos sábados e domingos.

 

O PL possibilita também que empresas e empregados possam fazer acordos individuais (entre empresa e empregado), sem a assistência do sindicato, em itens como horário normal durante o cumprimento do aviso prévio; parcelamento em até 6 vezes do 13º salário; concessão de férias em até três períodos.

 

Para todos os trabalhadores, o FGTS, segundo o referido projeto de lei, será de 2%. Além disso, o contrato poderá ser por prazo determinado, independentemente da situação. Os conflitos poderão ser resolvidos por arbitragem.

 

A decisão do STF sobre a greve no serviço público

 

No final de outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os servidores públicos que entrarem em greve podem ter os salários imediatamente cortados, sem a necessidade de prévia decisão judicial.

 

Trabalho escravo

 

A proposta de regulamentação da emenda constitucional 81/2014, do trabalho escravo, propõe a supressão da jornada exaustiva e trabalho degradante das penalidades previstas no artigo 149 do Código Penal (PL 3842/2012 – Câmara, PL 5016/2005 – Câmara e PLS 432/2013 – Senado).

 

Salão parceiro e profissional parceiro

 

O Projeto de Lei nº 5230/2013: ao invés de “patrão” e “empregado”, teremos o “Salão Parceiro” e o “Profissional Parceiro”.

 

O Projeto de Lei nº 5230/2013, do deputado Ricardo Izar (PSD-SP), foi apresentado em março de 2013, e, após ter tramitado sem muito alarde na Câmara e no Senado, aguarda agora a sanção do presidente Michel Temer. O projeto de lei apresenta-se como uma proposta “simpática”, que pretende “beneficiar” categorias específicas que atuam em salões de beleza, formadas por cabeleireiros, barbeiros, manicures, esteticistas e outros profissionais. Contudo, como mostramos neste artigo, por trás deste ato de “simpatia”, e em que pese até a sua boa fé, esconde-se um grande perigo para as conquistas da classe trabalhadora brasileira como um todo, e não apenas para os profissionais do segmento de beleza.

 

Os impactos - positivos e negativos - do Projeto de Lei nº 5230/2013 já seriam grandes, se seus efeitos se circunscrevessem nos limites deste segmento. Veremos, contudo, que estes efeitos vão além e podem atingir vários outros segmentos também.

 

O Projeto cria a possibilidade de que a relação entre o dono do salão e o profissional deixe de ser encarada como uma relação de emprego sujeita às regras da CLT para ser tomada como uma relação de parceria, por escrito (comprovada por duas testemunhas), entre o “salão parceiro” e o “profissional parceiro”.

 

O Projeto de Lei nº 5230/2013, em sua justificativa, argumenta que ele contribuiria duplamente: ao formalizar parte do contingente de profissionais do segmento (ou manter sua formalização) e ao eliminar a insegurança jurídica para o dono do salão de beleza, retirando a possibilidade futura da alegação do vínculo trabalhista.

 

Na prática, no entanto, trata-se, a nosso ver, de mais uma porta de entrada para a flexibilização trabalhista com perda de direitos de uma categoria numerosa. Mas não só: o projeto é uma porta ainda mais perigosa, porque sua aprovação certamente servirá de referência para que outros tantos profissionais, com funções muito distintas dos profissionais de beleza, sejam objeto de projetos de lei semelhantes.

 

Estatuto das estatais

 

Recentemente o Congresso aprovou, em caráter de urgência, o Estatuto das Estatais, uma regulamentação que estava pendente há 28 anos, desde a Constituição Federal de 1988. O PL 4918/2016, que deu origem à lei, sofreu forte resistência do movimento sindical.

 

O caráter privatista do projeto original foi amenizado com a intervenção do movimento sindical. Essa intervenção conseguiu retirar a obrigatoriedade das estatais de se tornarem sociedades anônima; acabou com a exigência de que as empresas estatais não podem ter ações preferenciais; e passou a exigir a aplicação do estatuto apenas para empresas com mais de 90 milhões de receita (caso este estatuto fosse aplicado para empresas com faturamento menor, essas empresas não conseguiriam cumprir o estatuto).

 

Apesar disso, houve retrocessos. Um deles é que a lei aprovada proíbe que o representante dos empregados nos Conselhos de Administração destas empresas sejam também dirigentes sindicais. Trata-se de uma clara violação ao direito constitucional de representação dos sindicatos.

 

Conclusão

 

Como se pode ver, o que está em curso é o desmantelamento dos direitos dos trabalhadores. A precarização do trabalhador é a tônica de todos os projetos que estão em curso. Sob a falsa alegação de enfrentamento da crise, o governo atual e aqueles que representam esse ideário neoliberal pretendem continuar as mudanças que tiveram início na década de 1990, mas que foram interrompidas por doze anos.

 

O ataque é feroz. Por isso, é importante estabelecer as trincheiras da resistência em todos os níveis da sociedade brasileira.

 

Este artigo é uma versão ampliada de artigo assinado em conjunto com Luiz Cláudio Marcolino e publicado originalmente no site do ABCDMaior.

 

- Jefferson José da Conceição é professor doutor e atual gestor da Escola de Negócios da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Foi secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo (jan.2009-jul.2015), superintendente do SBCPrev (ago. 2015-fev. 2016); diretor Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017). É economista licenciado do Dieese.

 

notas

  • 1. A relação dos projetos está disponível em http://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/25839-55-ameacas-...
  • 2. O manifesto está disponível em http://s.conjur.com.br/dl/manifesto-ministros-tst-defesa-direito.pdf
  • 3. DIEESE. Nota Tecnica nº 57. Disponível em http://www.dieese.org.br/notatecnica/2007/notatec57JornadaTrabalho.pdfAcessado em 25 set. 2016.
  • 4. Tramita também na Câmara um PL ainda mais nocivo, o PL 8294/2014, que estabelece a negociação entre o empregado e a empresa sem a participação dos sindicatos, o que levaria fatalmente a total precarização do emprego.
  • 5. Constituição Federal: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.
  • 6. Dados da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgado no Diário Oficial da União em 09/04/2015.
  • 7. Foi enviado também para a Câmara o PL 5795/2016, de autoria dos Deputados Paulo Pereira da Silva (SD/SP) e Bebeto (PSB/BA), que institui a taxa negocial em substituição à contribuição assistencial. Mas ele nada menciona sobre a contribuição sindical.
  • 8. Este tipo de contrato era feito pelo McDonald’s (jornada móvel) e foi objeto de uma ação civil pública. De acordo com a decisão do TST, essa jornada transfere o risco do negócio para o empregado PROCESSO Nº TST-RR-9891900-16.2005.5.09.0004.

 

Edição 158, 02 março 2017

http://www.teoriaedebate.org.br/index.php?q=materias/mundo-do-trabalho/reforma-trabalhista-e-o-ataque-aos-direitos

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/183881
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