Agronegócio e agricultura familiar
25/11/2005
- Opinión
Participei, semana passada, do Seminário Internacional sobre Agroecologia, em Porto Alegre. Frisei que o Brasil é a maior reserva de terras agricultáveis do mundo. Saturaram-se as áreas dos EUA e da Europa. Podem produzir mais graças a sofisticados recursos tecnocientíficos, mas não têm para onde se expandir geograficamente. Daí o empenho das nações ricas no controle das áreas dos países pobres, incluindo as sementes geneticamente modificadas (transgênicos). O alimento é a arma do futuro.
A China dispõe de 10% da área agrícola do planeta. Carrega, porém, o peso de alimentar 20% da população mundial e investir pesado na preparação do solo. Dos 851 milhões de hectares (ha) em que se divide o território brasileiro, em 569 milhões (70% da área) não há atividade agropecuária (áreas da Amazônia e do Pantanal, reservas florestais e indígenas, cidades, estradas, represas e rios). Incluem-se, entretanto, nessa área, 106 milhões de ha de terras fertéis, quase todas no cerrado, ainda a serem exploradas. Isso equivale à soma dos territórios da França e da Espanha.
Dos 30% restantes (282 milhões de ha), 220 milhões de ha são pastagens (para 170 milhões de bois e vacas) e criação de animais; 40 milhões (5% do território nacional) produzem 120 milhões de toneladas de grãos e a maior parte dos produtos agrícolas; 20 milhões produzem cana (incentivados pelo biocombustível), laranja, café e outras culturas permanentes.
Qual o potencial da reserva de 106 milhões de ha disponíveis? Toda a produção de grãos dos EUA o maior produtor mundial de alimentos cabe em 140 milhões de ha. A diferença é que, lá, eles alimentam 290 milhões de bocas e, aqui, somos 180 milhões. Portanto, bem explorada essa área, sobretudo através de uma efetiva reforma agrária, daria para consumo interno e ainda sobraria para exportar.
Há no Brasil 3.895.968 imóveis rurais com menos de 200 ha. Os de média propriedade (de 200 a menos de 2.000 ha) somam 310.158. Os de extensão maior que 2.000 ha, 32.264, ocupam 132 milhões de ha, o que comprova a permanência de uma das causas do atraso brasileiro: o latifúndio.
O Brasil possui o maior rebanho comercial bovino; ocupa o 1º lugar em exportação de carne e na produção de café e laranja; o 2º na produção mundial de soja; e o 3º na de milho. Apesar disso, convivemos com a subnutrição de 53,9 milhões de pessoas. Boa parte de nossa produção agropecuária é exportada, de costas para o mercado interno. E isso não é solução, pois apenas 4 empresas brasileiras controlam 40% da venda externa de soja, suco de laranja, frango e carne.
Estamos entre as cinco mais injustas distribuições de renda do planeta. Aqui, os 10% mais ricos possuem 46,9% da renda nacional, enquanto os 10% mais pobres sobrevivem dividindo entre si 0,7%. A fatia dos ricos é 67 maior que a dos pobres.
Nossas exportações poderiam crescer se produtos dos países ricos não fossem protegidos por subsídios agrícolas. EUA, União Européia e Japão gastam, por dia, US$ 1 bilhão com essa forma injusta de protecionismo. E sabem quanto os três países, juntos, destinam por ano à cooperação agrícola com países pobres? US$ 1 bilhão, o valor de um dia de subsídio!
Não bastasse isso, os ricos adotam o sistema de ajuda condicionada. O dinheiro vem de fora, é celebrado aqui como investimento no país mas, de fato, trata-se de capital que nos obriga a comprar produtos de quem empresta. E em geral eles custam 40% mais caro que o preço médio de mercado. O prejuízo aos países pobres é de US$ 5 a 7 bilhões/ano. Segundo a ONU, de cada US$ 1 doado pela Itália à Etiópia, 14 centavos retornam às empresas italiana através da venda de produtos e serviços.
Estudo da Fipe/USP, divulgado em outubro, comprova que, no Brasil, a agricultura familiar tem mais importância econômica que o agronegócio. Segundo o IBGE, das 4,9 milhões de propriedades rurais existentes no país, 4,1 milhões dependem da mão-de-obra familiar, responsável por 38% da produção agropecuária do país. O campo emprega 17,9 milhões de pessoas. Propriedades de até 50 ha absorvem 86% dos trabalhadores rurais. De cada 10 trabalhadores rurais, 8 estão na produção familiar. A média propriedade absorve 10,2% e o latifúndio, 2,5%.
Dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, mais de 60% vêm da agricultura familiar. Ela produz quase 70% do feijão, 84% da mandioca, 58% dos suínos, 54% da bovinocultura do leite, 49% do milho, e 40% de aves e ovos. Na produção de carne bovina, a pequena propriedade rural contribui com 62,3%; a média, com 26,4%; a grande propriedade, com 11,2%. A produção leiteira depende da pecuária familiar em 71,5%. O latifúndio produz apenas 1,9%. As médias respondem por 26,6%.
O grosso da produção agropecuária do país depende das pequenas e médias propriedades. No entanto, o maior volume de crédito ainda é absorvido pelas grandes propriedades. Os produtos de exportação são isentos de ICMS na produção, na comercialização e na importação de insumos agrícolas. Eis a prova de como o Estado brasileiro e, a reboque, o governo, ainda são reféns do grande capital.
- Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Luiz Fernando Veríssimo e outros, de “O Desafio Ético” (Garamond), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/113625
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