O arsenal nuclear dos EUA é um perigo para a humanidade, alerta a médica australiana Helen Caldicott
Bush, o anjo do apocalipse nuclear
22/06/2005
- Opinión
O mundo caminha para um apocalipse nuclear. O temor, que marcou o período da Guerra Fria, quando Estados Unidos (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), detentores dos maiores arsenais atômicos do mundo, lutavam por influência global, não desapareceu. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a médica Helen Caldicott, cuja entidade foi laureada em 1985 com o Prêmio Nobel da Paz por seu histórico de campanhas contra a energia nuclear, faz um alerta sobre o presidente estadunidense, George W. Bush: ele pode vir a usar bombas atômicas contra países que considerar inimigos. Se isso ocorrer, afirma, uma guerra nuclear deve eclodir que, no fim, levará à destruição da Terra.
Não só as bombas são um risco para a humanidade, pois a produção mesmo de energia nuclear põe em risco os seres humanos. “A indústria nuclear é a indústria do câncer, porque cria dejetos tóxicos que não podem ser eliminados. A contaminação, quando existem tais dejetos, não pode ser freada. É a causa da doença de milhões de crianças”, afirma.
Quem é
Médica de formação, a australiana Helen Caldicott se tornou uma das principais ativistas anti-nuclear do mundo. Em 1985, a entidade que criou, Médicos pela Prevenção da Guerra Nuclear, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. É também diretora do Instituto de Pesquisa em Política Nuclear, que acompanha as estratégias de corporações e governos em relação ao uso dessa energia. É autora de diversos livros, entre eles “O Novo Perigo Nuclear”, sobre a política bélica de Bush, e “A Loucura Nuclear”, que detalha os problemas médicos que causa a exposição a esse tipo de energia.
Brasil de Fato - Em recente declaração, o ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos Robert McNamara (1961-1968) condenou a estratégia militar de Bush. Disse que, ao investir milhões de dólares no desenvolvimento de bombas atômicas, o presidente estadunidense faz o mundo correr o risco de um colapso nuclear. McNamara está certo?
Helen Caldicott - Com certeza. Rússia e Estados Unidos ainda têm milhares de bombas atômicas, prontas para disparar em caso de qualquer tipo de ameaça. No caso russo, o sistema de controle das armas nucleares está totalmente sucateado, os satélites não funcionam e os militares desse país se sentem vulneráveis. Ficam atentos a qualquer atividade estadunidense, com um dedo pronto para disparar mísseis de destruição em massa. Nesse sentido, pouco mudou desde o fim da Guerra Fria, em 1991. Continuamos no limite do aniquilamento total. O governo estadunidense é uma ameaça.
BF - Em sua opinião, Bush pode vir a usar uma bomba nuclear em uma de suas investidas militares?
Helen - A política militar de Bush não deixa dúvida: bombas atômicas podem ser usadas contra países que representarem ameaças aos EUA. Ou seja, armas nucleares podem ser usadas contra quem Bush quiser. Essa é a política oficial do governo estadunidense.
BF - Na hipótese de Bush disparar uma bomba atômica, isto pode gerar uma guerra nuclear, considerando uma eventual resposta militar da Rússia, China e outros países que têm esse tipo de armamento?
Helen - Os EUA têm 5.000 bombas atômicas prontas para disparar, e a Rússia, 2.500. Usadas simultaneamente, à medida que cidades fossem consumidas por fogo, enormes nuvens de poeira tóxica tomariam conta da estratosfera e impediriam os raios do sol de atingir a superfície terrestre. O fenômeno, conhecido como inverno nuclear, levaria a uma era glacial, com a morte de todas as formas de vida no planeta.
BF - Quais são os investimentos que Bush fez em tecnologia militar nuclear?
Helen - Ele financia a pesquisa e produção de 400 novas armas de destruição em massa por ano, incluindo bombas atômicas. Para isso, gasta 6,5 bilhões de dólares por ano, mais do que foi gasto em toda a Guerra Fria para a questão nuclear.
BF - Cabe ao presidente dos EUA, sozinho, a decisão de disparar uma bomba atômica ou ele tem que consultar o Congresso?
Helen - É ele que decide. A justificativa que o governo propaga é que não há tempo para consultar o Congresso, pois uma guerra nuclear se decide em 3 minutos. A responsabilidade da decisão recai toda sobre ele. No caso de Bush, como ficou claro em diversas oportunidades, haveria ainda menos negociação com o Congresso. Assim, o controle sobre as armas de destruição em massa dos EUA está inteiramente nas mãos de Bush. Melhor dizendo, não acredito que esse presidente tome realmente as decisões militares. Essas são tomadas por seus conselheiros, o primeiro escalão do governo, e ele só as sanciona. Nessas questões, quem decide é o vice-presidente Dick Cheney e o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld. Bush só segue as ordens.
BF - O governo dos EUA investe bilhões em armamento nuclear, mas critica todos os países que destinam verbas para desenvolver tais armas. Isso não é contraditório?
Helen - Essa contradição é perversa. Os EUA são um modelo para muitos países do mundo e, enquanto seu governo desenvolver armas de destruição em massa, outros governos também vão querer imitá-lo. A mensagem de muitos países é clara: se os estadunidenses desenvolvem bombas atômicas, nós também queremos fazê-lo.
BF - Os tratados contra a proliferação de armas nucleares foram globalmente abandonados?
Helen - O governo de Bush não segue os acordos que foram ratificados durante todo o século 20 e se nega a assinar qualquer um mais recente. Destruiu o Tratado de Míssil Antibalístico, que os EUA firmaram com a URSS em 1972. Não segue o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, redigido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1968. Esse último, cuja atualização é discutida por centenas de países, é permanentemente sabotado pelo governo estadunidense.
BF - A posição de Bush pode levar a uma corrida generalizada por armas nucleares? É caso do Irã, por exemplo?
Helen - O governo iraniano não é tanto estimulado pelos EUA, mas mais pela política de Israel, que, de qualquer forma, se alinha com Bush. O governo israelense controla 400 bombas e o Irã é um vizinho próximo e se sente ameaçado. Por outro lado, há uma proliferação chamada vertical. A partir do momento em que os EUA investem e constroem novas armas, Rússia e China são estimuladas a desenvolver a mesma tecnologia. É uma luta por soberania, que agora atinge a militarização do espaço. Tudo isso ocorre à revelia da ONU, que afirma que não pode haver armas nucleares no espaço. Também há a proliferação dita lateral, de pequenos países que se sentem ameaçados pelos EUA e que consideram, destacando o belicismo do atual governo, que bombas nucleares devem ser o fundamento de sua soberania.
BF - Por que militarizar o espaço?
Helen - São crianças perigosas brincando com seus brinquedos de destruição em massa e desperdiçando o dinheiro dos impostos do povo. O governo dos EUA decidiu que quer conquistar o espaço e age de modo intransigente em relação a isso. Esquece que, no mundo, vivem bilhões de pessoas, que não lhe deram legitimidade para fazer isso. É uma estratégia perversa para controlar as comunicações dos países, que dependem de satélites, que estão no espaço. Além disso, Bush desenvolve armas nucleares, disparadas por satélites, que podem destruir cidades inteiras. De um ponto de vista clínico, posso dizer que as pessoas que estão estimulando isso são completamente loucas. Precisam de atendimento psiquiátrico para mudar seu comportamento. E são essas as pessoas que controlam o maior arsenal nuclear do mundo, os EUA. Não deve ter existido um período mais arriscado do que o atual em toda a história.
BF - Em declarações oficiais, em maio, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, afirmou que pretende desenvolver tecnologia nuclear, voltada para a produção de energia. Foi alvo de duras críticas do governo estadunidense. A decisão de Chávez é acertada?
Helen - Admiro Chávez, que transformou a situação de seu país e é um grande líder, mas ele não precisa disso. Ele é maior do que o grupo de crianças perigosas que querem controlar uma tecnologia que pode levar à destruição do mundo. Mesmo quando não usado em armas, a energia nuclear é muito perigosa, pois gera epidemias de câncer, como leucemia em crianças. Apesar de minha admiração por Chávez, se ele mantiver essa decisão, vou ter que criticá-lo e espero encontrá-lo para fazê-lo mudar de idéia.
BF - Em seu livro “O Novo Perigo Nuclear”, há denúncias contra a ação de corporações que tentam reabilitar a imagem da energia nuclear. Em propagandas, dizem que esse tipo de energia é o mais limpo. É verdade?
Helen - Em qualquer uma das etapas do ciclo de produção de energia nuclear, como, por exemplo, o enriquecimento do urânio, ou a construção de reatores, é gerada uma quantidade imensa de lixo tóxico. Diz-se muitas vezes que as indústrias termelétricas são responsáveis pelo aquecimento global, mas, na verdade, as nucleares são as que mais causam danos à camada de ozônio. As usinas que usam materiais atômicos liberam milhões de litros de gases radioativos todos os anos, que são cancerígenos. Na verdade, a produção de energia nuclear é o contrário da limpeza: é ruim para o ambiente e para a saúde humana.
BF - Há algum aspecto positivo que possa justificar a produção e o uso da energia nuclear?
Helen - Não. A indústria nuclear é a indústria do câncer, porque cria dejetos tóxicos que não podem ser eliminados. A contaminação, quando existem tais dejetos, não pode ser freada. É a causa da doença de milhões de crianças. Não dá para aceitar uma indústria que aja assim. Não dá para dizer: “Vamos produzir energia, mas, desculpem-nos, também vamos produzir uma epidemia de câncer de pele e câncer nos testículos”. Gases como o criptônio e o xenônio, liberados por reatores nucleares, causam mutações genéticas. Quando uma família está perto de uma usina, não há como prevenir que seja afetada por esses produtos.
BF - Os EUA gastam bilhões de dólares na produção de energia nuclear. Novamente, esse país surge como uma ameaça à sobrevivência de todos os habitantes do mundo. Como especialista no assunto, não seria o caso de marcar um encontro com o presidente estadunidense para discutir esses problemas?
Helen - Em 1983, encontrei-me com o então presidente Ronald Reagan. Tivemos uma discussão, reservada, e, mesmo não sendo um homem muito inteligente, ele tinha um bom coração. Conversamos bastante e o convenci a destruir diversas armas nucleares, dizendo que eram um risco para a humanidade. No caso de Bush, não acredito que seja tão inteligente quanto Reagan, nem acredito que ele tenha um coração. No entanto, se fosse convidada a me reunir com ele, eu certamente iria, mas só se fosse para encontrá-lo só, sem seu círculo de conselheiros. Assim, poderia estabelecer uma relação de médico e paciente com ele, pois só assim poderia descobrir quem ele realmente é e conversar com ele e tocar sua alma.
- João Alexandre Peschanski, Brasil de Fato
https://www.alainet.org/pt/articulo/112295
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