Do exercício do poder
06/02/2004
- Opinión
Poder não se define, se exerce. Numa visão realística podemos
discernir três formas de exercício do poder.
1.O poder-mão-fechada. É o poder autoritário, concentrado numa
única mão, fechada, por isso, não participativo e excludente.
Coloca sob censura opiniões divergentes, pune contestações,
desconfia dos cidadãos, governa infundindo medo. A única relação
admitida é a adesão acrítica e a subserviência. Regimes
ditatoriais e empresários-coronéis corporificam o poder-mão-
fechada.
2.O poder-mão-extendida. É o poder paternalista. O detentor de
poder delega poder a outros, sob a condição de manter o controle
e a hegemonia. A mão extendida é para dar tapinhas nas costas
facilitando a adesão. Organizações populares e sindicatos são até
incentivados, desde que não tenham projeto próprio e aceitem se
atrelar ao projeto dos grupos dominantes ou do Estado
centralizador. Foi o que predominou no Brasil ao longo de nossa
história política.
3.Poder-mão-entrelaçada. É o poder participativo e solidário,
representado pelas mãos que se entrelaçam para se reforçarem
entre si e assumirem juntas a corresponsabilidade social. O
projeto, sua implementação e os resultados são asumidos por
todos. As organizações são autônomas mas se relacionam livremente
com outras, em rede, para alcançar objetivos comuns. É um poder
que serve a sociedade e não se serve da sociedade para outros
fins. Esse é o poder intencionado pela democracia. Só esse poder
possui teor ético e pode ser chamado de autoridade. Usa-se o
poder para potenciar o poder de todos. É o poder-serviço e
instrumento das transformações necessárias.
Para impor limites ao demônio que habita o poder (ele quer
sempre mais poder) se fazem imprescindíveis algumas medidas
sanadoras. Destaco as principais. Todo poder deve ser submetido a
um controle, normalmente pela ordenação jurídica em vista do bem
comum. Deve vir por delegação, quer dizer, deve passar por
processos de escolha dos dirigentes que representam a sociedade.
Deve haver divisão de poderes para um limitar o outro. Deve haver
rotatividade nos postos de poder, pois assim se evita o nepotismo
e o mandarinato. O poder deve aceitar a crítica externa,
submeter-se a uma prestação de contas e a uma avaliação do
desempenho dos que o exercem. O poder vigente deve reconhecer e
conviver com um contrapoder que o obriga a ser transparente ou
ver-se substituído por ele. O poder tem seus símbolos mas deve-se
evitar títulos que ocultam seu caráter de delegação e de serviço.
O poder deve ser magnânimo, por isso não se há de tripudiar sobre
quem for derrotado, antes, valorizar cada sinal positivo de poder
emergente. O poder verdadeiro é aquele que reforça o poder da
sociedade e assim propicia a participação de todos. Os portadores
de poder nunca devem esquecer o caráter simbólico de seu cargo.
Neles os cidadãos depositam seus ideais de justiça, equidade e
inteireza ética. Por isso devem viver privada e publicamente os
valores que representam para todos. Quando não há essa coerência,
a sociedade se sente traída e enganada. Quem ambiciona
excessivamente o poder é o menos indicado para exercê-lo. Bem
disse S. Gregório Magno, papa e prefeito de Roma: "Usa sabiamente
o poder quem sabe geri-lo e, ao mesmo tempo, sabe resistir a
ele".
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/109352
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