Misto de FHC e Jânio, e de saia

01/09/2014
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Marina Silva prega uma menor presença do Estado na economia, o que significa adicionais privatizações, a recuperação do tripé macroeconômico, o mercado como o definidor dos investimentos, agências reguladoras técnicas, enfim, conceitos e medidas aplicadas por FHC no passado. A autonomia do Banco Central e a diminuição da atuação dos bancos estatais não foram aplicadas no passado, mas devem ter a aprovação de FHC.
 
O parágrafo único do artigo primeiro da Constituição diz que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Desta forma, como é possível dar autonomia a um órgão de governo que não dá garantia alguma de que satisfará aos interesses do povo? Pelo contrário, esta medida tem o intuito de transformá-lo em um órgão autônomo com relação à vontade do povo, mas subordinado ao mercado financeiro. Será o paraíso dos “rentistas”. Quando a diretoria do Banco Central é demissível a qualquer momento pela presidente, que tem mandato popular, é mais provável que a vontade popular esteja sendo cumprida.
 
No mundo dos negócios, é comum se ouvir que “não existe almoço de graça”. Assim, o suporte financeiro do Itaú e de outros bancos privados para a campanha de Marina tem como contrapartida, no caso de ela ser eleita, a menor participação dos bancos do Estado em financiamentos, mesmo que eles ofereçam melhores condições para o povo. Para os ideólogos de Marina, a expressão “agências reguladoras técnicas” significa que argumentos sociais, estratégicos e geopolíticos nunca devem ser considerados, prevalecendo somente os aspectos econômicos e financeiros sob o ponto de vista das empresas. Aliás, não é muito diferente de como muitas delas, hoje, atuam.
 
De qualquer forma, eu não deveria estar fazendo críticas ao programa de governo de Marina, sem dizer a que versão eu me refiro, porque ela troca de opinião com certa frequência. Já é bastante conhecido que Marina colocou, no seu programa de governo, ser favorável ao casamento gay e à criminalização da homofobia. 24 horas depois, por imposição do pastor Malafaia, mudou de opinião. Se eleita, pastores vão ter domínio das decisões da presidente? Recentemente, posicionou-se contrária à transposição do Rio São Francisco, mas, segundo jornais, já mudou de opinião, o que começa a não mais causar espanto.
 
Na minha percepção, Marina mente sem prurido. Pois, para ela, não importa o conteúdo de uma promessa, desde que haja um ganho real de votos, que é a diferença entre os votos ganhos e os votos perdidos devido à fala. Enfim, ninguém conhece a verdadeira Marina, que só se mostrará depois de eleita, se tal ocorrer.
 
Parece também que ela não tem bons assessores, pelo menos na área de energia, sobre a qual ela falou algumas veleidades. Marina disse que “o petróleo é um mal necessário em todo o planeta” e, por isso, irá tirar a prioridade do Pré-Sal. Ela não sabe que a maior parte da produção do Pré-Sal será para exportação. Esta parcela varia a cada ano, mas será sempre a maior parcela. Assim, ela vai abrir mão da imensa geração de divisas, que irá nos permitir importar mais e ter acesso a novas tecnologias, e da maior geração de recursos para o royalty e o fundo social, além da grande ajuda na impulsão de toda a economia com as encomendas do setor petrolífero. Sem investir no Pré-Sal, ficará mais difícil ter altas taxas de crescimento do PIB.
 
Ela disse também que “a política energética será realinhada com foco nas fontes renováveis e sustentáveis”. A candidata supõe erradamente que um mercado elétrico, que demanda cerca de 3.000 MW novos de energia a cada ano, possa ser satisfeito por energia eólica e solar. Demonstra não saber que estas energias são mais caras que, por exemplo, a energia hidroelétrica, resultando no encarecimento dos produtos e serviços brasileiros para exportação e no recrudescimento da inflação. São mais caras por serem intermitentes e sazonais. Portanto, para instalá-las, é preciso ter unidades em “stand by”, que possam fornecer energia nos períodos sem vento e sem sol. No caso da solar, há o agravante de a tecnologia fotovoltaica ainda estar cara.
 
Notar que Aécio é tão neoliberal quanto Marina e não cresceu nas pesquisas. Assim, a razão que justifica a sua ascensão, além do empurrão dos institutos de pesquisa e da mídia, que têm a missão de expulsar o PT do poder, pode ser o fato de que ela gera um sentimento de piedade no eleitorado pela forma de surgimento da sua candidatura e pela sua fragilidade. Ela é herdeira do espólio político de Eduardo Campos, morto de forma trágica, com grande comoção popular. Além disso, é mulher, negra, franzina, aparentando estar subnutrida, foi empregada doméstica e analfabeta até os 16 anos.
 
Marina sabe que não possui estrutura partidária para governar e a proposta de nova política não irá resolver, pois precisaria, antes, de um novo povo, mais alimentado, com mais saúde, mais alfabetizado, desfrutando de novos canais de informação, mais democráticos, o que permitiria maior politização da sociedade e, consequentemente, melhor escolha de seus representantes. Por falar nesses pontos, o governo Dilma está providenciando a melhoria de muitos deles, o que significará, se houver continuidade, votações mais conscientes e melhores representantes do povo no futuro.
 
Contudo, hoje, existe um Congresso com a maioria de representantes de grupos de capital, com os quais Marina não conseguirá aplicar a sua nova política, a menos que se subordine aos interesses destes grupos. Pode-se argumentar qualquer candidato que for eleito terá esta dificuldade, o que nos leva a concluir que, no Brasil de hoje, os candidatos ainda têm que fazer acordos com o capital para poderem governar. Assim sendo, o que irá os diferenciar serão suas alianças preferenciais. Exatamente neste ponto, reside uma das maiores virtudes dos governos Lula e Dilma, pois eles mantiveram muitos acordos reprováveis com o capital, como com os bancos, mas começaram a construção de uma sociedade mais consciente e com maior possibilidade de proteger seus próprios interesses.
 
Se Marina pensa que, eleita, os congressistas terão que obedecê-la, como a uma rainha absolutista, senão ela renunciará e “retornará nos braços do povo”, é bom ela se lembrar do que aconteceu com o ex-presidente Jânio Quadros. Marina tem como inspiradores ideológicos de suas posições o Itaú, a Natura, o Greenpeace e o World Wildlife Fund, além dos tucanos. Com estas ligações, não há possibilidade de ser uma presidente para o povo. Acredita ser beneficiada pela providência divina, mas, se fosse um verdadeiro Messias, uma estadista, não fecharia acordo para capturar votos de incautos para, em troca, entregar o país a aproveitadores de toda espécie. Ela não ajudará a arrefecer a tensão da luta de classes, pelo contrário, ela a aumentará, o que poderá ser sentido através da maior violência dentro da sociedade.
 
A direita está em uma sinuca de bico, pois tem um candidato confiável, no sentido de fazer acordos e cumpri-los, de não ser rebelde, não se achar um iluminado, não acreditar que a providência divina o escolheu para uma missão, que não repudia a velha política - aliás, a única que existe. Mas, para tristeza da direita, está preso a um baixo patamar de intenção de voto. Será que ela, irresponsavelmente, continuará a insuflar a candidatura Marina?
 
- Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.
 
 
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