Quem usufrui do nosso petróleo?

01/09/2013
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A descoberta do pré-sal capacita o Brasil a ser um grande produtor mundial de petróleo e, também, um exportador. No entanto, não é garantido que o balanço dos impactos para a sociedade brasileira será positivo. Hoje, o pré-sal é foco da cobiça do capital internacional, em virtude da extraordinária lucratividade da produção petrolífera, da contribuição para o abastecimento mundial, do lucro com o refino no exterior e da compra em fornecedores estrangeiros de bens e serviços, que ele pode proporcionar.
 
Em 2011, 57% da energia consumida no mundo era proveniente de petróleo e gás natural. Em geral, as maiores economias do planeta não possuem petróleo, enquanto, os grandes excedentes de produção estão concentrados em países em desenvolvimento. Mesmo com o aumento da participação de outras fontes na matriz energética mundial, inclusive o polêmico xisto, eles ainda serão importantes fontes energéticas em décadas futuras. A ocorrência do pico da produção petrolífera mundial é passível de discussão. No entanto, o fato das empresas petrolíferas estarem investindo em novas áreas transmite a sensação que o petróleo e o gás convencional continuarão sendo importantes fontes, eventualmente mais escassos.
 
As forças políticas atuantes no país têm diferentes objetivos neste e em outros setores. A pressão exercida pelo capital internacional sobre o governo brasileiro é em direção conflitante com o interesse da sociedade. O povo não sabe quase nada do que seus representantes decidem em seu nome, tal o nível de alienação em que vive, e infelizmente, poucos destes representantes cuidam dos interesses do povo. Os tradicionais veículos de mídia, com raras exceções, não servem para conscientização da população, pois, na verdade, são instrumentos de convencimento do capital. O governo estadunidense, como maior representante do capital, manda seu vice-presidente distribuir recados aqui, que vão desde a presidente da Republica à presidente da Petrobras.
 
Quando o capital internacional ganha blocos no Brasil, além do lucro da atividade ir para o exterior, o país perde a possibilidade de fazer acordos com outras nações em que o suprimento de petróleo faria parte da negociação. Mas, o Brasil assinou contratos com petroleiras internacionais, que não permitem ao governo determinar para onde o petróleo brasileiro deve ir. Enfim, por estes contratos, o petróleo aqui produzido, se não é da Petrobras, não é mais brasileiro.
 
O monopólio estatal é a melhor opção de modelo para a atividade petrolífera de um país em desenvolvimento, se a maximização dos benefícios para a sociedade for o objetivo. Haja vista que o Brasil teve o suprimento de petróleo garantido nos últimos 60 anos, suportando várias fases de desenvolvimento e é detentor de inegável infraestrutura petrolífera, que inclui uma das maiores províncias petrolíferas do mundo, o pré-sal. Se não tivesse existido o monopólio, que deu origem à Petrobras, e só existissem empresas estrangeiras no Brasil, o pré-sal ainda não teria sido descoberto. A lógica das corporações, diferentemente da lógica do Estado, não visa atingir prioritariamente benefícios sociais.
 
O monopólio estatal foi extinto no Brasil na década neoliberal. Sem monopólio, a exploração de petróleo no mundo é feita a partir de três tipos de contratos entre empresas e Estados nacionais: concessão, contrato de partilha e contrato de serviços. Estão ordenados do de mínima possibilidade de controle pelo país e menor benefício para sua sociedade até o de mínima satisfação para as empresas. Em 1997, o Brasil optou pelo pior modelo para a sociedade, o das concessões (lei 9.478), em que só royalties sobram para ela. A empresa que descobre petróleo nem tem a obrigação de abastecer o país. Cerca de 900 blocos já foram concedidos através deste modelo, até hoje. Inclusive, 28% da área do pré-sal já foram concedidos.
 
No contrato de partilha, além de existirem os royalties, há uma contribuição da empresa para o Fundo Social e a entrega de parte do petróleo para o país comercializar. É o modelo dos novos contratos da área do pré-sal (lei 12.351). O contrato de serviços é o melhor para a sociedade pelo Estado ficar com todo lucro e todo o petróleo. Contudo, o governante precisa ter muita força política para aplicá-lo. Países em desenvolvimento com razoável grau de soberania tendem a assinar contratos de partilha ou de serviços.
 
Com a democracia que conseguimos ter, o Estado brasileiro está loteado entre grupos de interesse privado. O capital internacional está firme no setor de energia e mineração, com alguma participação do capital nacional. O autoritarismo dos diversos órgãos com responsabilidade sobre as decisões do setor do petróleo só é justificado pela prepotência de quem tem total controle da situação. Não prestam conta da razão da grandiosidade da entrega de blocos que fazem, dos anos de abastecimento garantido que resta ao país, dos volumes de petróleo a serem exportados e outras decisões. O próximo leilão de Libra, um campo do pré-sal, cujas reservas são avaliadas entre oito e doze bilhões de barris, é o maior exemplo deste autoritarismo. Entregar 70% da reserva conhecida deste campo a empresas estrangeiras, que sempre exportarão suas produções sem adicionar valor algum, nunca contribuirão para o abastecimento do país, dificilmente contratarão plataformas no Brasil, o item de maior peso nos investimentos, não gerarão muitos empregos aqui, não pagarão impostos, graças à lei Kandir, e só pagarão os royalties e uma parcela “combinada” do lucro é o exemplo máximo da desfaçatez.
 
O governo deveria entregar sem leilão este campo à Petrobras, que assinaria um contrato de partilha com a União, atendendo ao artigo 12 da lei 12.351, e ela faria o que as empresas estrangeiras não fazem. Determinado jornal econômico publicou que “as contas da União neste ano, só fecharão se essa receita do bônus de assinatura de Libra ingressar nos cofres públicos”. Assim, constata-se que o Brasil continua preso ao fechamento de suas contas. Creio que, propositadamente, exauriram a capacidade financeira da Petrobras com leilões desnecessários, pois o país está abastecido por mais de 40 anos. A partir da 11ª rodada, o capital internacional irá sempre ganhar vários blocos, graças a plano maquiavélico com aprovação do governo do Brasil.
 
Para fechar as contas, o governo fixou o bônus de assinatura de Libra, que é recebido no curto prazo, em R$ 15 bilhões, acima do esperado, abrindo mão de parte da parcela que irá para o Fundo Social. Em outras palavras, ele está trocando o recebimento de menos lucro durante 25 anos futuros por mais bônus agora, o que representa receber um empréstimo a 22% ao ano acima da inflação, um mau negócio.
 
As concessões não deveriam ser nunca assinadas, pelo menos, em novas fronteiras. O prejuízo para a sociedade brasileira será grande se ficar comprovado que a margem equatorial é uma província petrolífera, pois blocos dela foram arrematados para assinatura de concessões na recente 11ª rodada.
 
Para explicar o “furor entreguista” existente nas rodadas, a ANP argumenta que as bacias sedimentares brasileiras são pouco conhecidas. Porem, esta agência esquece que nem todas as áreas sedimentares são atrativas para a busca de petróleo, podendo-se citar, como exemplo, o setor SFZA-AR1 ofertado na 11ª rodada, onde existiam 56 blocos e somente dois receberam propostas. Outro erro da ANP é que assinar concessões, danosas para a sociedade, para buscar um melhor conhecimento das bacias não é inteligente.
 
A Associação dos Engenheiros da Petrobras nos informa que esta empresa já descobriu no pré-sal 60 bilhões de barris, em blocos arrematados através de leilões pela lei das concessões. Entretanto, ela só possui parte deste petróleo, porque, devido à pressa da ANP em leiloar, em muitos contratos, ela está associada a petroleiras estrangeiras. Gostaria de saber quanto já foi entregue de petróleo para as empresas estrangeiras, mas os dados disponíveis na ANP não permitem este cálculo.
 
Pensava-se que o pré-sal iria alavancar um desenvolvimento brasileiro, graças ao tamanho das suas encomendas. No entanto, está ocorrendo a compra de empresas nacionais genuínas, tradicionais fornecedoras da Petrobras, por empresas estrangeiras. A exigência da ANP de “conteúdo local mínimo”, que não é um conteúdo local genuíno, surte efeito junto à Petrobras, porém, há dúvida com relação às empresas privadas, porque os descumprimentos desta exigência não são divulgados pela ANP.
 
A boa novidade no Brasil são as manifestações de um povo que ainda titubeia entre as diversas reivindicações que querem que ele absorva. Visando sua maior conscientização, sugiro que movimentos sociais, centrais sindicais, sindicatos e associações de classe e de empregados sejam ouvidos. Espero que o povo descubra que Libra, uma riqueza de US$ 1 trilhão, estará sendo doada em outubro próximo. Meu receio é que o capital, péssimo perdedor, venha a usar algo mais drástico para continuar a dominação.
 
- Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia.
Publicado originalmente no Jornal dos Economistas.
 
 
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