Quem tem medo das prévias?

13/03/2004
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Carta aberta A: José Genoino, Presidente Nacional do PT
A: Luis Inácio LULA da Silva, Presidente de Honra do PT
À: Direção Nacional
De: Marcos Arruda
Data: Rio, 13/3/04 Quem tem medo das prévias? "Os homens, que não são deuses, mas, ao contrário, seres viciosos pela sua própria natureza, sempre consideraram a liberdade, em todos os tempos e lugares, um fardo excessivamente pesado para as suas débeis forças. A sua mais lancinante preocupação é de saber como, quando e em mãos de quem eles poderão, enfim, alienar sua liberdade, em troca daqueles bens que Jesus imprudentemente recusou ao tentador no deserto." Parábola do Grande Inquisidor, em Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, citada por Fábio Konder Comparato em Reflexões Desabusadas sobre o Abuso do Poder Político. Por que, sendo eu carioca e vivendo no Rio de Janeiro, estaria escrevendo a vocês sobre as eleições municipais de Ipatinga, MG? Primeiro, porque desde 1984 tenho colaborado com o movimento popular e sindical e com o PT na região do Vale do Aço. Colaborei no processo de lançamento da Chapa Ferramenta na eleição sindical de 1985 e nas eleições que levaram Chico Ferramenta à Assembléia Estadual de MG, ao Congresso e duas vezes à Prefeitura de Ipatinga. Também tenho colaborado com as gestões do PT nos governos municipais de Ipatinga e Timóteo. Minha vivência, conhecimento do processo de construção democrática no município e no Vale do Aço, e laços de amizade com Cecília e Chico Ferramenta, Ivo José, Maura e Robinson Aires e tantos outros e outras, geraram em mim um profundo compromisso com a continuidade deste processo. Segunda razão, porque Ipatinga é um dos três municípios brasileiros que o PT governa ininterruptamente desde 1989 (junto com Porto Alegre, RS e Icapuí, CE). E hoje existe o risco de o PT perder o governo de Ipatinga para o clientelismo, o elitismo e o conservadorismo. Ipatinga é o quinto município do Brasil em número de filiados ao PT, só perdendo para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. Tem 7.600 militantes. Portanto, interessa não apenas ao PT municipal e estadual, mas também ao PT nacional e aos que compartilhamos o ideal de um Brasil humanizado. Neste momento, existem dois candidatos petistas, ambos deputados federais: Ivo José, que é também o Presidente do Diretório Municipal do PT em Ipatinga, e João Magno. Tomo o artigo do Estado de Minas de segunda-feira, 8 de março de 2004, como referência para esta carta, pois ele levanta pontos importantes para reflexão. Meu objetivo aqui é demonstrar que a prévia partidária, em caso de não haver acordo entre os dois pré-candidatos até a data prevista para ela, deve ser promovida como o caminho mais democrático para a escolha do candidato do PT ao governo municipal no mandato 2005-2008. 1/ "Divisões internas não são uma novidade em Ipatinga". O jornal mostra que, na realidade existe em Ipatinga uma divisão histórica entre dois grupos do PT, um, majoritário, liderado pelo atual prefeito, Chico Ferramenta, o outro, minoritário, por João Magno. Ivo José foi um dos principais edificadores do primeiro grupo e tem tido uma lealdade histórica com Chico Ferramenta. 2/ "A direção nacional teme que as divisões internas comprometam a vitória do PT". Houve prévias em todas as eleições de Ipatinga desde 1992 e nem por isso o PT deixou de ganhar em cada uma delas. Por quê? Porque as bases foram consultadas, as prévias serviram para que elas se exprimissem e, uma vez concluídas, toda a militância se uniu em torno do candidato majoritário. O fato de as eleições em Ipatinga terem sido vitoriosas para o PT, mesmo havendo disputa interna acirrada e prévias para indicar o candidato majoritário, mostra que o atual temor da direção nacional é infundado. O risco de o PT perder não está na existência de disputa interna nem na realização de prévias, mas em aderir a práticas clientelistas e elitistas, pois nelas a direita é muito melhor do que nós e o povo, quando desiludido nas suas esperanças, termina optando por ela. 3/ "Para tentar evitar prévias em Ipatinga, o presidente nacional do PT, José Genoino, resolveu interferir pessoalmente no processo". Seria desejável esta interferência? Sim, se fosse para garantir o modo mais participativo de seleção do candidato à Prefeitura. É interesse do PT que seja escolhido o candidato mais identificado com as bases partidárias e com o projeto de crescente empoderamento da população do município. O modo mais participativo, caso não haja desistência de um dos candidatos, é a prévia. A prévia é o modo de escolha democrática e participativa, adotada pelo PT nas várias esferas de disputa eleitoral, desde a municipal até a do Governo Federal. Lembremos que em 2001 tivemos dois pré- candidatos a Presidente da República e Lula foi escolhido com 85% dos votos. 4/ "Apoiado por 90% da direção municipal, Ivo José venceu com ampla vantagem a última eleição para presidente do partido e é favorito absoluto em caso de prévia." Quem tem melhor conhecimento dos pré-candidatos e da realidade do município? A direção municipal e a militância. E a direção municipal defende que, se não houver entendimento com a retirada de uma das candidaturas, deve valer o calendário aprovado pela direção partidária, que marcou a prévia para 18 de abril. 5/ João Magno interpreta a seu modo o acordo de 11/1/04: se não houver composição até a reunião de 15/3 com o Presidente do Partido, "o candidato seria definido de acordo com as pesquisas". Segundo o jornal, "João Magno diz estar decidido a não disputar prévias." Ora, pesquisas estatísticas de opinião são um mecanismo orientado para o grande eleitorado e alcançam, no caso de Rio e São Paulo, apenas um universo em torno de 2.000 pessoas. Embora elas escolhidas aleatoriamente, o mecanismo também é vulnerável a distorções e manipulações. No caso de Ipatinga, as prévias são consultas internas ao conjunto dos filiados – 7.600 – para que estes decidam quem preferem como candidato do PT à Prefeitura de Ipatinga. Tomar pesquisas estatísticas como referência para a escolha partidária seria desprezar a militância, queimar a etapa de consulta interna participativa e arriscar uma escolha manipulada. Afinal, quem tem medo das prévias? E por quê? 6/ Tenho minha própria opinião sobre quem é o único, atentem bem, o único pré-candidato capaz de dar continuidade ao processo de construção de um governo democrático e participativo em Ipatinga; o único que tem sido fiel, leal e íntegro aos ideais do Grupo Ferramenta e do Partido dos Trabalhadores; o único que está dedicado a um projeto muito maior do que ele próprio, o projeto de empoderamento da população de Ipatinga, para o qual o PT e a Prefeitura são meios, e não fins. Mas não é a mim que cabe expressá-lo, e sim à militância do município de Ipatinga. Se, na reunião de 15/3, vocês virem este pré- candidato fincar pé na sua pré-candidatura, com autonomia e firmeza de opinião, saibam que ele está simplesmente refletindo a vontade expressa da maioria da direção municipal e das bases do partido em Ipatinga. 7/ Gostaria de dirigir às duas Presidências - de honra e efetivo – um pedido. Que mantenham o interesse de vencer as eleições municipais, em Ipatinga e no resto do Brasil, subordinado ao projeto democrático e participativo e à postura ética que são características do PT desde a origem. Que o processo de prévias seja preferido a qualquer outro método de escolha de candidatos do PT, sempre que houver mais de um candidato e sempre que não haja desistências. Que atentem para o fato de que a política do "fim justifica os meios" é falsa e enganosa. Falsa, porque o meio leva em si o seu próprio fim, e portanto tem que ser coerente com o fim projetado. Enganosa, porque aquela política leva às vezes a vitórias, mas elas são somente táticas, e escondem no seu bojo derrotas estratégicas. Que seja a militância de Ipatinga a que tenha reconhecido seu direito e dever de escolher o melhor candidato. Sairá daí uma vitória tática e estratégica do PT e do seu projeto democrático e participativo. Atenciosamente, * Marcos Arruda. Economista e educador do Partido dos Trabalhadores
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