Além da terra, construir a justiça social
11/06/2007
- Opinión
Brasília, DF
“O que eu sabia plantar? Só cana. Tudo na minha vida era a cana, só sabia plantar cana, comer cana, cortar cana”. Paulo Venâncio, pernambucano de fala curta, olhos claros, gestos bruscos, negou o caminho de seu pai e de sua mãe. Como ditava o destino na Zona da Mata, esse trabalhador rural foi cortador de cana e empregado de usinas. Como todos em sua família, logo cedo estava de pé no canavial. E o sol a pino lhe envelhecia a pele durante sua jornada às vezes de até 12 horas de trabalho. “Sentia muita fraqueza, as pernas doíam, o dinheiro que eu ganhava mal dava para pagar a comida. Trabalhava feito burro.”
Alguns não agüentavam a tarefa diária de cortar 12 toneladas por dia e desmaiavam. Venâncio decidiu que não iria tombar naquela monocultura. Participou de uma ocupação, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Há 8 anos, depois de uma longa luta, vive em sua casa no assentamento Joaquim Nabuco, com sua mulher e suas duas meninas. Em seu lote, semeia mandioca, milho, feijão, inhame, frutas. Mas não foi apenas a cultura agrícola desse Sem Terra que ficou mais rica e diversificada. “Eu trabalho bastante, mas hoje eu sou livre. Não sou explorado, tenho meu pedaço de terra. Com o que planto, garanto minha alimentação e vendo o restante.”
Agronegócio e transnacionais
A vida de Venâncio mudou, mas o canavial não saiu do seu destino. Segue presente e avança na Zona da Mata. Venâncio tem amigos que ainda cortam cana. O Sem Terra, agora, faz trabalho de base com esses cortadores para que passem a lutar por um pedaço de terra. O problema é que uma nova realidade agrária, impulsionada pelo apoio econômico e político do estado, está estimulando a plantação de cana novamente na região. “Em 2000, de 40 usinas de Pernambucano, apenas 11 faziam a moagem. Estavam falidas, mas agora foram reativadas”, relata. Não é à toa. O agronegócio receberá R$ 50 bilhões do governo federal para o financiamento da produção na safra 2007/2008. Já a agricultura familiar ficou com R$ 10 bilhões.
O ressurgimento do monocultura da cana na região ilustra esse novo contexto do campo. Os latifundiários seguem controlando os territórios e subjugando os trabalhadores rurais. Mas, agora, ganharam dois companheiros: o agronegócio e as transnacionais. Essa nova realidade, que se choca com o avanço da reforma agrária e impede a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, é o pano de fundo do maior encontro de camponeses já realizado na América Latina: o 5º Congresso Nacional do MST, que ocorre entre 11 e 15 de junho em Brasília.
Paulo Venâncio é um dos 18 mil delegados que deixaram seus assentamentos e acampamentos em 24 estados. Viajaram para a capital federal, construíram a Cidade de Lona para, nesses cinco dias, debater os desafios da realização da Reforma Agrária e do MST.
O lema deste 5º Congresso, “Reforma Agrária: por justiça social e soberania popular”, resume a idéia de que a luta do movimento hoje não se resume à conquista da terra, imprescindível. “O debate nas bases aponta para a existência de dois projetos que estão em disputa no campo: o projeto do agronegócio, com a interferência das transnacionais que traz uma perda de soberania enquanto nação e, por outro lado, da necessidade da realização da Reforma Agrária como forma de se fazer justiça social neste país; como forma de distribuição de terra, gerar empregos saudáveis e garantir a soberania alimentar dos brasileiros”, resume Marina dos Santos, integrante da coordenação nacional do MST (leia entrevista) .
Proposta
Não se trata de um discurso distante da realidade. A construção do 5º Congresso do MST parte de um processo de discussão feito em assentamentos e acampamentos iniciado há dois anos. Do acúmulo desse debate nascem as principais resoluções levadas ao encontro em Brasília. “Nossas teses de construção do projeto de Reforma Agrária são um processo de construção nas bases. É um encontro com os representantes da nossa base que já fizeram todo o processo de avaliação a partir de sua realidade. É a maior instância de decisão do movimento para os próximos cinco anos”, explica Marina.
Com relação à proposta da organização para a Reforma Agrária, há quatro aspectos centrais. Acesso à terra fértil, crédito sem burocracia para produção, desenvolvimento de tecnologias agrícolas que respondam às necessidades do pequeno agricultor e apoio para o comércio da produção agrícola.
A negra de cabelos trançados Maria Divina da Silva também já viveu do corte de cana. Não no Nordeste, como Paulo Venâncio, mas em Goiás, em Vila Propício. Regiões e culturas distintas, a mesma opressão. Foi aos 20 anos, quando conheceu seu marido. "Deus me livre aquela vida de novo, sol quente, não podíamos parar nem quando machucávamos a mão. Se cortássemos a cana muito baixa, tínhamos de fazer o serviço de novo, porque senão não contava produção", lembra Marina, que recebia por produção.
A cortadora de cana se casou e ambos deixaram a usina. Depois, passaram 10 anos acampados - 3 deles com o MST. Quase desistiram, mas permaneceram e conquistaram um pedaço de terra para trabalhar. Hoje, no assentamento Dandara, produzem milho, feijão, amendoim. "Dá de tudo nesta terra. No ano passado, semeamos bastante, mas neste ano o crédito do governo ainda não chegou", conta. Dois anos depois de assentada, Maria ainda não conseguiu vender o que produz na terra. Tem uma pequena renda com leite. Mora, ainda, sem energia elétrica. Mas voltar pra casa ou continuar o movimento? Quem responde é a filha, Érica, de 13 anos: "eu não volto para cidade, ainda mais quando tivermos luz".
E o que Maria Divina espera deste 5º Congresso? "Quero conhecer as pessoas, ficar no meio do povo, isso é bom demais".
“O que eu sabia plantar? Só cana. Tudo na minha vida era a cana, só sabia plantar cana, comer cana, cortar cana”. Paulo Venâncio, pernambucano de fala curta, olhos claros, gestos bruscos, negou o caminho de seu pai e de sua mãe. Como ditava o destino na Zona da Mata, esse trabalhador rural foi cortador de cana e empregado de usinas. Como todos em sua família, logo cedo estava de pé no canavial. E o sol a pino lhe envelhecia a pele durante sua jornada às vezes de até 12 horas de trabalho. “Sentia muita fraqueza, as pernas doíam, o dinheiro que eu ganhava mal dava para pagar a comida. Trabalhava feito burro.”
Alguns não agüentavam a tarefa diária de cortar 12 toneladas por dia e desmaiavam. Venâncio decidiu que não iria tombar naquela monocultura. Participou de uma ocupação, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Há 8 anos, depois de uma longa luta, vive em sua casa no assentamento Joaquim Nabuco, com sua mulher e suas duas meninas. Em seu lote, semeia mandioca, milho, feijão, inhame, frutas. Mas não foi apenas a cultura agrícola desse Sem Terra que ficou mais rica e diversificada. “Eu trabalho bastante, mas hoje eu sou livre. Não sou explorado, tenho meu pedaço de terra. Com o que planto, garanto minha alimentação e vendo o restante.”
Agronegócio e transnacionais
A vida de Venâncio mudou, mas o canavial não saiu do seu destino. Segue presente e avança na Zona da Mata. Venâncio tem amigos que ainda cortam cana. O Sem Terra, agora, faz trabalho de base com esses cortadores para que passem a lutar por um pedaço de terra. O problema é que uma nova realidade agrária, impulsionada pelo apoio econômico e político do estado, está estimulando a plantação de cana novamente na região. “Em 2000, de 40 usinas de Pernambucano, apenas 11 faziam a moagem. Estavam falidas, mas agora foram reativadas”, relata. Não é à toa. O agronegócio receberá R$ 50 bilhões do governo federal para o financiamento da produção na safra 2007/2008. Já a agricultura familiar ficou com R$ 10 bilhões.
O ressurgimento do monocultura da cana na região ilustra esse novo contexto do campo. Os latifundiários seguem controlando os territórios e subjugando os trabalhadores rurais. Mas, agora, ganharam dois companheiros: o agronegócio e as transnacionais. Essa nova realidade, que se choca com o avanço da reforma agrária e impede a melhoria das condições de vida dos trabalhadores, é o pano de fundo do maior encontro de camponeses já realizado na América Latina: o 5º Congresso Nacional do MST, que ocorre entre 11 e 15 de junho em Brasília.
Paulo Venâncio é um dos 18 mil delegados que deixaram seus assentamentos e acampamentos em 24 estados. Viajaram para a capital federal, construíram a Cidade de Lona para, nesses cinco dias, debater os desafios da realização da Reforma Agrária e do MST.
O lema deste 5º Congresso, “Reforma Agrária: por justiça social e soberania popular”, resume a idéia de que a luta do movimento hoje não se resume à conquista da terra, imprescindível. “O debate nas bases aponta para a existência de dois projetos que estão em disputa no campo: o projeto do agronegócio, com a interferência das transnacionais que traz uma perda de soberania enquanto nação e, por outro lado, da necessidade da realização da Reforma Agrária como forma de se fazer justiça social neste país; como forma de distribuição de terra, gerar empregos saudáveis e garantir a soberania alimentar dos brasileiros”, resume Marina dos Santos, integrante da coordenação nacional do MST (leia entrevista) .
Proposta
Não se trata de um discurso distante da realidade. A construção do 5º Congresso do MST parte de um processo de discussão feito em assentamentos e acampamentos iniciado há dois anos. Do acúmulo desse debate nascem as principais resoluções levadas ao encontro em Brasília. “Nossas teses de construção do projeto de Reforma Agrária são um processo de construção nas bases. É um encontro com os representantes da nossa base que já fizeram todo o processo de avaliação a partir de sua realidade. É a maior instância de decisão do movimento para os próximos cinco anos”, explica Marina.
Com relação à proposta da organização para a Reforma Agrária, há quatro aspectos centrais. Acesso à terra fértil, crédito sem burocracia para produção, desenvolvimento de tecnologias agrícolas que respondam às necessidades do pequeno agricultor e apoio para o comércio da produção agrícola.
A negra de cabelos trançados Maria Divina da Silva também já viveu do corte de cana. Não no Nordeste, como Paulo Venâncio, mas em Goiás, em Vila Propício. Regiões e culturas distintas, a mesma opressão. Foi aos 20 anos, quando conheceu seu marido. "Deus me livre aquela vida de novo, sol quente, não podíamos parar nem quando machucávamos a mão. Se cortássemos a cana muito baixa, tínhamos de fazer o serviço de novo, porque senão não contava produção", lembra Marina, que recebia por produção.
A cortadora de cana se casou e ambos deixaram a usina. Depois, passaram 10 anos acampados - 3 deles com o MST. Quase desistiram, mas permaneceram e conquistaram um pedaço de terra para trabalhar. Hoje, no assentamento Dandara, produzem milho, feijão, amendoim. "Dá de tudo nesta terra. No ano passado, semeamos bastante, mas neste ano o crédito do governo ainda não chegou", conta. Dois anos depois de assentada, Maria ainda não conseguiu vender o que produz na terra. Tem uma pequena renda com leite. Mora, ainda, sem energia elétrica. Mas voltar pra casa ou continuar o movimento? Quem responde é a filha, Érica, de 13 anos: "eu não volto para cidade, ainda mais quando tivermos luz".
E o que Maria Divina espera deste 5º Congresso? "Quero conhecer as pessoas, ficar no meio do povo, isso é bom demais".
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