Frente única em defesa dos trabalhadores
- Opinión
Movimentos sociais e sindicais preparam protestos unificados em 23 de maio com a participação das maiores organizações do país.
Os movimentos sociais brasileiros estão construindo uma frente unificada de luta em defesa do direito dos trabalhadores. O primeiro ato concreto desta iniciativa será um protesto unificado em todo o país, agendado para o dia 23 de maio, uma quarta-feira, para quando estão previstas marchas, paralisações nas fábricas, bloqueios de estradas, entre outras ações.
O processo começou a ser construído ainda em dezembro, diante da insatisfação crescente das organizações com a diretriz neoliberal da política econômica do governo Lula e da necessidade de construir uma força social que possa intervir nessa conjuntura.
A articulação cobre um espectro político amplo e, potencialmente, se opõe ao processo de fragmentação das forças sociais no país. Participam da construção do protesto unificado representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da União Nacional dos Estudantes (UNE), da Via Campesina (MST, MAB, MPA, etc), da Intersindical, da Conlutas e outras iniciativas conjuntas, como a Assembléia Popular e a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). O ponto central da unidade é a necessidade de se fazer lutas concretas para se reverter a crise social do país. As bandeiras serão mudança na política econômica e nenhum direito a menos.
Até a data da mobilização, o Brasil de Fato publicará quatro entrevistas com representantes dessas organizações. Nesta edição, João Batista Lemos, coordenador nacional da Corrente Sindical Classista (CSC), que atua na CUT, defende a relaciona as ameaças aos direitos dos trabalhadores e defende a construção de um projeto nacional com a valorização do trabalho e da soberania do país.
Brasil de Fato – O que está levando os movimentos sociais a programarem um protesto unificado em 23 de maio?
João Batista Lemos – A primeira coisa são as questões dos direitos. Com a reeleição do governo Lula, criaram-se melhores condições para a luta do povo por um novo projeto. O avanço da esquerda na América Latina e a correlação de forças no continente compõem uma situação mais favorável para avançar em um projeto nacional de valorização do trabalho e soberania. Isso significa que vai aguçar a luta de classes, pois há também uma ofensiva global do capital para retirar direitos dos trabalhadores para recompor sua margem de lucro. Houve períodos em que as classes trabalhadores avançaram, quando o capital deu o anel para não perder o dedo. Mas agora querem retomá-lo.
BF – Como a principal iniciativa do governo para este segundo mandato, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), entra nesse quadro?
Batista – O PAC tem um aspecto positivo, trabalha metas de desenvolvimento a partir da indução do Estado. No entanto, não contempla a distribuição de renda e, ainda, limita os direitos dos trabalhadores. Com a restrição do reajuste salarial dos servidores em 1,5% por ano, você restringe o papel do Estado do ponto de vista de garantia dos direitos sociais.
BF –Que outras ameaças existem para os trabalhadores?
Batista – Tem a questão da Emenda 3, que por meio da Super Receita vem no sentido de flexibilizar os direitos. Outra questão é a limitação do direito de greve (proposta defendida pelo governo Lula). A atual legislação já penaliza esse direito, mas precisamos, pelo contrário, de ampliá-lo. Com relação à proteção dos serviços essenciais à população, os trabalhadores já têm experiência nisso e sabem que áreas não podem parar. Outra questão é que as mudanças estruturais não estão vindo, como uma reforma agrária efetiva. É um governo ainda contraditório, tem um setor desenvolvimentista, mas isso não neutraliza a luta de classes. Por isso, está sendo construída uma frente social em defesa dos direitos do povo, dos trabalhadores. É isso que unifica essas organizações.
BF –Vivemos um processo de divisão e dispersão nas forças sociais progressistas. Qual o potencial desse quadro ser revertido?
Batista – Estamos ainda em um período de descenso do movimento de massas, mas há um avanço na disposição de luta do povo. A vitória dos partidos de esquerda na América Latina e a eleição de Lula são exemplos disso. Está se ensaiando uma retomada do movimento social no sentido de ocupar o protagonismo das mudanças e da transformação social do país. Há também um certo amadurecimento das organizações para buscar o que unifica, e não o que nos divide. Nessa frente que estamos criando, há quem faz oposição ao governo Lula; há quem que apóia o governo, no sentido crítico e mantém sua autonomia. A arte de tudo isso é procurar o que nos unifica e construir essa unidade, a questão principal.
BF –De que forma vocês enxergam o debate que o governo federal começou a tratar sobre a Previdência?
Batista – Está dentro dessa ofensiva do capital. Faz parte de um ajuste neoliberal no mundo e já começou no nosso país, com a Reforma da Previdência, que substituiu o tempo de trabalho por tempo de contribuição e já penalizou os mais pobres que começam a trabalhar com 10, 12 anos de idade. Agora, querem aumentar a idade mínima para a aposentadoria. Essa reforma tem sentido neoliberal. O próprio Lula reconheceu que a Previdência não é deficitária. O problema maior é questão do crescimento econômico com a geração de emprego e combate ao mercado de trabalho informal. A saída é o desenvolvimento com geração de emprego, que exige com redução da jornada de trabalho sem perdas salariais, metas de crescimento e também de emprego. Por isso, levantamos que isso reclama um novo projeto nacional para o país, com base na valorização do trabalho.
BF –Que impactos pode ter para os trabalhadores a ampliação da idade mínima, cogitada pelo ministro Luiz Marinho?
Batista – O ministro anuncia que é para geração futura. Mas não são só nossos filhos que vão sofrer isso, a atual geração também. Por quê? A questão de fundo é a privatização da Previdência, da criação dos fundos de pensão, por pressão do capital financeiro. Isso não soluciona o problema, agravará ainda mais a situação do mercado de trabalho, ao invés de reduzir a jornada, você vai ampliar a jornada. Nós precisamos recompor os postos de trabalho. A cada ano, entram no mercado de trabalho mais de 1,5 milhão de jovens do Brasil. Se aumentamos a idade mínima, esses jovens sem oportunidade serão vítimas do tráfico nas periferias. A crise social avança ainda mais. A lógica dessa reforma da Previdência é a dos interesses do capital financeiro, e não do povo.
BF –Hoje as empresas são mais produtivas, lucram mais e parece que há uma corrida, por parte do governo, do crescimento pelo crescimento, sem a preocupação com essa geração de postos...
Batista – A tendência objetiva do capitalismo é cada vez mais aumentar o desemprego estrutural, pelas inovações tecnológicas. Já a ofensiva neoliberal contra os direitos faz parte da estratégia do grande capital para recompor sua margem de lucros. Podemos barrar isso com a luta do povo e dos trabalhadores. Por isso , a necessidade hoje do papel do Estado, não deixar pro mercado, que tem de ter políticas públicas de geração de emprego. Se você investe na saúde pública, educação pública, na universalização dos serviços públicos, vai contratará mais pessoas nessas áreas. E a outra bandeira histórica da classe trabalhadora, redução da jornada. Para enfrentar o desemprego estrutural, precisaríamos reduzir para 40 horas e, em uma segunda, fase 35 horas. Isso teria reflexo imediato no mercado de trabalho, com a intervenção do Estado.
BF –Uma das dificuldades dos movimentos sociais é justamente organizar essa população que vive do trabalho informal, sem direitos. Como o senhor vê essa questão?
Batista – O movimento social tem a necessidade uma organização maior. O sindicato representa hoje os trabalhadores do mercado formal, com um nível de sindicalização baixa. O movimento sindical cada vez mais tem de interagir com o conjunto dos movimentos sociais, como os sem-teto, de luta pela moradia, que atuam nos bairros com essa população. Por isso, a unidade do movimento social é uma questão fundamental para unir toda a classe, aquela que é obrigada a vender a força de trabalho e aquela que nem tem trabalho. E esse processo deve ser construído em cima de bandeiras muito concretas. A unidade da frente só vai ser possível se encontrarmos bandeiras muito concretas, que respondam ao interesses dessas massas.
BF – Durante muito tempo, o projeto hegemônico da esquerda enfatizou muito a luta institucional no projeto de transformação social. Como o senhor avalia esse process?
Batista – Há uma pressão muito grande para a luta institucional porque as questões acabam sendo decididas, hoje, na atual fase da correlação e força e da luta política de classes nas batalhas eleitorais. Na América Latina, a experiência está sendo muito rica. Há uma combinação da luta social com a luta política. A Nicarágua é exemplo, Evo Morales na Bolívia, também no Equador... Mas é uma ilusão achar que só por meio da luta institucional vamos fazer as transformações. Não reúne as condições para enfrentar o grande capital e o imperialismo. Mas também é uma ilusão que só pelo meio dos movimentos sociais vamos fazer essas transformações. Por isso, a necessidade de articular a luta do movimento social com a luta político-institucional no sentido conquistar de conquistar posições e fazer frente ao imperialismo e construir um poder de acordo com os interesses da maioria do povo.
BF –Quais são as principais pautas de um novo modelo de desenvolvimento que contemple os interesses da classe trabalhadora?
Batista – A primeira questão é a soberania nacional. De como enfrentar o capital financeiro, por isso a necessidade da mudança da política macroeconômico, que aposta na alta dos juros e superávit primário elevado (economia dos gastos públicos para pagamento de juros da dívida). Temos de enfrentar esse modelo da política agrária que se baseia no agronegócio, que não é voltado para os interesses nacionais e da maioria dos trabalhadores do campo e atinge a questão do meio ambiente, outra pauta importante a ser colocada.
A outra questão fundamental é o do desemprego, da ocupação. É preciso que a maioria dos trabalhadores seja incorporada na produção, há uma grande massa que está desempregada e um grande setor que está fora do mercado forma que não contribui para a Previdência. É preciso incluir esses trabalhadores.
Outra é a distribuição de renda. A melhor forma de distribuir renda é a geração de emprego, assim você desenvolve um mercado interno. à medida que o governo se voltar para os grandes interesses do povo, ele encontra o caminho do projeto nacional. E outra questão é dos direitos, que está dentro da política de valorização do trabalho: recomposição dos salários, ampliação dos direitos, valorização do salário mínimo.
BF –Como vocês estão se preparando para as mobilizações do dia 23?
Batista – A Corrente Sindical Classista (CCS) atua na Central Única dos Trabalhadores (CUT), sou coordenador nacional da corrente. Estamos fazendo a divulgação dos protestos do dia 23 e as bandeiras já conseguimos unificar nos movimentos sociais. estamos vendo que essa manifestação deve ocorrer em todo o país, manifestações unitárias nas capitais, mas lutas também dentro das empresas, bloqueios de estradas, as formas que as próprias organizações nos Estados vão encontrar para fazer o seu protesto e a sua manifestação. É importante que se levante bem alto as bandeiras, para fazer pressão das reivindicações para o governo. Nós estamos otimistas com a construção dessa unidade, só interessa ao povo e aos trabalhadores.
Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
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