Libertação, só pelo movimento de massas

25/09/2006
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Candidato ao governo de São Paulo pelo Psol, Plinio quer apresentar uma proposta alternativa ao debate eleitoral Aos 76 anos, Plinio Arruda Sampaio, militante histórico da esquerda brasileira, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), ainda encontra disposição para tentar mudar o país. Candidato ao governo do Estado de São Paulo pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), partido recém-criado por dissidentes do PT, Plinio acredita que a campanha eleitoral deve ser um espaço para debater os problemas do povo. Mas adverte: “Não acho que a transformação será feita pela via eleitoral. Acho que uma transformação real, a libertação efetiva do país do domínio do imperialismo e a libertação efetiva do povo da tutela das classes dominantes somente será feita por um grande movimento de massas organizadas, realmente politizadas. Brasil de Fato – O que motivou sua saída do PT e o que o levou a se candidatar a governador de São Paulo pelo Psol? Plinio Arruda Sampaio – Basicamente, a necessidade de colocar uma proposta alternativa no debate eleitoral. Com a aproximação do programa do PT ao programa do Fernando Henrique Cardoso (FHC), o debate está se resumindo à discussão do mesmo. Quer dizer, de como cada um deles vai realizar suas promessas, sem alterar os elementos fundamentais da economia. A alternativa que estou propondo parte de outros pressupostos, outros objetivos. O objetivo, tanto do governo Luiz Inácio Lula da Silva quanto do governo de FHC, é integrar o Brasil na ordem internacional de forma a atender às exigências dos centros do capitalismo mundial. Nós estamos propondo que o Brasil faça o seu itinerário de desenvolvimento, que se integre no mercado internacional de forma autônoma e soberana. BF – A esquerda brasileira tem, nos últimos 20 anos, priorizado a chamada luta institucional, catalizada pelo PT. Com a decepção com o atual governo, setores da esquerda têm colocado que o ciclo de luta institucional está esgotado. O senhor acredita que esse ainda é o caminho para mudar esse país? Plinio – O PT tinha, desde o começo, uma estratégia de duas pernas: a estratégia eleitoral e a estratégia de luta. Combinava tática eleitoral com tática de luta. Eu acho que o Brasil ainda tem o caminho institucional. Mas não acho que a transformação será feita pela via eleitoral. Uma transformação real, a libertação efetiva do país do domínio do imperialismo e a libertação efetiva do povo da tutela das classes dominantes somente será feita por um grande movimento de massas, organizadas e realmente politizadas. Portanto, são dois trabalhos: um eleitoral e outro institucional, de presença nos órgãos de Estado, no programa de trabalho e, por outro lado, uma presença forte na rua, na pressão de massa, no campo. E é isso que o PT abandonou. É por isso que o PT perdeu o rumo. BF – Como o senhor vê a apatia da população frente a um processo em que estão em jogo os rumos do maior país da América Latina? Plinio – É o resultado de uma enorme desilusão. A classe política, nós todos, dissemos ao povo: ajudem a gente a colocar os militares no quartel que isso aqui melhora. O povo saiu para as ruas, pusemos os militares nos quartéis; não aconteceu nada. Aí, o José Sarney disse: me ajudem a fiscalizar os comerciantes que eu seguro a inflação. O povo virou fiscal do Sarney, e nada. Aí, veio o Collor e disse: me ajudem a colocar os marajás na cadeia. O povo saiu às ruas, votou no Collor. Novamente, nada. Aí veio o FHC: me dêem força, porque com os cinco dedos da mão eu faço um programa, sou intelectual, da Sorbonne, era isso que faltava, nunca tinha ido um inteligente para o Planalto... etc. Bom, deu no que deu. Finalmente o povo pôs o Lula lá e achou: agora vai! Porque o PT disse a vida inteira que ia mudar o país. Chega lá, também não faz! Não há modificação real na vida do povo. Houve uma melhora mínima para os setores ultrapobres, que receberam R$ 60 por mês. A educação continua um caos, a saúde outro caco, o emprego não aumenta, as crianças começaram a trabalhar de novo para ajudar na renda da família... isso é um retrocesso brutal. BF – E ainda há escândalos de corrupção... Plinio – E ainda tem os escândalos todos. Mas o mais importante nessa história é o fato de Lula não ter feito as mudanças. Se fizesse a reforma agrária – aquele plano que nós ajudamos a preparar –, se tivesse feito as casas que prometeu, se tivesse criado os dez milhões de emprego... essas outras coisas não seriam assim tão fortes. Os escândalos foram a pá de cal, porque além de não fazer ainda se mete em lambança. BF – Qual deve ser o papel dos movimentos e das organizações populares? Plinio – A situação não é fácil para as organizações populares. Estão vivendo um drama, porque na verdade fizeram a vitória do PT. O PT não seria o partido que é, não fora o enorme apoio que recebeu das organizações populares. Essas organizações têm compromisso com sua gente. E a grande tese do PT é que elas eram autônomas, que tinham caminhos próprios, que poderiam até se chocar com os do PT. Eu pus esse artigo no estatuto do PT, quando me pediram para redigir o primeiro rascunho do estatuto. E foi aprovado que se um militante de uma organização popular fosse também militante do PT e houvesse um conflito de interesse entre os dois, ele era livre para optar por um ou por outro. Para a minha surpresa, quando houve um caso desses eu fui olhar o estatuto e esse artigo tinha sido suprimido! Isso deixou as organizações populares numa situação extremamente difícil. De um lado, não querem apoiar a direita; de outro, sentem que, com Lula, não está indo como queriam. Ao mesmo tempo, não vêem alternativa. A razão pela qual eu saí candidato, a razão pela qual eu entrei no Psol, é para ver se a gente constrói uma alternativa para que as organizações populares possam, de novo, ter uma relação madura, independente, mas em torno de um programa político que responda ao que elas querem. BF – O Psol será essa organização política capaz de aglutinar os movimentos populares, inclusive os militantes decepcionados com o PT? Uma das críticas ao Psol é justamente o fato de ele ter nascido de forma autoritária, em busca da via eleitoral, correndo o risco de seguir o mesmo caminho do PT... Plinio – Esse risco o Psol corre. Tudo vai depender do método de ele fazer campanha. O partido foi criado numa circunstância em que o calendário eleitoral exigia um tipo de formulação. Mas o Psol não tem ainda um estatuto definitivo. Ele é um acordo eleitoral de grupos que, na emergência de uma eleição, na necessidade de dizer alguma coisa – porque eleição abre um espaço mesmo que pequeno, como é o nosso caso, de fala – se uniram. Você tem direito a aqueles minutinhos de televisão. No debate da TV Bandeirantes eu consegui deixar claro a diferença entre nós. Então, a idéia foi não perder essa oportunidade. Mas o estatuto ainda não está definido. O Psol na verdade será formado em maio de 2007, com seu primeiro congresso. Aí sim, se ele não se organizar a partir da base, está morto. Precisa se organizar a partir do núcleo de base, aquilo que o PT jogou fora. O PT começou com o núcleo de base, o militante que era militante de uma organização popular também passava a militar num organismo de base do partido. Esse organismo de base se transformou em curral eleitoral dos deputados. Essa degenerescência acabou com o PT. BF – O Psol poderá ser o grande instrumento... Plinio – Não. Não acho que será o Psol o grande instrumento. Daqui por diante, o grande instrumento vai ser uma série de partidos de esquerda, uns maiores outros menores, numa espécie de federação de partidos de esquerda, junto com os movimentos populares, numa federação da proposta popular, cada qual conservando a sua autonomia, cada qual realizando o seu espaço de trabalho. Então, Consulta Popular, Assembléias Populares... tudo isso é fundamental para criar esse grande movimento popular. Não acredito num partido que vai fazer tudo, que vai empolgar todos. O socialismo agora tem de ser pluralista. BF – O senhor acredita que, mesmo com essa apatia da sociedade, poderemos ter um período de retomada das grandes mobilizações? Plinio – Sim, o que os movimentos populares podiam fazer agora, já, é chamar os candidatos e perguntar qual é a posição deles. Seria formidável se os movimentos populares fizessem um questionário a todos, com uma perguntinha simples: o senhor trataria de retomar a Vale do Rio Doce? O senhor trataria de retomar as hidrelétricas do Estado de São Paulo. Aí vamos ver quem está do lado de quem. BF – O neoliberalismo se coloca hoje de forma fragmentada nos mais variados setores. Isso dificulta ainda a mobilização dos trabalhadores? Plinio – Confesso que fiquei assustado com a pouca sensibilidade da sociedade para a crise por que passaram agora os empregados da Volks. Ninguém se mexeu. O que está acontecendo com a Volks é o que vai acontecer com todas as indústrias de maior peso no Brasil. Esse é um movimento mundial. Então, ou você dá uma resposta nacional e global ou você vai ser morto. O capitalismo está comendo pelas beiradas. Dessa vez, pegou a Volks, depois serão outras. E assim nós vamos virando uma colônia, de novo. E a indústria brasileira vai ser reduzida a produzir aquelas peças que não são mais importantes, que você pode escolher o lugar de salário mais baixo. Aquelas partes que são complicadas, difíceis de produzir, estão nos países de primeiro mundo. É por isso que estão sucateando a nossa universidade, a ciência e a tecnologia. Os institutos de excelência que nós temos, que são de inteligência, não têm verba. O mundo já aprendeu a fazer rodinha de avião, leme de avião, asa de avião... tudo isso todo mundo pode fazer. Você pode fazer isso em Uganda, na Namibia, onde você quiser. Agora, aquela aparelhagem de alta tecnologia, essa fica lá nos países de primeiro mundo. E isso eles vendem para nós ou permitem que a gente use, mas condicionam a venda do avião ao que eles querem – tanto que não pudemos vender nosso avião para a Venezuela. Isso se chama neocolonialismo. Minha esperança é de que o povo vai perceber que precisa se unir e lutar. BF – O senhor acha que o momento eleitoral permite fazer esse tipo de debate? Plinio – Essa é a razão pela qual eu saí candidato. O que noto nos candidatos é: eu vou fazer isso, vou fazer aquilo, sem nenhum fundamento. Ou: quando fui governador, fiz tanto... sem comparar com o que era preciso. Quer dizer, se eu fiz trezentas mil casas, quantas precisavam? E, sobretudo, por que tem um milhão e quatrocentas mil casas paradas? Precisa ver o que está acontecendo. Isso se chama especulação imobiliária. Ninguém diz uma palavra sobre isso. Estou tentando ver se uso esse pouco tempo para quebrar uma coisa que se criou no brasileiro; todos os problemas terminam num dilema. Dilema é aquele em que a situação A é ruim e a situação B também é ruim. Outro dia, em Mogi das Cruzes (SP), uma moça perguntou qual a minha proposta para resolver o problema do rio que corre na cidade. Esse rio está assoreado. Quando chove, alaga as casas e a draga não pode entrar porque tem uma mata ciliar que protege o rio. Ou seja: tira a população ou corta as árvores? Duas coisas péssimas. Aí eu disse para ela: sabe há quantos anos corre esse rio aí? Uns 15 anos? Ela respondeu: muito mais! Pois é, ele correu milhões de anos nesse lugar e nunca assoreou. Por que está assoreando agora? Porque, a montante, tem gente cultivando mal a terra, sem fazer curva de rio, ou tem loteador urbano metendo o trator nos morros para plainar e jogando no rio. Se segurar isso, a água do rio limpa. Mas só pensam em dar trabalho para empreiteiras! Isso aí se resolve com política, com fiscalização, não precisa gastar um dinheirão. Nós precisamos começar a pensar soluções positivas. O que estou tentando fazer é mostrar: o que está ruim para você não é por acaso, nem por um acidente geográfico. É por um problema de luta de classe. É porque tem uma classe explorando. Quem é Plinio Arruda Sampaio é ex-deputado federal constituinte, promotor público, consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), professor universitário e ex-secretário agrário do Partido dos Trabalhadores (PT) e diretor do jornal Correio da Cidadania - Nilton Viana da Redação, Brasil de Fato – Edição 186 – De 21 a 27 de setembro de 2006 – Página 5
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