Em um ano, Brasil registra 70 casos de violações de liberdade de expressão
- Opinión
Como lembra o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), golpes não convivem bem com a diversidade e a pluralidade, e precisam calar as vozes dissonantes para se cristalizar. No último ano, milhares delas foram sistematicamente silenciadas no Brasil. É o que revela o relatório “Calar Jamais! – Um ano de denúncias contra violações à liberdade de expressão”, lançado nesta terça-feira 17 pelo FNDC em Salvador. A atividade integrou a programação da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que acontece até 21 de outubro, em todo o País.
Resultado da campanha que leva o mesmo nome, iniciada em outubro de 2016 pelo Fórum, o relatório descreve cerca 70 casos, organizados em sete categorias: 1) Violações contra jornalistas, comunicadores sociais e meios de comunicação; 2) Censura a manifestações artísticas; 3) Cerceamento a servidores públicos; 4) Repressão a protestos, manifestações, movimentos sociais e organizações políticas; 5) Repressão e censura nas escolas; 6) Censura nas redes sociais; e 7) Desmonte da comunicação pública.
O conjunto das violações comprova que práticas de cerceamento à liberdade de expressão que já ocorriam no Brasil – por exemplo, em episódios constantes de violência a comunicadores e repressão às rádios comunitárias –, encontraram um ambiente propício para se multiplicar após a chegada de Michel Temer ao poder e a multiplicação de protestos contra as medidas adotadas pelo Governo federal e pelo Congresso Nacional.
São histórias de repressão que se capilarizaram em todas as regiões, em cidades grandes e pequenas, praticados pelos mais diferentes atores. Além das tradicionais forças de segurança e de governos e parlamentares, o autoritarismo da censura tem chegado a direções de escolas e até a pessoas comuns, que tem feito uso do Poder Judiciário para calar aqueles de quem discordam. Assim, manifestações de intolerância religiosa, política e cultural, fruto do avanço conservador no país e de um discurso do ódio reproduzido há muito tempo e de maneira sistemática pelos meios de comunicação hegemônicos, têm se espraiado.
Como lembra a apresentação do relatório, casos como o do jovem pernambucano Edvaldo Alves, morto em decorrência de um tiro de bala de borracha enquanto protestava justamente contra a violência, ou do estudante universitário Mateus Ferreira da Silva, que teve traumatismo craniano após ser atingido com um golpe na cabeça durante manifestação em Goiânia, deixaram de ser raridade. A publicação também traz o registro da invasão da Escola Florestan Fernandes, do MST, pela polícia; da condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães; e do flerte de Temer com a suspensão dos direitos constitucionais, por meio do decreto presidencial de 24 de maio passado, que declarou Estado de Defesa e autorizou a ação das Forças Armadas para garantir a “ordem” no país.
Na avaliação da coordenação geral do FNDC, desde o lançamento da campanha Calar Jamais!, o que se registrou foi assustador. “Denúncias chegavam constantemente, e cada vez mais diversificadas. Não era apenas a quantidade de casos que alarmava, mas os diferentes tipos de violações, que se sucediam progressivamente, de forma cada vez mais graves”, afirma a entidade.
O mais preocupante é que os casos sistematizados pelo Fórum relatam apenas as denúncias que chegaram até à campanha. Pelo quadro pintado, dezenas de outros episódios certamente ocorreram e não alcançaram qualquer repercussão no país. Outros seguem em curso, como projetos de lei para proibir manifestações artísticas ou casos de estudantes que ainda respondem a processos por terem ocupado escolas contra a PEC 55. Também segue o desmonte da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), onde os registros de assédio moral e censura contra jornalistas e radialistas, praticados pela direção nomeada por Temer, são quase diários. Tudo diante da omissão ou conivência de quem deveria defender a liberdade de expressão no país.
Além de cobrar publicamente a responsabilidade dos agentes internos responsáveis pelos ataques constatados à liberdade de expressão, a campanha Calar Jamais! e o FNDC pretendem levar o relatório para autoridades nacionais e organismos internacionais de defesa de direitos humanos. E, assim, quem sabe, condenar o Estado brasileiro nas cortes internacionais por estas violações.
A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação
O dia 17 de outubro é definido como o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação. A data, comemorada desde o início dos anos 2000, está relacionada ao Media Democracy Day, que, em diversos países, ocorre no dia 18 de outubro, em alusão à fundação da rede britânica BBC, considerada modelo de sistema público de comunicação.
No Brasil, a história dos meios de comunicação é marcada pela concentração da propriedade em poucos grupos econômicos, que detêm o monopólio do debate público. Um monopólio que está a serviço de uma elite econômica e não tem nenhum compromisso com o interesse público. Uma mídia que segue reproduzindo um pensamento único, e que nos últimos anos tem de muitas formas fortalecido preconceito e discriminação, veiculando um discurso de ódio social e político.
Na programação das emissoras de televisão não faltam exemplos, principalmente nos programas policialescos que incitam a violência e reforçam a criminalização da juventude que vive nas periferias, dos negros e das mulheres. No jornalismo, o compromisso com a notícia factual e a veiculação do contraditório com pluralidade de ideias têm sido cada vez mais raros de se observar. A diversidade cultural e social do país segue invisibilizada e, quando sai do eixo sudeste, é estereotipada. Atualmente, os fatos são distorcidos nas narrativas da mídia para que caibam em discursos previamente consolidados, em consonância com o senso comum.
A comunicação é um direito de todos e todas. A liberdade de expressão é condição indispensável para a garantia da democracia e, sendo assim, é um direito humano indispensável, como defende a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Justamente para dar à luta pela democratização da comunicação a dimensão e a visibilidade que deve ter na sociedade brasileira, desde 2003 tem sido articulada a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação. A iniciativa busca unificar esforços de vários setores da sociedade – estudantes, profissionais, sindicatos, organizações culturais, entidades, etc. – e fortalecer a luta por mudanças estruturais que sejam capazes de dar um novo sentido aos meios de comunicação no País.
A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação 2017, que começou no dia 15 e segue até o dia 21 de outubro, contará com a articulação de todos esses setores da sociedade civil na realização de debates, seminários, atos, atividades políticas e culturais em diversos estados de todo país, com ênfase na denúncia de violações à liberdade de expressão em curso no Brasil.
As entidades que integram o FNDC definiram esse tema com base na atual conjuntura, de repressão a protestos e manifestantes, censura privada ou judicial de conteúdos na internet e na mídia, decisões judiciais e medidas administrativas contra manifestações artísticas e culturais, aumento da violência contra comunicadores, desmonte da comunicação pública, cerceamento de vozes dissonantes na imprensa, além de várias outras iniciativas que contribuem para calar a diversidade de ideias, opiniões e pensamentos em nosso país.
Esse tema vem sendo trabalhado pelo Fórum na campanha “Calar Jamais!” desde outubro do ano passado, quando a mesma foi lançada para chamar atenção à escalada de violações de direitos dos cidadãos. A campanha conta com uma plataforma online que recebe denúncias de violações à liberdade de expressão.
Além do lançamento do relatório, a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação contará com atividades em diferentes estados sobre comunicação pública, o papel da mídia na atual crise política, regulação democrática dos meios de comunicação, acesso, privacidade e liberdade de expressão na internet, entre outros temas.
A programação completa da Semana está disponível em www.fndc.org.br.
- Bia Barbosa integra a Coordenação do Intervozes e é secretária geral do FNDC. Ramênia Vieira integra o Conselho Diretor do Intervozes e é editora do Observatório do Direito à Comunicação.
17/10/2017
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