Eleições em uma nação sem soberania

14/02/2006
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O pleito presidencial não representa a força da democracia do país, ocupado militarmente e subjugado politicamente. Após quatro adiamentos, realizou-se, no dia 7, o primeiro turno das eleições para presidente do Haiti. A população compareceu em peso às urnas – 75% a 80% dos 3,5 milhões de eleitores do país, de acordo com dados oficiais. Até o fechamento desta edição, com 90% dos votos apurados, não havia decisão definitiva sobre o resultado do pleito: ou a vitória do ex-presidente René Préval, caso atingisse mais de 50% das preferências, ou a realização de um segundo turno, em março. Apesar da indefinição, o programa político a ser adotado pelo novo governo já foi anunciado. Não pelos candidatos ou partidos que representam, mas pelas instituições internacionais, orientadas pelos Estados Unidos, que controlam os rumos do país caribenho, há dois anos. Desde 29 de fevereiro de 2004, quando da deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide, seqüestrado por soldados estadunidenses, o Banco Mundial (BM) realizou encontros informais, em sua sede, em Washington (EUA), com governantes de diversos países, como Canadá, Chile, Estados Unidos e França. Deliberaram, sem a presença de representantes legítimos do Haiti, sobre a necessidade de se formular um plano econômico de médio prazo para o país. A tarefa foi repassada para 300 especialistas, dos quais 100 eram haitianos, que trabalharam sob orientação do BM e de outras duas instituições internacionais – a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Do trabalho dos estudiosos nasceu o Quadro de Cooperação Interina (CCI, como é conhecido, por sua sigla em francês), que serviria de fio condutor para o desenvolvimento econômico haitiano até 2014. O BM condiciona seu apoio ao novo governo do Haiti, como a oferta de empréstimos e de ajuda técnica, a este acatar a política definida no CCI. Projeto neoliberal A Plataforma Haitiana pela Defesa do Desenvolvimento Alternativo (Papda), entidade que analisa o impacto de decisões do governo do Haiti e das instituições internacionais sobre a população, tem denunciado, em repetidas notas, o tom dominante do projeto apadrinhado pelo BM: a implementação de políticas neoliberais. O CCI prega a privatização de empresas estatais e de recursos naturais. Prioriza o crescimento econômico em vez das necessidades sociais da população (emprego, saúde, alimentação, educação). A sua fórmula é clara: é preciso atrair investidores estrangeiros, construir zonas francas e desenvolver o turismo. A proposta assemelha-se às políticas implementadas por Aristide, entre 2001 e 2004. O ex-presidente privatizou empresas estratégicas e lucrativas, sobretudo as de telecomunicação. Acatou as orientações das instituições internacionais para guiar os rumos do país. As decisões de Aristide geraram descontentamento generalizado na população. Quando foi retirado do país, protestos contra ele se propagavam por todo o Haiti. Antes da votação do dia 7, Préval, do partido Lespwa (Esperança, em crioulo), que ele mesmo fundou, aparecia como absoluto favorito para tornar-se presidente do país. Aparecia com 55% a 65% das preferências nas pesquisas, o que garantiria sua eleição logo no primeiro turno. Quando começou a apuração dos votos, sua vitória parecia certa. Mas, faltando menos de 10% das urnas a ser conferidas, o Conselho Eleitoral Provisório (CEP), responsável pelo pleito, anunciou que Préval não alcançava os 50% de votos necessários para sua eleição. Teria que disputar uma segunda etapa, marcada para março, contra Leslie Manigat, da Agremiação dos Democratas Nacionais Progressistas (RDNP, na sigla em crioulo). Partidários de Préval tomaram as ruas de diversas cidades, especialmente da capital Porto Príncipe, exigindo que o ex-presidente fosse considerado vitorioso pelo CEP. Denúncias de fraude, prejudicando Préval, arrefeceram ainda mais os ânimos. Os soldados da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), que ocupa o país desde junho de 2004, atiraram contra os manifestantes, alegando conter ações criminosas. Até o fechamento desta edição, havia sido confirmado o assassinato de um partidário de Préval pelos soldados. Préval, uma incógnita Apesar de ser o favorito na eleição, o ex-presidente não deixou claro qual vai ser seu programa de governo. Sua imagem é muito associada à de Aristide, de quem foi primeiro-ministro em 1991, durante o primeiro mandato deste. Quando presidiu o Haiti, entre 1996 e 2001, Préval foi acusado de não governar de modo autônomo, mas guiado por Aristide e pelas imposições das instituições internacionais, principalmente o Fundo Monetário Internacional (FMI). No pleito atual, não se distanciou claramente de seu antigo mentor, mas também optou por não concorrer pelo partido deste – Lavalas (A Avalanche, em crioulo). A ambigüidade de Préval faz com que seu provável governo seja visto como uma incógnita para o povo haitiano, apesar de depositar nele muita esperança, e como um percalço aos interesses das grandes potências, que não sabem quão controlável ele será. - João Alexandre Peschanski da Redação Brasil de Fato.
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