Bush e a "direita cristã"
11/11/2004
- Opinión
Está na hora de se comentar um pouco a vitória de Bush, que
desapontou tanta gente. Entre os três fatores decisivos (a
direita cristã; o grande negócio; o neo-conservadorismo) que o
levaram à presidência, quero comentar um pouco o primeiro (a
direita cristã), pois é nesse nível que podemos fazer algo, no
ambiente em que vivemos.
Há sem dúvida uma ascensão da direita cristã que se alastra
tanto no catolicismo como no protestantismo, e nisso colaborou
certamente o longo pontificado de João Paulo II. A eleição
americana mostra com clareza como pode ser perigoso lutar por
'valores morais' de duvidoso conteúdo (contra aborto, contra
casamento entre homossexuais, etc.), sem distinguir com clareza
esse tipo de 'moral' do imperativo ético que é fundamental no
evangelho: 'ama o próximo' ('ama o homossexual, ama a mulher que
pratica aborto', etc.). Recentemente, o bispo católico de
Colorado denunciou publicamente 'qualquer político católico'
(Kerry é católico) que 'apóia uma legislação a favor do
aborto'. Colocado assim, de forma tão ambígua, essa denúncia é
um exemplo da confusão em que nossas igrejas estão nos metendo.
O fato é que 50 % dos votos católicos foram para Bush (um
recorde histórico!), apesar do fato que ele passa por cima de
valores éticos cristãos fundamentais: não matar inocentes, não
guerrear sem ser atacado, não confundir as mentes, dizer sempre
a verdade ('sua palavra seja sim, sim..'), não desprezar o
pobre, a viúva, o órfão, etc.
Samuel Huntington, o autor de 'Clash of Cultures', vem dizendo
desde a queda do muro de Berlim em 1989 que, terminada a '
guerra fria', ia começar a guerra mundial entre culturas. Dez
anos atrás ele apontava o Islã como protagonista nessa guerra,
mas hoje ele aponta a 'direita cristã' como a maior ameaça à
paz mundial. Isso é novo. A eleição de Bush vem confirmar a
análise de Huntington: são exatamente os imigrantes latino-
americanos católicos nos EEUU que oferecem seus votos ao
guerreiro Bush.
O Vaticano ainda não reagiu diante da gravíssima acusação
contida na análise de Huntington (será que um dia vai reagir?):
a orientação conservadora do papa e do Vaticano é mais
responsável pelos perigosos descaminhos de hoje que a aparente
postura do papa a favor da paz faria supor. Não basta falar em
'paz, paz, paz', é preciso ver quais os mecanismos que levam à
guerra, quais são os que levam à paz, distinguir entre ambos.
Ora, a pregação fundamentalista, conservadora e direitista das
igrejas hoje não nos levará nunca à paz que essas mesmas igrejas
apregoam tanto e pela qual batem tantas palmas. Nos levará à
guerra, isso sim. Pois as pessoas são induzidas a votar a favor
de candidatos que defendem ´valores morais´, enquanto as igrejas
silenciam os ´valores éticos´, ou pelo menos toleram o silêncio
em torno desses valores.
* Eduardo Hoornaert é Historiador, professor da Universidade
Federal de Fortaleza/UFF e membro da CEHILA.
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