Resumo das principais propostas dos eua para a ALCA
07/05/2002
- Opinión
Nas reuniões da Venezuela na semana passada, e do Panamá, em
12-13/5/2002, os EUA insistem em forçar convergência em torno dos seus
interesses. A postura dos governos latino-americanos tem sido tíbia, fraca
e covarde. O contexto internacional não é de liberalização, mas sim de
crescente protecionismo comercial. No início de maio os EUA decidiram
aumentar os subsídios aos agricultores, reduzindo assim a competitividade
de produtos agrícolas importados. Isto afeta alguns setores exportadores
dos países em desenvolvimento, em particular o Brasil. Algumas semanas
antes os EUA haviam decidido por medidas protecionistas contra o aço
importado - e um dos principais afetados também foi o Brasil. A reação da
União Européia foi também criar barreiras ao aço importado, ampliando o
efeito negativo sobre as exportações brasileiras de aço.
Observemos ainda que o comércio internacional decresceu nos
últimos 12 meses, excedendo apenas os US$ 6 trilhões em 2001 - um valor
quase desprezível, se comparado para o balé dos capitais especulativos,
cujas transações excedem a US$ 1,5 trilhões por dia!
O pano de fundo deste avanço do protecionismo dos países ricos e
desta diminuição da atividade comercial internacional para a economia dos
países altamente endividados, como o Brasil e a Argentina, é que elas
estão supostamente em pleno esforço para ampliar suas balanças comerciais
a fim de viabilizar o serviço da dívida externa - na verdade, do conjunto
do passivo externo, incluindo as transferências em divisas relativas a
lucros, dividendos, royaties e outros pagamentos. Há que considerar ainda
o agravamento da vulnerabilidade externa do setor público brasileiro
diante de uma megadívida interna, um terço da qual em títulos com correção
cambial. Dificuldades no âmbito da exportação obrigam o Brasil a um
esforço extra para reduzir as importações, a fim de obter algum superávit
comercial, ou ao menos evitar um déficit, que oneraria seriamente a
situação de suas reservas internacionais e o obrigaria a uma rolagem ainda
mais custosa da dívida externa.
A conclusão é que os países do Norte, sobretudo os EUA, não
mostram nenhum constrangimento em aumentar as dificuldades comerciais dos
países endividados, em particular de alguns 'emergentes' (hoje
'imergentes') como o Brasil e a Argentina. Neste ano eleitoral no Brasil,
a impressão que dão os negociadores dos EUA é que desejam criar a maior
pressão possível sobre o governo que tomará posse no início de 2003.
Merece, pois, que nos detenhamos nos elementos essenciais da proposta dos
EUA para a ALCA, apresentada na reunião da Venezuela há poucos dias.
1. Na reunião da Venezuela foi definido que os países integrantes da
futura ALCA deverão entregar até 15/1/2003 as suas propostas de
liberalização de mercados em cinco áreas fundamentais:
* bens industrial
* agricultura
* serviços
* compras governamentais
* investimentos diretos estrangeiros.
Liberalização em itálico, para indicar a orientação política do acordo.
Enquanto os EUA protegem, obrigam os outros pretensos parceiros a
liberalizar. Aos EUA, maior potência comercial das Américas, interessa a
"liberdade", e a "igualdade de direitos", pois com elas os EUA predominam
e submetem os parceiros às regras que lhe favorecem. É a lei do mais forte
- o darwinismo comercial, coerente com o darwinismo social que vigora nas
relações de produção capitalistas. Mas para outros países do continente,
em particular aqueles da América Latina e Caribe, esta liberdade é uma
armadilha, e a igualdade de direitos se baseia na desigualdade de
condições no ponto de partida. Dar direitos iguais a parceiros desiguais é
beneficiar o mais forte e prejudicar os já prejudicados.
2. Definiu-se também que as tarifas de importação de referência para a
abertura comercial que a ALCA pretende promover serão as que estiverem em
vigor em 15/1/2003, ou as que a OMC tiver aprovado até o final de 2004.
Prevalecerão as que forem mais baixas. Com isto, o novo governo brasileiro
não terá tempo para tomar fôlego. Já de início estará metido num jogo de
cartas marcadas.
3. Com relação a investimentos, os EUA querem tratamento igual aos
capitais estrangeiro e nacional (algo que o governo FHC fez questão de
introduzir ilegitimamente por emenda constitucional logo no início do
primeiro mandato - mais um súdito que é mais realista que o rei...).
Notemos que a proposta norte-americana nesta área retoma diversos pontos
do famigerado Acordo Multilateral de Investimentos (AMI), que foi
derrotado nas negociações oficiais da OCDE por pressão dos movimentos
sociais globais, mas foi sorrateiramente transferido para o âmbito da OMC.
Hoje faz parte das discussões dessa organização sob o título TRIMS
(Medidas sobre Investimentos Relacionados com o Comércio). A liberalização
dos investimentos externos vem se infiltrando em diversos acordos bi e
multilaterais, inclusive sob a forma de condicionalidade nos pacotes de
"salvamento" do FMI.
4. Em relação a compras governamentais, a pretensão norte-americana é que
as regras da ALCA se apliquem não só em nível federal mas também aos
governos estaduais e municipais. Isto significa mais uma imposição de
governança de cima para baixo. As regras que são boas para os
protagonistas da globalização do capital seriam impostas até ao nível mais
local de governo, roubando uma vez mais a soberania da população de
definir seus próprios caminhos de desenvolvimento. De quem comprar,
estimulando postos de trabalho para quem, valorizando os produtos de quem,
adotando que política de preços - tudo isto são decisões que deveriam
caber à população de cada município e estado, em acordo com seus
respectivos governos. Isto, claro, em contextos de democracia
participativa. A lógica da ALCA é inversa: as decisões vêm de cima, em
benefício dos agentes econômicos mais fortes e capazes de oferecer os
preços mais baixos. Nossa resposta é: estes não devem ser as únicas
diretrizes para as compras governamentais. É direito soberano dos países,
estados e municípios o de decidir de quem comprar e com que critérios. Na
perspectiva da socioeconomia solidária, um critério não necessariamente
mercantil se introduz: o de facilitar compras de empreendimentos ou redes
de produção associativa, autogestionária e ambientalmente sustentável, e
de comércio justo.
5. Lembremos que a Câmara de Representantes dos EUA concedeu ao Executivo,
no fim de 2001, um mandato negociador que tira da negociação da ALCA todos
os principais temas de interesse do Brasil (ver artigos de Paulo Nogueira
Batista Jr. na Folha de São Paulo). A conclusão deste economista no seu
artigo "Alca e Vocação Colonial" (FSP, 2/5/2002: B2) é: "E ninguém no
governo brasileiro parece fazer a pergunta óbvia - o que é que o Brasil
ainda está fazendo nessa mesa de negociações?"
Evoquemos, enfim, as palavras do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães: "A
sociedade brasileira deve, portanto, se mobilizar desde já em defesa de
preservar o direito soberano de ter o Brasil uma política de
desenvolvimento, que tem que ser constituída por instrumentos de política
comercial, industrial e tecnológica que uma futura ALCA viria a impedir
definitiva e legalmente." (Jornal dos Economistas, março de 2002: 5).
Marcos Arruda, é economista e educador do PACS (Instituto de Políticas
Alternativas para o Cone Sul, Rio de Janeiro) e membro do Instituto
Transnacional (Amsterdam). O PACS faz parte da coordenação nacional da
Campanha Jubileu Sul como representante da Rede Brasil sobre Instituições
Financeiras Multilaterais. A Campanha está preparando ativamente o
Plebiscito popular sobre a ALCA, para a primeira semana de setembro de
2002, nos moldes do Plebiscito sobre as Dívidas e o Acordo com o FMI,
realizado em setembro de 2000, no qual votaram 6.030.000 brasileiras e
brasileiros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105872
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