Papa Francisco excomunga mafiosos e sentencia que torturar é pecado grave
24/06/2014
- Opinión
Leonora Giovanazzi/ CC
Ambas as questões vão no sentido de manter o projeto de renovação da Igreja Católica cada vez mais abrangente – com vistas a ganhar maior sustentação para não sucumbir diante das mordidas dos “lobos da Cúria”
Nessa ano, papa Francisco teve que enfrentar, por duas vezes, a reação dos “lobos da Cúria”, isto é, aqueles cardeais e bispos que o julgam “demasiado frade franciscano, excessivamente influenciado pelas temáticas da Teologia da Libertação”. De fato, os vaticanistas (isto é, os analistas especializados na história do Vaticano) atentam que, neste momento, está em curso uma poderosa confrontação de ideias no Vaticano, entre o que poderíamos definir, de um lado, pela manutenção do status quo e, por outro, os anseios por uma renovação universal – o que para os eclesiásticos moderados cheira a revolução.
De fato, ainda é cedo para falar de revolução na Igreja Católica. Porém, é verdade que depois das mudanças radicais promovidas por João 23, na década de 1970, somente agora com Francisco a Igreja começa a ser mais comunitária e consequentemente, passa a rediscutir o papel e as funções do Estado do Vaticano.
Debate este que provocou um questionamento mais aberto sobre a necessidade de a Igreja condenar claramente a prática da pedofilia e, por outro lado, reformular o modus vivendi das estruturas financeiras do Vaticano para evitar que elas se tornem filiais do “deus Dinheiro”.
Um novo IOR?
A reformulação do IOR (Instituto para as Obras Religiosas) que Francisco fez questão de impor à Cúria vaticana para dar uma nova perspectiva “cristã” às potencialidades financeiras do banco do Vaticano foi a primeira grande batalha que o papa enfrentou para caracterizar sua eficácia decisória.
De fato, na Itália, o IOR é conhecido não somente por ser o banco do Vaticano, mas também por ter se imiscuído em túrbidas transações com bancos ligados ao sistema especulação/corrupção e a lavagem dos lucros do narcotráfico. Tanto que nos anos de 1990 seu presidente, o arcebispo Paul Casimir Marcinkus, se salvou da prisão graças ao passaporte diplomático e por ter se refugiado no restrito território do Vaticano onde vige o princípio da inviolabilidade por parte das autoridades italianas.
Uma história suja e ruim para a Igreja Católica que começou em 21 de agosto de 1967, quando Marcinkus aderiu à loja maçônica P2, de Licio Gelli – o mesmo que na década de 1970 realizou muitas operações políticas e financeiras com o governo golpista da Argentina através da intermediação do general Massera.
É preciso dizer que a descoberta do processo de degradação das estruturas do IOR aconteceu quase casualmente. Quando os juízes italianos faziam diligências sobre o mundo da corrupção política, tiveram que investigar, também, o assassinato do presidente do Banco Ambrosiano Roberto Calvi, do assessor financeiro do Vaticano Michele Sindona (intimamente ligado à máfia siciliana e à Cosa Nostra estadunidense) e do jornalista Mino Pecorelli onde descobriram documentos que ligavam 121 dignitários eclesiásticos à loja maçônica P2.
Entre eles, Jean-Marie Villot (cardeal secretário de Estado), Agostino Casaroli (chefe do ministério das Relações Exteriores do Vaticano), Pasquale Macchi (secretário do papa Paulo VI), Ugo Poletti (vigário geral de Roma), Virgilio Levi (diretor-adjunto do jornal do Vaticano L’Osservatore Romano), Roberto Tucci (diretor da Rádio Vaticano) e Donato De Bonis (excelência do IOR).
Segundo a revista L’Espresso, o arcebispo Marcinkus, em 1971 – graças à intermediação de David Matthew Kennedy, então banqueiro do Continental Illinois National Bank e, depois, ministro do Tesouro durante o governo Nixon – fundou com Roberto Calvi na capital das Bahamas a Cisalpina Overseas Nassau Bank – que depois virou Banco Ambrosiano Overseas. Um banco offshore que sob orientação de Michele Sindona se especializou na reciclagem dos lucros do narcotráfico e de outras atividades da máfia.
É claro que este mar de lama provocado por Marcinkus podia por em dúvida a legitimidade do Estado do Vaticano, assim o novo papa João Paulo 2° protegeu Marcinkus enquanto os serviços secretos italianos e a CIA manipulavam e desviam todo tipo de responsabilidades sobre os três “defuntos” (Calvi, Sindona e Pecorelli) até o Tribunal de Roma “inocentar” Marcinkus – que morreu “em silêncio” em 2006.
Segundo os “vaticanistas”, a solução adotada por João Paulo 2° e também por Bento 16 de silenciar as atividades ocultas do IOR multiplicou na Igreja Católica a necessidade de limpar “de verdade” o Estado do Vaticano. E foi para isso que Jorge Mario Bergoglio foi eleito o 266º papa da Igreja Católica e chefe do Estado do Vaticano.
Excomungar os mafiosos
Os críticos dos pontificados sublinham que a maior parte dos dignitários eclesiásticos sempre defendeu os poderosos e, poucas vezes, teve a coragem de condenar publicamente fatos e comportamentos que contrariavam o espírito e a doutrina cristã.
Por exemplo, Pio 12 mesmo tendo informações detalhadas sobre os campos de concentrações onde os nazistas sistematizaram o massacre dos judeus, dos ciganos, dos homossexuais e dos prisioneiros políticos, praticamente, nunca denunciou Hitler e o Estado nazista e também ficou calado quando o ditador fascista italiano, Mussolini, introduziu as leis raciais.
De fato, Pio 12 foi o papa que, durante a Guerra Civil espanhola excomungou os anarquistas e os comunistas, para depois, aos 16 de abril de 1939, saudar na Rádio Vaticano o golpista Francisco Franco pela “vitória contra os inimigos de Jesus Cristo”.
Na Itália, a Igreja Católica foi acusada de fechar os olhos diante dos crimes da máfia e de se calar quando os mafiosos se apoderavam das instituições. Homens que, depois de ter cometido assassinados, sequestros, agressões e extorsões entravam tranquilamente nas igrejas, participavam em ritos e homilias, tornando-se, padrinhos de santos e, até, benfeitores de igrejas.
Um contexto que somente no fim da década de 1990 começou a vir à tona quando, com o fim do poderio político da Democracia Cristã, ficou esclarecido que, no Sul da Itália, a máfia arregimentava fisicamente os currais eleitorais em favor dos candidatos locais da DC, para depois os vigários e os bispos legitimarem essa operação com vistas a “combater os comunistas agentes de Lucífer”.
Esse cordão umbilical foi talhado definitivamente por Francisco, no dia 21 de junho, quando, por ocasião da visita na penitenciária da cidade de Cassano, na Calábria, diante de 200 mil pessoas insurgiu contra as máfias proferindo a seguinte condenação: “Esse mal deve ser combatido e eliminado. Os que em suas vidas seguem este caminho do mal, como os mafiosos, não estão em comunhão com Deus, eles estão excomungados” – reafirmando durante a missa que “a ‘Ndrangheta, a máfia calabresa, não é nada mais do que o culto do mal e o desprezo do bem comum”
Não há dúvida que, agora, papa Francisco tem outro inimigo, além dos “lobos da Cúria”. Um inimigo que contextualmente – segundo algumas indiscrições dos carabineiros – pode atentar contra a vida desse papa, já que a excomunhão permite às populações rejeitarem “o respeito” que as máfias ainda exigem, sobretudo, das camadas mais pobres e humildes. De fato, em termos políticos a excomunhão da Máfia é de uma importância extrema, porque permite, sobretudo, aos vigários e aos bispos terem um comportamento de novo tipo livrando a Igreja Católica dos inúmeros compromissos com os candidatos dos partidos da área do poder, com os grupos oligárquicos, na sua grande maioria ligada aos clãs mafiosos.
Contra a tortura
No dia 26 de junho, as Nações Unidas lembram e homenageiam as vítimas da tortura. Por isso, Francisco, que sabe o que significa viver em um regime ditatorial que usa a tortura para liquidar a oposição, decidiu abrir o debate sem ter de esperar pelo dia 26.
Assim, no dia 22, durante a cerimônia do Ângelus, diante de 100 mil pessoas que encheram a praça da catedral de São Pedro, em Roma, o papa afirmou: “Torturar as pessoas é um pecado mortal, é um pecado muito grave. O dia das Nações Unidas em favor das vítimas da tortura que ocorre no próximo dia 26 não fica limitado à denúncia.
A Igreja deve atuar em vez de ficar em cima do muro a olhar. Os cristãos devem se comprometer em colaborar para abolir a tortura e apoiar as vítimas e seus familiares”. Uma declaração que atinge o vergonhoso comportamento de setores da Igreja Católica que, sobretudo, na Argentina, no Chile, no Uruguai, na Bolívia e no Brasil apoiaram os regimes ditatoriais mesmo sabendo que os agentes da repressão praticavam a tortura, matando e fazendo, depois, desaparecer os corpos de suas vítimas.
Tal homilia de Francisco não pretende questionar somente o passado. Ela atinge também os civilizados centros prisionais e as policiais europeus, dos Estados Unidos, de Israel, da Rússia, do Brasil, do México, da África do Sul e de tantos outros países, onde muitos jovens morrem no momento da captura ou durante os interrogatórios, vítimas de uma indiscriminada prática da tortura.
Neste contexto não podemos esquecer que também os regimes prisionais obsessivos para “terroristas como os de Guantánamo, de Imrali, na Turquia ou de Karameh, em Israel, são um instrumento de tortura que em muitos casos provocam a despersonalização dos presos e, até, a desarticulação das funções cerebrais, alimentando assim a síndrome do suicídio ou a loucura”.
Praticamente, Jorge Mario Bergoglio, mais conhecido por papa Francisco, no Ângelus do dia 22, pediu a todos os cristãos para que apontem o dedo não só contra os “Videlas” e os “Pinochets” de ontem. Também pediu para não ficarem calados quando nos comícios eleitorais alguém disser que a tortura é um crime contra a humanidade e, depois, ao voltarem para os seus ministérios, justificarem o uso da tortura para os policiais obterem uma confissão fácil.
- Achille Lollo de Roma (Itália)
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