Diz governo

Milhares de árvores foram usadas em barricadas opositoras na Venezuela

27/05/2014
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Umas dez pessoas em fila puxam uma corda amarrada no galho de uma árvore. “Extra: Árvore chavista ataca estudantes pacíficos”, foi uma das frases utilizadas para ironizar e repudiar, nas redes sociais, o “cabo de guerra” unilateral registrado durante a onda de protestos contra o governo da Venezuela desatada em fevereiro deste ano.
 
Além das 42 pessoas que morreram ao redor do país pela violência derivada de manifestações opositoras, esta e outras árvores também foram "vítimas" dos protestos, geralmente utilizadas para a montagem de barricadas, chamadas localmente de “guarimbas”. Elas eram montadas com o que havia pela frente: lixeiras, tampas de bueiro, escombros, eletrodomésticos e, em alguns casos, galhos e troncos. Segundo o governo, o número de árvores afetadas por cortes chega a cinco mil ao redor do país.  A cifra foi questionada por alguns biólogos na imprensa local, que alegam exagero na dimensão do dano.
 
Ministério de Ambiente
Árvores cortadas em cidade do estado de
Zulia; governo fala em 5.000 derrubadas
 
Com binóculos, da janela de sua casa, Edilia de Borges, presidente da organização Sadarbol (Sociedade Amigos da Árvore, em espanhol), via como galhos e troncos eram arrastados por “guarimberos” durante as manifestações. Habitante de Los Palos Grandes, região de Chacao, município que concentra a maioria dos protestos em Caracas, ela conta que sofreu toda vez que soube de um episódio de agressão a árvores.
 
 “As pessoas me ligavam para contar, meu marido tinha que me segurar para que eu não fosse até o local”, contou a Opera Mundi. Foi pelo aviso de uma amiga por telefone que soube pela primeira vez que tinham arrancado uma árvore para trancar uma avenida do bairro. E em seu e-mail chegaram fotos de agressões, mas muitas vezes o registro não foi feito por medo da reação dos manifestantes.
 
Borges se emociona ao lembrar que a árvore que tinha plantado nas redondezas da praça Altamira foi um destes alvos. “Eu sei que parece bobo, mas essa arvorezinha demorou mais de um ano para crescer, tinha mais de um metro e meio. Arrancaram com raiz e tudo, eu não sei quem”, diz, sem conter as lágrimas. “Então comecei a ver que cada dia que tinha barricada, levavam mais árvores para aumentar as fogueiras”, relata.
 
    
 
Corte com instrumento
 
Ao acompanhar a reportagem para mostrar o buraco deixado no lugar da planta retirada, Borges aponta para uma barricada. “O tronco estava aí no chão”, disse um dos jovens ao explicar a origem do vegetal colocado transversalmente na rua. Cortes firmes em uma das extremidades do tronco, no entanto, evidenciavam o corte com um instrumento como machado ou facão.
 
“Não é fácil arrancar uma árvore”, diz Edilia, que reside na região opositora, mas diz não apoiar nenhuma corrente política. Em texto publicado no jornal venezuelano Últimas Noticias, ela pede que os responsáveis paguem pelo crime ecológico: “Enviem-nos para tirar ervas daninhas, tocar a terra com suas mãos, limpá-la, prepará-la para a semeadura, a recolher as folhas e galhos secos ao meio-dia”. Para a ambientalista, o trabalho deve ser feito sem a possibilidade de refúgio sob a sombra de uma árvore.
 
Apesar dos registros em Caracas, estas ações foram mais documentadas em Mérida, Zulia e Táchira. “Da mesma forma que os protestos se concentraram em setores de classe média e alta de zonas urbanas, foi nestas localidades onde a maioria dos casos aconteceu”, afirmou a Opera Mundi o vice-ministro venezuelano de Conservação Ambiental, Jesús Castillo Golding.
 
Em Zulia, um dos estados mais quentes do país, há registro de uma avenida em que as árvores estão cortadas sequencialmente. O alerta inicial se deu justamente na capital, Maracaibo, onde, em março, grupos ambientalistas e instituições do Ministério de Ambiente denunciaram os cortes e com o lema “Maracaibo ferida” marcharam à sede local da promotoria geral da República.
 
Luciana Taddeo/Opera Mundi

Tronco foi usado para montagem de barricada
na região metropolitana de Caracas
 
“Na cidade de Maracaibo, se desatou uma ação que catalogamos como desesperadora e fora de juízo. Estamos falando de uma situação que ainda estamos quantificando. Estávamos estimando em 800 árvores afetadas, mas estamos registrando todas as perdas”, explica à reportagem o engenheiro químico Jorge Pedroza, presidente do Iclam (Instituto para o Controle e a Conservação da Bacia Hidrográfica do Lago de Maracaibo).
 
De acordo com ele, algumas das árvores foram cortadas antes mesmo de fevereiro, como uma previsão do início dos protestos, e há casos de estoques e venda de troncos e galhos secos para os manifestantes montarem guarimbas. O engenheiro explica que parte da cobertura vegetal afetada não é autóctone, mas cumpre um papel importante para amortizar o clima em uma cidade em que a temperatura pode chegar a 50°C.
 
 “Pudemos detectar caminhões que levavam fragmentos vegetais para colocar nas vias para impedir o trânsito. Aqui, quase não teve cortes de poda, em geral cortavam todo o tronco, a menos de um metro de altura, o que dá pouca possibilidade da árvore poder continuar crescendo. Estamos ativos, coletando sementes e vendo a possibilidade de que algumas floresçam no próprio tronco cortado, para tentar recuperar a cidade deste ecocídio”, garante.
 
As ações provocaram controvérsias entre os próprios opositores. “Isso tem tão pouco sentido como arrancar o braço e colocá-lo na barricada, essas ações tiram seriedade”, escreveu um internauta no Twitter. “Que diferença faz uma árvore, que pode ser semeada novamente”, expressou outro. “Quem derrube uma árvore para fazer uma barricada é simplesmente um imbecil e um selvagem”, foi um dos comentários, logo rebatido: “Uma árvore pode brotar e crescer de novo, mas uma vida não rebrota, jamais volta!”
 
Reta de 100 quilômetros
 
Cinco mil árvores em fila, com uma separação de 20 metros entre cada uma, cobririam uma reta de aproximadamente 100 quilômetros. Esta foi a comparação feita em uma reportagem publicada no site do jornal El Universal, no qual biólogos duvidam da cifra de árvores afetadas durante o protesto divulgada pelo governo. Apesar de não negar que algumas árvores tenham sido cortadas, para um dos entrevistados, o número parece produto de confrontação política, segundo a publicação.
 
Para o vice-ministro de Conservação Ambiental, questionamentos sobre o número de árvores cortadas “pretendem desconhecer ou matizar o que aconteceu”. “Essa quantia é produto de uma soma de registros e é alarmante. Mas não é nem o número o ponto central, mas sim a natureza dessas ações. Uma árvore cortada já é uma lástima”, analisa, afirmando que a prática indica que havia grupos preparados e treinados para este tipo de ação.
 
“Nunca tínhamos visto essa dinâmica”, diz, complementando que, entre as ações que evidenciam a premeditação e organização técnica, além de incêndios registrados no período, houve saque de serras elétricas da sede do Instituto Nacional de Parques Nacionais de Mérida. “Foram subtraídas e utilizadas para os cortes, o que mostra que foi planejado. Isso não é a expressão de um descontentamento”, afirma. O uso de serras também foi detectado em Zulia, segundo Pedroza, que questiona: “É casual?”
 
- Luciana Taddeo | Caracas
 
28/05/2014
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/85900
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