Secas urbanas

05/02/2014
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Os reservatórios de água doce que abastecem S. Paulo e seu grande entorno estão em seu menor nível dos últimos 80 anos. Em Los Angeles, a escassez de água devido à baixa pluviosidade é a maior dos últimos 100 anos. Nós aqui no Nordeste estamos saindo – bem devagar, é verdade – da pior estiagem dos últimos 50 anos.
 
A novidade é que essas estiagens – há um debate global se já são agravadas pelas mudanças climáticas – agora não impactam apenas o meio rural, mas o meio urbano. Nessas concentrações estão dezenas de milhões de pessoas dependentes da água que sai das torneiras.
 
Fomos deseducados nos últimos anos a achar que água vem das paredes de nossas casas.  O consumo absurdo de 70% da água doce para fins de agricultura, 20% para a indústria e 10% para o uso doméstico são constatados, mas pouco questionados. Até os movimentos sociais defendem cegamente a irrigação como modelo de saída para a agricultura aqui no Nordeste. E nessa estiagem que passamos foi exatamente o uso para irrigação que secou o açude de Mirorós, na região de Irecê, obrigando o governo a fazer 100 km de adutora em poucos meses para que a população urbana não entrasse em colapso hídrico.
 
É provável que as chuvas voltem e os reservatórios recuperem volumes suficientes para atravessar o ano. Os americanos de Los Angeles, que já buscam a água para a sua cidade de outros cantos da Califórnia – é o modelo exaltado e copiado aqui na região de Juazeiro-Petrolina -, com um histórico cheio de conflitos e disputas pela água, agora falam em buscar a água ainda mais longe ou partir para a problemática e cara dessalinização da água marinha.
 
Os paulistanos que já buscam sua água na bacia do Piracicaba, agora estão falando em racionamento, compensação social e outros estímulos para a poupança de água, além de buscar mais água na bacia do Ribeira do Iguape.
 
Porém, se todos os santos não ajudarem – nessas horas um técnico da Chesf aqui no São Francisco apelava até para São Pedro -, poderemos ver a falência de cidades que em tudo dependem da água encanada. Sem ela não há indústria, não há serviços, não há como viver dentro de um apartamento. Ficar preso a um apartamento sob o fedor das pias cheias, dos vasos sanitários entupidos, da sujeira das roupas, do banho que não se pode ter, do calor infernal e falta de água para beber seria um  inferno. Em pouco tempo o mercado da água engarrafada seria insuficiente.
 
O problema vem de longe e as advertências também. Já na Campanha da Fraternidade da Água, em 2004, sabíamos que um paulistano tem média menos água que um Nordestino. Isso mesmo. Devido à alta concentração urbana, para todos os fins, cada paulistano tem em média pouco mais de 200 m3 de água ao ano, enquanto no Piauí – embora imobilizados no lençol freático do Gurguéia – cada piauiense tem em média nove mil m3 de água por ano. O acesso é outra questão.
 
 Nos momentos de aperto todos falam no aproveitamento da água de chuva, no reuso, na utilização racional, no combate ao desperdício, em novos métodos de irrigação, mas, sem dar consequências a essas práticas, exceto a sociedade civil do Semiárido.
 
 A humanidade não quer aprender com suas tragédias. A da água é uma das mais visíveis há décadas e prosseguimos como se ela não existisse. Contudo, teremos que aprender a lidar diferentemente com a água, seja por bem, ou por tragédias socioambientais anunciadas.
 
Roberto Malvezzi (Gogó)
https://www.alainet.org/pt/articulo/82933
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