Quem paga a conta pelo desastre?

A pandemia do Covid19 tem demonstrado como nunca as costuras sendo feitas na rede de dominação mundial, na qual os cidadãos são simples espectadores do drama de seu próprio sacrificio em prol da sustentação do capital.

14/05/2021
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Para meu amigo e irmão nicaraguense

Luis Armando Guzmán (El Chiri)

que partiu antes do tempo,

nos deixando para sempre

seu espírito nobre, combativo, fraterno e solidário.

 

Muito mais do que uma simples crise conjuntural, o sistema capitalista enfrenta problemas estruturais que dizem respeito às contradições geradas por sua fase imperialista monopolista. A pandemia do Covid19 tem demonstrado como nunca as costuras sendo feitas na rede de dominação mundial, na qual os cidadãos são simples espectadores do drama de seu próprio sacrificio em prol da sustentação do capital.

 

Diante disso, os grandes centros de poder do Ocidente se dedicam à busca de antídotos que permitam o tratamento do mal não apenas na crise atual, mas sobretudo tendo a preocupação de trabalhar nas profundezas do sistema.

 

Mas, como não se pode curar o câncer com aspirina, eles estão recorrendo a tratamentos de choque a fim de exterminar o que consideram ser um vírus maligno que penetrou em suas entranhas e ameaça desestabilizá-lo.

 

Assim, longe das potencias centrais, vários países periféricos, que têm sido usados como modelo na consolidação de sistemas neoliberais de democracia representativa autoritária e violenta, se desmoronam pela força de povos que manifestam seu cansaço ante uma exclusão que os coloca em níveis sub-humanos de subsistência. São os casos do Iêmen, Chile, Colômbia e Palestina, apenas para citar alguns onde a crise se tornou mais dramática.

 

Mesmo no centro do poder mundial, os governos se apressam em tomar medidas que expressam o desespero diante da necessidade de se salvarem. O discurso do presidente Joe Biden no Congreso ao completarem 100 dias de sua posse tornou clara a necessidade de se aumentar o investimento no social “de acordo com as mais ortodoxas tradições do liberalismo democrático”, segundo o analista cubano Jesús Arboleya. Ao anunciar medidas nesse sentido, Biden atendia setores próximos a Bernie Sanders, que depois da derrota do senador na disputa pela candidatura democrata à presidência estadunidense, se viram compelidos a apoiar o ex vice-presidente ligado politicamente ao espectro oposto do partido.

 

Para Arboleya, o problema maior se refere à concretização de tais propostas. As medidas que se inserem numa clássica orientação keynesiana estariam no bojo, segundo analistas, da intenção de Biden de se apresentar como um novo Franklin D. Roosevelt. Mas Roosevelt respondia ao que até agora era considerada a maior crise na história dos Estados Unidos: a ocorrida entre os anos 1929 e 1933. Isso demonstra o tamanho da crise que atravessa atualmente a potência do norte.

 

Entre as propostas apresentadas recentemente, incluídas num pacote de US$ 1.8 trilhão, se destacam – segundo Arboleya - “…planos multimilionários de alívio aos efeitos econômicos da pandemia e grandes investimentos estatais na infraestrutura civil, […] bilhões de dólares para garantir o acesso gratuito a universidades comunitárias, a creches infantis e a melhoria do sistema de saúde, o que tem sido denominado de Plano das Famílias Americanas, ao que se somou a convocação para se enfrentar problemas sociais relacionados à desigualdade social, o racismo sistêmico, os direitos das mulheres, a proteção ao voto universal, o controle de armas, o cuidado com o meio ambiente e um tratamento melhor aos imigrantes”.

 

Este novo plano se soma a um anterior de US$ 2 trilhões direcionado para a infraestrutura, o qual se une aos US$ 4,3 trilhões destinados a ações legislativas discriminadas (3,8 trilhões) e administrativas (0,5) dos US$ 6,8 trilhões comprometidos e aos US$ 2,9 trilhões (dos 6 comprometidos) da Reserva Federal – o que, de toda forma, é insuficiente se considerarmos que o custo total da pandemia nos Estados Unidos é da ordem de US$ 16 trilhões, segundo Juan Torres López, economista espanhol, profesor de Economia Aplicada da Universidade de Sevilha, citando David M. Cutler y Lawrence H. Summers (The Covid-19 Pandemic and the $16 Trillion Virus).

 

O problema maior, então, é buscar os recursos para tornar realidade essas propostas. Neste sentido, a administração Biden pode recorrer à emissão sem lastro de dinheiro. Afinal, eles são os donos da máquina que fabrica dólares e não se acanharão em fazê-lo, alegando que assim salvarão os Estados Unidos e todo o planeta. A isso vai se somar a elevação dos impostos das camadas mais elevadas da sociedade, os donos do capital e as grandes empresas, o que poderia contrariar os bilionários e gerar conflitos.

 

Mas, surpresa! Apesar de se tratar de aumentar os impostos dos mais ricos de 20% para 40%, não se viu oposição por parte deles. Se deram conta que a alternativa é o caminho do inferno, já que não é possível sustentar um país que se orgulha de ser a maior potência mundial com um salário mínimo de US$ 8 por hora de trabalho.

 

Por outro lado, em artigo recente o analista chileno Luis Casado lembra que os Estados Unidos chegaram a ter impostos de 90% quando desfrutaram de seus mais altos níveis de crescimento. Citando “The History of Taxation in the USA”, Casado lembra que: “Para os anos fiscais de 1944 a 1951, a taxa máxima para o imposto de renda da pessoa física foi de 91%, subindo para 92% nos anos 1952 e 1953, e regresando aos 91% nos anos de 1954 a 1963. Para o ano fiscal de 1964 a taxa marginal mais alta para o imposto de renda foi reduzida a uns 77%, e logo a 70% nos anos fiscais de 1965 a 1981”.

 

Casado acrescenta que os 6 presidentes nos 40 anos desde 1981 deram sequência à diminuição da carga fiscal dos milionários, fazendo com que ela chegasse aos 20%. Por isso, visto numa perspectiva histórica, este “aumento de 20% significa na verdade uma redução de uns 50%, algo altamente vantajoso para se aumentar os ganhos”. É o que demonstram os fatos recentes, sobretudo desde o início da pandemia.

 

Poderia-se dizer que Biden virou “socialista” ao tomar medidas típicas de governos com essa orientação, que promovem alta intervenção do Estado na gestão da economia. Entretanto, no fundo, suas ações revelam a clara dimensão das dificuldades que pesam sobre o sistema, sem que os grandes capitalistas manifestem preocupação com a “redução” de seus lucros se são obrigados por lei a assumir um maior protagonismo na resolução da crise.

 

Tradução de Carlos Alberto Pavam

 

13/05/2021

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/Quem-paga-a-conta-pelo-desastre-/7/50574

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/212252
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