#LlibertatPabloHasel

O Estado espanhol passou a encabeçar a lista de países em que mais artistas sofreram represálias pelo conteúdo das suas canções.

19/02/2021
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Imagem de Pablo Hásel num cartaz de uma manifestação pela amnistia.
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As casas reais são incompatíveis com a democracia porque estão acima dela, os únicos a quem está prometida impunidade por crimes cometidos contra o povo e cuja manutenção do privilégio justifica perseguições e censuras que nunca serão aceitáveis em regimes em que a chefia do Estado é eleita democraticamente.

 

Nada como uma boa série para destruir contos de fadas. A super produção da Netflix The Crown que agarrou muita gente ao ecrã, a começar por mim, é de consumo obrigatório para qualquer republicano ou aspirante a tal. A série tem contributos válidos para educação sobre o história do século XX, é ficcionada o suficiente para ser viciante e permitir empatia por algumas personagens mas não tanto que nos faça desconfiar da sua principal vantagem: The Crown mostra a casa real britânica exatamente como ela é: uma instituição inútil, uma realidade mais ficcionada do que a série a que emprestou o nome.

 

Atrás do veludo e dos escândalos familiares, a monarquia vive obcecada com a continuidade histórica daquilo que lhe corre nas veias e que não é sangue – é privilégio. Autopreservação é a chave de qualquer regime de casta e de poder hereditário, mas essa existência reduzida a si mesma ganha contornos ainda mais agudos nas monarquias constitucionais modernas que fazem de tudo para não ter de responder à pergunta fatal: para que servem?

 

Na resposta a essa pergunta está o desmoronamento das casas reais modernas: são incompatíveis com a democracia porque estão acima dela, os únicos a quem está prometida impunidade por crimes cometidos contra o povo e cuja manutenção do privilégio justifica perseguições e censuras que nunca serão aceitáveis em regimes em que a chefia do Estado é eleita democraticamente.

 

Esta introdução serve para não permitir que a condenação do rapper catalão Paulo Hasél a nove meses e um dia de prisão por injúrias contra a coroa e instituições do Estado espanhol e suposto enaltecimento de terrorismo possa ser ainda que remotamente entendida como um caso isolado, um precalço num Estado normalmente democrático.

 

As letras e os tweets de Hasél, diz a justiça espanhola, “lesam a dignidade do Rei emérito e apoucam a sua fama”. Logo aí há um problema de credibilidade. Afinal, o Rei emérito é nada mais nada menos do que Juan Carlos, um homem que anda fugido à justiça de mais de um país por envolvimento num negócio milionário de um consórcio espanhol para a construção de uma linha férrea de alta velocidade na Arábia Saudita. O homem que, alegadamente, recebeu um “presente” de 100 milhões de dólares da Casa Real Saudita através de uma fundação na Suíça e que depois foi transferido para uma conta offshore nas Bahamas. O homem suspeito de ter desviado esse dinheiro para outra conta offshore em nome da namorada, Corina Larsen, com quem foi caçar elefantes a expensas de Mohamed Eyad Kayali, assessor da família real saudita que mais tarde aparecerá nos “Panama Papers”.

 

Porque é que pôr em causa a honra deste homem dá pena de prisão? Porque ele é rei e Hasél é súbdito. Um está acima da lei e é protegido por ela de tal forma que a livre expressão do outro é crime.

 

Não é um caso isolado. Como diz o manifesto assinado por centenas de personalidades pela libertação do rapper, a lei penal espanhola permite e promove “a perseguição a rappers, tuiteiros, jornalistas, assim como outros representantes da cultura e da arte, por tentar exercer o seu direito à liberdade de expressão”, que “se transformou numa constante”. “Assim, o Estado espanhol passou a encabeçar a lista de países em que mais artistas sofreram represálias pelo conteúdo das suas canções. Agora, com a prisão de Pablo Hasél, o Estado espanhol está a equiparar-se a países como a Turquia ou a Marrocos”.

 

Também não é um percalço num Estado normalmente democrático. É um eixo estruturalmente antidemocrático e violento da lei espanhola imposto pela necessidade de autopreservação de uma monarquia inútil, anacrónica e corrupta, que convive bem com manifestações e símbolos franquistas mas castiga quem a critica. Uma casta que só devia ter lugar em séries de ficção.

 

- Joana Mortágua é Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.

Artigo publicado no jornal “I” a 18 de fevereiro de 2021

 

19 de Fevereiro, 2021

https://www.esquerda.net/opiniao/llibertatpablohasel/72877

 

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/211040

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