Os desinformados da era da informação
Mais informação não significa mais conhecimento, mais esclarecimento; isto é uma falácia. Sobretudo quando a manipulação das redes não é democrática nem regulamentada, mas controlada por empresas com enorme poder político e financeiro.
- Opinión
Quando alerto minha mãe de que uma notícia que ela me enviou é falsa, montagem grosseira, conspiracionismo sem pé nem cabeça, ou de que a “piada” nada ingênua tem o objetivo de desqualificar grupos minoritários, ela sai imediatamente em defesa da fake news, ficando contra mim. Ela justifica a plausibilidade do conteúdo que compartilha: “imagina, foi fulano [de confiança] que me enviou” ou “se tá publicado, só pode ser verdade”.
Com a era da informação, vieram expectativas de um mundo onde o conhecimento seria prontamente acessível, fronteiras geográficas perderiam importância, limitações físicas não seriam obstáculo para o fluxo informacional e a co-presença seria dispensável para várias relações sociais. São avanços inegáveis.
Porém, são muitas as promessas não cumpridas e os estragos trazidos pela sociedade da informação: uberização do trabalho, por meio de “contratação informal” de desempregados por plataformas digitais, a troco de remunerações miseráveis; produções culturais seguem velhas fórmulas da indústria cultural, agora abastecida por reações imediatas e coletáveis da audiência; concorrência desleal entre as lojas físicas e virtuais; polarização política; erosão democrática; articulação de bolhas de intolerância e difusão de discursos de ódio. Dispositivos nos vigiam e nos coletam microdados, mapeando gostos para publicidade dirigida. Experimentos psicológicos não autorizados, em escala planetária. Manipulação da opinião pública. Discursos radicais nos chegam conforme nosso perfil, de modo a nos inflamar e a nos engajar pró-tecnopopulistas radicais “contra tudo isso que tá aí”.
Não obstante a produção de sandices e inverdades perigosas, é facílimo veiculá-las e fazê-las chegar aos perfis certos. No fórum do grupo da família do zap, que reúne grandes sábios da pós-verdade, o tio do pavê palestra contra vacinas. O vizinho que bate na esposa odeia os Direitos Humanos. Aquela prima que não terminou a oitava série desmente (com evidências!) o desastre ambiental capitaneado pelo Estado brasileiro. Segundo ela, trata-se de uma farsa da China em associação com a Globo para implantar uma ditadura comunista no Brasil financiada pelo Itaú. O resultado: terraplanismo, antivacinas e outros negacionismos pré-medievais, além da reemergência de discursos fascistas, da articulação de grupos supremacistas e do alinhamento de uma comunidade obscurantista e de extrema-direita global.
A internet é território livre onde quaisquer idiotas, sem mínimas credenciais, espalham seus absurdos àqueles predispostos a aceitá-los, uma vez que eles expressam e reforçam alguma crença que já têm. E quanto mais absurdo, mais viraliza. Algoritmos não têm responsabilidade comunicativa; apenas conectam predileções.
Mais informação não significa mais conhecimento, mais esclarecimento; isto é uma falácia. Sobretudo quando a manipulação das redes não é democrática nem regulamentada, mas controlada por empresas com enorme poder político e financeiro (Facebook, Apple, Twitter, Amazon, Google, etc). O paradoxo moderno seria impensável pelos iluministas: o obscurantismo floresce no rastro do desenvolvimento científico e tecnológico. Tanto acesso só aumentou a ignorância. Os desinformados são produto da era da informação.
- Thiago Antônio de Oliveira Sá é sociólogo, doutor em Sociologia e professor.
27/01/2021
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