O dilema das pessoas analógicas nas redes digitais
- Análisis
Por mais que queira, uma pessoa que permanece na cultura analógica não entende a complexidade do universo digital. Por um lado, porque ela não concebe a existência de diferentes dutos de informações que circulam por satélites e servidores espalhados pelo mundo afora, dos EUA até a China. Por outro, porque muitas delas veem a internet apenas como um lugar capaz de preencher o seu vazio existencial. Algumas buscam respostas para perguntas que sequer foram formuladas, enquanto outras navegam por areias movediças e vivem caindo nas armadilhas criadas por diferentes algoritmos.
Desde a primeira década do século 21, a extrema direita internacional vem construindo as suas redes subterrâneas na internet. Sempre que ocorre um momento de decisão eleitoral, por exemplo, ela aproveita para organizar e ampliar as suas redes de intrigas, intensificar a disseminação de Fake News – notícias falsas – para distrair o povo e combater o avanço das forças populares. Foi assim no Brexit, na Inglaterra, em 2016, muito bem descrito no documentário “Privacidade Hackeada”, e na eleição de Bolsonaro, no Brasil, em 2018, revelado em fotos e matérias jornalísticas sobre a atuação de Steve Bannon e também pelas denúncias feitas durante a CPI das Fake News, no Congresso Nacional brasileiro. A Bolívia não fugiu aos ataques dos velhos colonizadores: até a autoproclamada presidente, Jeanine Áñez, admitiu que contratou a CLS Strategies, empresa estadunidense acusada pelo Facebook de promover campanhas de notícias falsas para desvirtuar o debate democrático naquele país.
Apesar das denúncias de Assange, de Snowden e das espionagens reveladas durante os governos Dilma, Merkel, etc., esses debates no Brasil ainda são muito superficiais. Mesmo com a aprovação do Marco Civil da Internet, em 2014, com as limitações de compartilhamento pelo WhatsApp e com a remoção de dezenas contas falsas pelo Facebook, nada disso tem se mostrado suficiente para acabar com a circulação de mentiras. Enquanto isso, as democracias, as lutas por direitos e por políticas para a redução das desigualdades sociais vão ficando num segundo ou terceiro plano, já que a maioria das pessoas cai em armadilhas, pois não sabe como funcionam as hashtags, os algoritmos e o que acontece nos subterrâneos da internet.
Nas eleições brasileiras de 2018, por exemplo, por desconhecimento, milhões de pessoas bem intencionadas espalharam que ninguém deveria publicar #Bolsonaro nas postagens e acabaram evitando que os algoritmos trabalhassem para que as críticas chegassem ao grande público eleitor. Agora, com a divulgação do documentário “O Dilema das Redes”, muita gente boa está dizendo que vai “dar um tempo na internet” como se fosse possível voltarmos a um mundo unicamente analógico.
Percebe-se que a maioria delas tem uma capacidade de leitura crítica da realidade, mas que ainda prefere apontar “soluções” analógicas e individuais para os novos desafios digitais… Algumas passam as madrugadas brigando com robôs, enquanto outras tratam a internet e as plataformas digitais como se fossem veículos de comunicação, redes sociais e/ou “moinhos de vento”. As mais lúcidas vendem ilusões, pois acreditam que apenas com regulação da internet e com mais transparência (sic) a população estaria protegida da espionagem e da manipulação internacional.
Porém, o buraco é bem mais profundo, pois a Deepweb e a Darkweb são verdadeiros campos minados que ainda não foram desvendados no Brasil. Antes que seja tarde, precisamos acordar as direções partidárias e a comunidade científica brasileira para esses novos desafios digitais e analógicos. O dilema não é opor o analógico ao digital, e vice-versa, mas revelar quais são as políticas de relacionamento de cada empresa e plataforma digital, questionar quais são os tipos de relacionamentos que mantemos na internet, e se estamos construindo nossas redes a partir das comunidades, dos locais de moradia, de trabalho, e das temáticas geradoras de consciência política.
Para combater a espionagem internacional e a disseminação ilegal de notícias falsas vamos ter que elaborar e implementar um plano ousado de comunicação que combine as atividades de organização coletiva com as de informação (jornalismo), de formação política (movimentos, coletivos, sindicatos e partidos), de segurança e de militância digital (o chamado cyber ativismo). Ou seja: convençam-se, pois não tem mais volta!
- Ricardo Almeida é Consultor em gestão de projetos.
setembro 30, 2020
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