A indústria do medo e o crescimento do partido da segurança
- Opinión
A transição da sociedade industrial para a de serviços no Brasil tem sido acompanhada pelo crescimento da insegurança pública. A expansão da criminalidade repercute direta e indiretamente na qualidade e custo de vida do conjunto da população, muda arquitetura das cidades e interfere no cenário econômico e social das pessoas e suas localidades. Os prejuízos financeiros às pessoas, empresas e aos governos e a sensação da insegurança provocada pela difusão de vítimas da violência – e sua propagação quase que contínua para todos pelos meios de comunicação – estabelecem a base instrumental pela qual emerge o partido da segurança.
De maneira geral, desde a década de 1960, quando a maior parte da população brasileira passou a residir nas cidades, que o aparecimento e expansão da violência constituíram gradualmente novas perspectivas para sociedade brasileira.
Mas foi a partir dos anos de 1990, com a ascensão do receituário neoliberal, que o país passou a adotar modalidades de gestão compatível com a explosão da insegurança social. Com isso, a mudança no modo de vida permeada pelo crescente descrédito, desconfiança, medo e desprezo em plena passagem para a sociedade de serviços.
Indústria do medo
Em síntese, está em emergência uma cultura pós-industrial extremamente sensível à segurança entre os brasileiros. A modalidade de gestão da insegurança social assenta-se em três aspectos principais.
O primeiro fundamentado na lógica do aparato repressivo expresso pela política pública do superencarceramento e a seletividade social do sistema criminal brasileiro a operar como uma espécie de “aspirador social”. Para isso, a repressão e criminalização crescente dos pobres sem efetividade sobre os indicadores dos registros criminais.
De 90 mil presos em 1990, o Brasil saltou para mais de 820 mil detentos atualmente em 1.456 estabelecimentos prisionais, constituindo a terceira maior população carcerária do mundo. Além de deter quase 42% sem condenação, a população carcerária registra quase 2/3 com menos de 30 anos, 80% com até o ensino fundamental completo, 63% não brancos, todos submetidos a uma espécie de campos de concentração dos descartados sob o domínio de facções criminosas e seus processos formação de quadros.
O segundo aspecto constituído pela formação do segmento privado especializado na produção de armamento e equipamentos de segurança, bem como a prestação dos serviços generalizados de proteção e vigilância privada.
Com mais de 2 mil empresas organizadas para atender a demanda de segurança pública e privada, o Brasil detém um dos mercados mais lucrativos do mundo, sem contabilizar trabalhadores e empreendimentos clandestinos e ilegais de segurança privada.
Espetáculo
O terceiro aspecto se refere à prática do policiamento formal e informal e do sistema de produção de bens e serviços de segurança sobre o modo de vida na sociedade de serviços a ocupar uma massa de trabalhadores. Ao se contabilizar o contingente de agentes empregados no setor público vinculados ao tema da segurança (Forças Armadas, policias militares, carcerários e civis federal, estadual e municipal) chega-se a mais de 2,2 milhões de brasileiros.
No setor privado, a quantidade de ocupados envolvida direta e indiretamente com atividades de segurança privada (trabalhadores em empresas de armamentos, sistemas eletrônicos corporativos e de prestação de vigilância e proteção armada) aproxima-se de 3,5 milhões de brasileiros. Ou seja, o terceiro maior empregador nacional, antecedido apenas pelos serviços domésticos e de trabalho em plataforma (uber, ifood e outros).
Em termos de ocupados, a segurança pública e privada alcança o universo de ocupados diretos e indiretos de mais de 5 milhões de brasileiros, podendo equivaler a cerca de 20 milhões de pessoas, ou próximo de 15% dos eleitores do país.
Por encontrarem-se crescentemente conectados a redes sociais seletivas, convergentes com a formação e disciplina policial e contar ainda com sistêmica e contínua presença na programação midiática, fundamentam-se e operam cada vez mais no formato de partido da segurança a mover massa humanas e eleitorais na sociedade de serviços.
- Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). Para RBA
27/04/2020
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