Expansão do Agro-Mínero-Negócio na Amazônia e o Pacto Latifundiário

31/01/2020
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Este texto traz uma versão resumida e ligeiramente modificada das conclusões da minha tese de doutorado intitulada “Territórios de Produção Agromineral: relações de poder e novos impasses na luta pela terra no sudeste paraense”1. O objetivo dessa pesquisa de doutorado foi caracterizar os aspectos contemporâneos da luta pela terra, compreendida como uma persistente expressão da inconclusa disputa no Brasil por projetos societários antagônicos, baseados na des-concentração da riqueza e do poder político. Como indicado no título, este estudo focou-se em uma escala regional específica, o sudeste paraense, que, em função da forte expansão do agro-mínero-negócio, permite evidenciar a articulação entre processos estruturais de longa duração e novos vetores de atualização do pacto de poder em torno da grande propriedade fundiária. Dessa forma, embora tratando de uma região específica, buscou-se identificar processos que contribuem com a análise de contextos agrários mais amplos, em especial, do conjunto da Amazônia brasileira, enquanto frente de expansão da produção agromineral.

 

Do ponto de vista teórico-metodológico, o trabalho procurou colocar em evidência as dimensões espaciais desses processos, através de uma leitura das dinâmicas territoriais da acumulação capitalista brasileira que coloque no centro da análise as relações de poder e os pactos de dominação, assim como os conflitos envolvidos na produção dos espaços regionais. Esses elementos permitem evidenciar as tensões na reprodução social de diferentes grupos, classes e frações que se confrontam em cada contexto territorial especifico. Nessa perspectiva, a dimensão espacial analisada articula sujeitos, estruturas e ação, expressas na tríade território-territorialidade-des/re/territorialização.

 

Esse tipo de análise ganha concretude quando focalizado em um território específico, permitindo a análise dos diferentes agentes, seus interesses e estratégias, bem como as inter-relações cooperativas e conflitivas que eles estabelecem entre si. No entanto, apesar desse recorte territorial, evitou-se desenvolver um estudo apenas local, isolado das totalidades mais amplas nas quais está inserido e que também compõe. Assim, ganhou importância um tratamento multidimensional e articulado das escalas de análise, considerando as próprias escalas dos fenômenos a serem estudados, mas sobretudo, a perspectiva de que as relações de poder são trans-escalares. A trama de eventos que define um determinado lugar expressa forças sociais e relações de poder materiais e simbólicas muitas vezes produzidas em outras escalas, vinculando o lugar, através dos agentes e suas relações, a totalidades mais amplas.

 

Como determinação mais geral, reconheceu-se que no final do século XX se deu uma mudança na estratégia de acumulação brasileira que passou a se configurar como rentista-agroindustrial, em resposta, simultaneamente, a emergência de um regime de acumulação financeirizado no capitalismo mundial e a uma dependência desejada das classes dominantes nacionais, empenhadas em transformar o país em uma plataforma de valorização financeira2 que teve importantes desdobramentos na questão agrário e regional brasileira, em especial na Amazônia3. A essa estratégia de acumulação correspondeu a conformação de um bloco no poder hegemonizado pela fração bancário-financeira e articulador de diferentes interesses rentistas e patrimonialistas.

 

As inúmeras descontinuidades advindas dessa estratégia de acumulação não significaram ruptura com certos processos históricos de longa duração na formação socioespacial brasileira, como o próprio caráter rentista e patrimonialista das oligarquias nacionais e regionais envolvidas na acumulação de capital e poder, produtoras de um espaço concentrado e excludente. Ao mesmo tempo, também houve rupturas, destacando-se uma relativa privatização da gestão do espaço, com as empresas privadas assumindo um papel chave no poder de mando e na definição das estratégias de regulação territoriais, apoiadas pelo Estado enquanto provedor de recursos e segurança pública. Isso não significou o fim das oligarquias regionais, mas um aprofundamento da necessidade de elas terem que negociar sua inserção subordinada no bloco de poder como mediadoras dos interesses das grandes corporações privadas.

 

Nesse novo contexto, emergiram novas determinações para a questão agrária brasileira, cujo eixo central foi sua vinculação à transformação do país em plataforma de valorização financeira. Essa vinculação se deu, principalmente, pelo papel que as exportações de commodities agrícolas e minerais assumiram na geração de superávits na balança comercial como mecanismo de compensação dos déficits das rendas pagas ao capital aqui aportado, levando a organização de uma economia do agronegócio. Esse papel econômico foi possível em função de reconfigurações mais gerais do sistema agroalimentar mundial, especialmente sua financeirização, e o efeito do crescimento das importações chinesas.

 

O aprofundamento desse processo originou desdobramentos significativos no agro-mínero-negócio brasileiro, em especial, o aprofundamento de sua internacionalização, da sua financeirização e da sua expansão territorial, associado a uma corrida por terras e aquecimento no seu respectivo mercado. De forma compatível com as novas formas de gestão do espaço, as grandes corporações do agronegócio, assim como da mineração, tiveram papel central nesse processo, canalizando investimentos governamentais, organizando as demandas de infraestrutura física e definindo os processos de expansão e de organização das economias urbanas e regionais a elas subordinadas. Atualizou-se o pacto político entre os donos da terra, o Estado e os donos do dinheiro, materializados na integração entre os complexos agroindustriais, o sistema de crédito e o mercado de terras, e na participação privilegiada das frações representantes do agro-mínero-negócio no bloco no poder.

 

O sudeste paraense, recorte territorial desta pesquisa, foi analisado em busca de se compreender como se condensam, em determinada região, as tensões e conflitos gerados pelas forças sociais multi-escalares decorrentes dessa estratégia de acumulação brasileira e da expansão do agro-mínero-negócio. Essas forças exógenas, na perspectiva adotada, são vetores que só se transformam em dinâmicas socioespaciais efetivas através dos elementos internos e suas forças endógenas, levando a criação de uma especificidade deste lugar e não uma mera reprodução de processos gerais, o que reforça um desenvolvimento desigual do espaço geográfico. A partir dessa perspectiva, procurou-se refletir sobre a trama de dinâmicas que se entrelaçam em uma determinada escala, configurando a própria região de análise, mas que, ao mesmo tempo, permitem uma leitura de como os principais agentes, estruturas e processos que as geram, atuam e se confrontam, produzindo não apenas a especificidade do lugar, como conflitos, estratégias e impasses que revelam aspectos mais gerais das lutas territoriais contemporâneas.

 

A categoria central para organizar essa análise foi a luta pela terra, entendida como o principal eixo ao redor do qual se expressam as contradições e conflitos pela dominação e apropriação material e simbólica do território. Essa categoria, portanto, é expressão das relações de poder entre sujeitos em confronto e as classes e interesses que eles representam, mas também das mediações sociais e institucionalidades que lhes dão sustentação. Em síntese, a luta pela terra foi tratada como expressão de um persistente confronto entre dinâmicas de concentração econômica e exclusão política e de resistências à expropriação e expulsão e de produção de contra-espaços, que na fase atual se expressa nas perspectivas de mercantilização da terra – valor de troca – ou de sua apropriação como bem público – valor de uso.

 

A luta pela terra também reflete a história social do lugar4, a trama de relações entre grupos, classes e frações em disputa pela sua dominação e apropriação, pela produção dos sentidos e significados sociais da própria terra e do território em cada período histórico. A categoria esteve no cerne da leitura sobre a historicidade e geograficidade do atual sudeste paraense, cujas marcas mantém-se no presente, como espaço produzido e como território, assumindo centralidade nas dinâmicas políticas atuais resultantes de processos de formação das classes e grupos sociais, com suas territorialidades próprias, e distintas capacidades econômicas e políticas acumuladas.

 

Mesmo sem detalhar a longa história de formação socioespacial do sudeste paraense, chama atenção, enquanto impactante mudança estrutural, a transformação no padrão de ocupação amazônico5 dos anos 1960 – 70, em que se inicia a apropriação da terra-firma e a terra passa a ser considerada mercadoria, emergindo uma questão da terra regional e uma luta pela terra propriamente capitalista, cujo fundamento é a disputa pela apropriação e sujeição da renda fundiária6. Nesse contexto, emergiu uma questão da terra na região, materializada em intensas disputas pela sua dominação e apropriação por diferentes frações do capital, representadas pelas oligarquias castanheiras, novos fazendeiros recém-chegados à região e grupos empresariais, mas também por pequenos posseiros, em grande medida, representantes de uma frente de expansão camponesa oriunda da região nordeste e centro-oeste. A conflitividade desse processo e os riscos apresentados à manutenção do pacto de poder da época levou a uma militarização da região e a implementação de processos de colonização que sustentaram o aprofundamento do processo de integração da região às dinâmicas da acumulação nacional, especialmente com a implantação da mineração industrial e do Programa Grande Carajás.

 

A crise da ditadura civil-militar e a transição para o regime seguinte trouxe novos vetores que alteraram a luta pela terra no sudeste paraense. Em primeiro lugar, consolidaram o processo de complexificação da economia urbano-regional, tendo como fator central a mineração industrial associada a núcleos siderúrgicos, além da pecuária extensiva, agricultura camponesa de alimentos e rede de comércio e serviços urbanos. Em segundo, um rearranjo no bloco regional de poder, que, não sem conflitos e contradições, levou a uma aproximação política de parte da velha oligarquia castanheira aos novos fazendeiros e comerciantes, articulados em torno do desenvolvimento da pecuária extensiva. Por fim, da politização da luta pela terra, através da articulação sindical e da conexão a mediadores políticos regionais e nacionais, que a vincularam a processos mais amplos de luta por reforma agrária, forçando uma substituição da política de colonização por uma política de criação de assentamentos.

 

Esse processo, que já apresenta uma duração de cerca de 30 anos (1987 – 2016), não teve, no entanto, trajetória linear, revelando distintas fases em que tendências de concentração ou desconcentração da terra foram predominantes, embora, em termos gerais, apontaram uma tendência de avanço na obtenção de terras para a reforma agrária, conformando, até o final dos anos 1990, uma mancha de assentamentos nesse território específico que parecia apontar uma territorialização da reforma agrária7. Desde o início dos anos 2000, no entanto, esse processo foi sendo revertido à medida que se aprofundaram os vínculos da região com os circuitos de produção minerais e pecuários, refletindo a dinâmica de expansão da produção de commodities de exportação e a emergência de uma economia política do agronegócio. Essa dinâmica não interrompeu os conflitos agrários que, ao contrário, se complexificaram, incluindo novos agentes direta ou indiretamente ligados ao agro-mínero-negócio, porém alterou a correlação entre as forças envolvidas nessa luta, rearticulando o pacto latifundiário e reduzindo drasticamente a obtenção de terras para a criação de novos assentamentos.

 

A vinculação dessa região com os circuitos espaciais mundiais de acumulação de capital reforça a necessidade de análises trans-escalares que considerem a ótica da mundialização e do desenvolvimento desigual e combinado como determinantes. A compreensão desses processos passa pela identificação dos principais agentes econômicos que definem e materializam essa vinculação, seus modos de operação e a forma como conduzem o processo de captura do excedente e de acumulação. Nessa perspectiva, houve uma centralidade assumida pelas grandes corporações como agentes principais da globalização econômica e da mundialização do espaço, coordenando os processos de expansão territorial.

 

No entanto, esse deslocamento espacial da acumulação do capital não pode ser visto como processo aleatório, pois obedece a hierarquias definidas pelos potenciais estratégicos que as diferentes frações do espaço representam para o núcleo central dessa acumulação mundial. Portanto, os deslocamentos obedecem a estratégias que visam centralizar as mercadorias capitalistas básicas (dinheiro, trabalho, terra/natureza) e os fluxos de renda e poder decorrentes de sua propriedade privada e, dessa forma, exercer o poder de monopólio e reforçar a hegemonia.

 

Por isso, essa dinâmica remete a formação de lugares estratégicos para o processo de acumulação que se convertem em territórios prioritários para a monopolização pelas grandes corporações8. A essencialidade desses lugares estratégicos pode se dar pela alta densidade de potencial produtivo acumulado, de produção de inovação tecnológica ou ainda pela riqueza de bens naturais estratégicos. Esses bens naturais estratégicos são aqueles essenciais para o processo de funcionamento da produção capitalista, em um dado padrão tecnológico, e que dificilmente podem ser reproduzidos artificialmente, levando a que seu monopólio se constitua como elemento chave na acumulação de poder econômico e político mundial.

 

No caso do sudeste paraense, dois tipos de grandes corporações mundiais organizaram a gestão privada do espaço regional, configurando-se como as estruturadoras da sua inserção nos circuitos mundiais de acumulação: as grandes corporações mineiras, particularmente a empresa Vale SA, e as grandes corporações agroindustriais, especialmente as ligadas ao processamento de carne bovina. No entanto, há claramente hierarquias entre elas, em função de suas formas de inserção nos circuitos mundiais de acumulação e de poder e do caráter estratégico que seus domínios de recursos naturais representam, com a mineração, em função da raridade e da rigidez locacional desses recursos, atuando para tornar a região, bem como seu domínio, de muito maior potencial estratégico mundial do que a produção pecuária. Essas diferenças refletem-se nas próprias territorialidades dessas corporações, com a mineração assumindo um formato mais próximo de uma territorialidade-arquipélago, concentrando-se em núcleos espaciais estratégicos e descontínuos em escala mundial, e a pecuária assumindo um formato mais próximo de uma territorialidade de fronteira em expansão em escala nacional.

 

Uma questão importante que emergiu dessa reflexão é como se deu o processo de territorialização dessas grandes corporações em um território estratégico como o sudeste paraense. Embora a tomada de decisões tenha origem nos interesses hierárquicos dessas grandes corporações, o Estado assumiu papel essencial nessa territorialização, através do financiamento das próprias corporações e das infraestruturas que lhes são necessárias, dada a convergência de interesses capitalistas e territoriais vinculados a atual estratégia de acumulação. No entanto, sem desconsiderar as contradições entre esses tipos de interesse, representados respectivamente pelas corporações e pelo Estado, a importância deste último foi além da viabilização da infraestrutura material.

 

Para além dessas infraestruturas materiais de conexão aos circuitos espaciais mundiais, o potencial estratégico de um território como o do sudeste paraense só é plenamente alcançado com a criação de uma coerência regionalmente estruturada9 que garanta as condições adequadas de funcionamento da acumulação local e dos mecanismos de transferência de excedentes. Essa coerência estruturada implicou em fixação de capital, garantia de força de trabalho disponível nas quantidades e qualidades necessárias e condições normativas mais gerais para o funcionamento da produção, o que também demandou o engajamento do Estado e de outras frações regionais do capital, embora mais dependentes do Estado e subordinadas aos interesses das corporações.

 

As demandas mais específicas de cada uma dessas grandes corporações e seus circuitos espaciais, bem como suas distintas territorialidades levam a diferentes relações com o território e com as demais forças sociais regionais. No caso da mineração, há uma territorialização concentrada em pontos específicos do espaço, ricos em recursos minerais, vinculadas à rede urbana que atua como fornecedora de força de trabalho e serviços e centros estratégicos de articulação com os circuitos mundiais. Uma característica da demanda de força de trabalho para esse tipo de subsistema é a sua relativa mobilidade, estando disponível para acompanhar os deslocamentos da atividade mineral, especialmente na fase de implantação de novos projetos que é a mais demandante de força de trabalho, configurando uma permanente reestruturação da rede urbana regional associada aos investimentos em novos projetos minerários ou de infraestruturas de circulação. Nessa perspectiva, pode-se identificar um subsistema de produção e circulação mineral – urbano estruturador das dinâmicas socioespaciais do sudeste paraense.

 

Embora em expansão acelerada desde os anos 2000, o subsistema mineral – urbano não alterou suas características principais, uma vez que desde sua origem foi internacionalizado e vinculado a circuitos mundiais de acumulação. O subsistema pecuário, no entanto, sofreu maiores alterações no período uma vez que foi integrado aos circuitos mundiais através da ação estruturadora das grandes agroindústrias frigoríficas que se instalaram na região. Esse subsistema, pela sua própria territorialidade de fronteira em expansão desempenhou um maior espraiamento no conjunto da região e a configuração de complexos territoriais articulados pelos fluxos de gado voltados ao abastecimento de cada uma das unidades agroindustriais.

 

A configuração desse subsistema pecuário internacionalizado é resultante de três vetores principais: um vetor de expulsão da pecuária de antigas fronteiras no centro-oeste que estão sendo ocupadas pelo agronegócio da soja; um vetor de atração gerado pela instalação das agroindústrias frigoríficas, viabilizadas pelos investimentos mais gerais em infraestrutura de transporte, energia e comunicações e pelos financiamentos públicos e privados específicos ao setor; pela sinergia com as dinâmicas históricas e geográficas locais, de transformação da floresta em fazendas de gado, e a formação de um bloco regional de poder profundamente identificado com a atividade.

 

Detalhando-se os estudos desses subsistemas de produção e circulação, pode-se perceber que, embora a expansão da produção de commodities tenha sido marcante em toda a mesorregião sudeste paraense, é possível delimitar complexos territoriais10 mais específicos. Um deles, centralizado em Marabá, mostrou forte convergência territorial das determinações do subsistema mineral – urbano e pecuário, configurando um complexo territorial de produção e reprodução agromineral. A conformação desse complexo territorial mostrou a consolidação de certa coerência estruturada sinérgica entre ambos subsistemas que atualizou o pacto latifundiário e exerceu forte pressão contrária ao processo de desconcentração de terras e de poder via criação de projetos de assentamento.

 

O principal ponto de convergência entre esses dois subsistemas está na dominação e subordinação do território assentada sobre o pacto latifundiário. Do ponto de vista da mineração industrial, esse pacto responde a dois interesses centrais: garantir uma força de trabalho residente nas cidades, desterritorializada e com alta mobilidade para acompanhar os deslocamentos dos investimentos minerais, e aprofundar a mercantilização da terra reduzindo à incorporação de novas terras para a expansão dos projetos minerários e sua infraestrutura a uma relação de mercado. Do ponto de vista da pecuária, o pacto latifundiário garante a ampliação dos rebanhos de forma extensiva e com baixo custo de produção, garantindo a reprodução do subsistema pela incorporação de novas terras, dentro dos limites do raio econômico de circulação do gado para abate em cada agroindústria. Complementam esses interesses os investimentos de empresas atacadistas e varejistas de comercialização de alimentos que dominam os mercados urbanos (produção capitalista da cidade), capturando parte da renda minerária paga na forma de salários e que inserem a região em circuitos nacionais do agronegócio de alimentos e, em contrapartida, representam um limitador das possibilidades de diversificação da produção camponesa de alimentos, constituindo-se em um forte vetor de sua subordinação ao subsistema pecuário.

 

Em termos teóricos, fundamentando-se na teoria da renda da terra marxista, a dominação das terras para captura da renda fundiária foi o elemento unificador dos dois subsistemas, conformando o complexo territorial de produção e reprodução agromineral e contribuindo para convergência dos interesses dos capitais minerários e agroindustriais de exportação impulsionadores de uma coerência estruturada regionalmente aos seus interesses e demandas. No caso da mineração, as condições mundialmente excepcionais em termos de diversidade, qualidade e quantidade de minérios, assim como seu caráter estratégico para a acumulação nacional organizada pelo Estado, conferem uma capacidade de transferência de renda elevada, reforçando sua condição de forma de uso da terra de referência para as demais atividades, cujo reflexo é o mais alto preço da terra (renda capitalizada) no perímetro onde a mineração está mais concentrada. Nesse sentido, também sob esse ponto de vista, há uma hierarquia entre mineração e pecuária.

 

A importância da renda capitalista da terra, como guia teórico, não significa interpretá-la como rendas diretas recebidas pelos proprietários, apenas na comercialização da terra ou no seu arrendamento, pois essa categoria é reveladora de um processo mais geral de transferência de renda, mediado pelo capital e pelo Estado, e pago pelo conjunto da sociedade. A monopolização da terra através da propriedade fundiária permite aos seus agentes participarem desses processos de transferência que, dada a sua importância histórica no Brasil, revelam o caráter rentista da acumulação. Esse caráter evidencia um processo contínuo de transformação da terra em mercadoria, condição primordial para o direito ao recebimento desse tributo social, a mediação do Estado na organização desse processo de transferência, as possibilidades do capital sujeitar a renda da terra, seja assumindo a condição de proprietário de terras através da territorialização do capital, seja sujeitando a renda da terra através da subordinação do território pelo capital, inclusive a produção camponesa11.

 

Do ponto de vista político, a captura da renda da terra no complexo territorial de produção e reprodução agromineral do sudeste paraense tem papel chave nas articulações de interesses econômicos do bloco no poder regional, assim como das mediações necessárias à sua realização. Três mecanismos foram ientificados no caso do sudeste paraense: o aquecimento do mercado de terras; o processo de expansão de fronteira e a produção de novas terras-mercadoria; as possibilidades de acesso às transferências da mais-valia social através do sistema de crédito.

 

Em relação ao mercado de terras, as análises mostraram uma tendência ascensional dos preços, entendidos como expressão da renda fundiária capitalizada, seguindo tendência nacional. As áreas com maior densidade de projetos de mineração apresentaram a maior elevação, confirmando o seu papel principal na na valorização das terras em função das possibilidades da extração da renda fundiária/mineral. Mesmo que a exploração mineral seja executada, predominantemente, por grandes empresas, a propriedade de terras com subsolo rico em minério ou de alvarás de exploração de jazidas economicamente aproveitáveis configurou-se como um negócio rentável, garantindo sua comercialização para as empresas mineradoras ou sua cessão com participação nos lucros. Essas possibilidades ampliam a corrida por terras e por autorizações de pesquisa mineral, o que cria conflitos com demandas de novos projetos de assentamento e terras indígenas, além da pressão sobre os já existentes. Além disso, a presença das grandes corporações mineradoras não apenas cria conexões com os circuitos mundiais de acumulação como atrai e aproxima outros diferentes agentes econômicos globais, intermediários e locais que também passam a disputar a dominação da terra como possibilidade de apropriação dos ganhos rentistas minerais, seja diretamente vinculada à própria atividade, seja indiretamente, pela implantação pecuária.

 

Os preços das terras de pastagens, considerando o conjunto do estado do Pará, também cresceram, seja pelos efeitos indiretos da mineração, como pela própria vinculação à atividade pecuária. Porém, tanto seus valores absolutos, como seu crescimento percentual, tiveram elevação inferior à média nacional, apesar da forte expansão do rebanho bovino no estado. Esse dado sugere que o deslocamento da pecuária para a região foi estimulado pelas possibilidades de incorporação de terras de mais baixo preço que as áreas do centro-oeste, de onde partiu esse deslocamento. A possibilidade de manutenção dos baixos preços das terras de pastagens no Pará, mesmo com o crescimento da renda pecuária, se deu em função dos mecanismos de incorporação de novas áreas ao estoque de terras através da transformação de terras de floresta originária – bens públicos – em terras-mercadoria. Reforça-se, assim, uma leitura do caráter terra-extensivo da atividade pecuária associado a um processo expansivo de mercantilização de terras12.

 

Esse caráter terra-extensivo não se dá apenas pela baixa produtividade pecuária por hectare, mas pela sua associação a uma capacidade permanente de incorporação de novas terras a esse processo produtivo, resolvendo um problema de reprodução do subsistema pecuário sem a necessidade de elevados investimentos na matriz tecnológica e na intensificação do uso do solo. Dessa forma, o subsistema garante sua expansão territorial, necessária para a reprodução ampliada da própria atividade pecuária, e a ampliação da mercantilização das terras, necessária para a reprodução do complexo territorial como um todo. Essa dinâmica de produção de terras-mercadoria em um movimento de expansão de fronteira, com a continuidade de uma ‘marcha para oeste’ em direção à São Felix do Xingu e à Pacajá, pelo eixo da transamazônica, criam e tornam acessíveis a renda capitalizada.

 

Essa dinâmica reproduz também um complexo de devastação, violência e concentração fundiária13, uma vez que as microrregiões mais à oeste são aquelas em que se deram, nesse período, os maiores índices de desmatamento e de assassinatos em decorrência dos conflitos agrários, revelando o caráter expropriatório desse processo de produção de terras-mercadoria. São essas microrregiões que também tiveram aumentada a concentração fundiária, contrarrestando as tendências de desconcentração fundiária nas áreas de ocupação mais antigas, alcançadas através do binômio luta pela terra – criação de assentamentos de reforma agrária, e mantendo a elevada concentração fundiária no conjunto da mesorregião.

 

No caso do complexo territorial de produção e reprodução agromineral do sudeste paraense, a incorporação de novas terras através dessa dinâmica de expansão de fronteira contou com o apoio decisivo do sistema de crédito rural, apresentando significativa correlação entre os montantes de crédito para investimentos pecuário e o incremento do desflorestamento, do rebanho bovino e da violência. Os municípios de Marabá, Itupiranga, Novo Repartimento e Pacajá, justamente aqueles que indicam os eixos de expansão à oeste, destacaram-se nessas correlações. Indica-se, assim, a continuidade do sistema de crédito como mecanismo governamental organizador do processo de expansão da produção pecuária associado à produção de fazendas (produção de terras-mercadoria, transformação dessas terras de terras com mata em terras com pastagens e formação dos rebanhos bovinos) e, consequentemente, da renda da terra capitalizada.

 

O crédito como mecanismo de mediação na transferência da renda da terra enquanto tributo social para os proprietários de terras não se restringe, no entanto, ao processo de expansão territorial do subsistema. O crédito rural, através do PRONAF – investimento pecuário, apresentou papel relevante, no conjunto do estado do Pará, na vinculação da produção camponesa à pecuária, mostrando-se também como mecanismo de sujeição da renda da terra camponesa ao próprio sistema financeiro, aos fornecedores de insumos e aos grandes proprietários que, com maior capacidade de atuar no ciclo produtivo completo (cria-recria-engorda) e comercialização direta com os grandes frigoríficos, tem relações desiguais no interior do circuito de produção-circulação e mantém uma associação entre concentração fundiária – concentração dos rebanhos – concentração da renda. Além disso, o crédito rural, na modalidade custeio pecuário, sobretudo nas áreas de ocupação mais antigas, mostrou-se como mecanismo de transferência de renda aos grandes produtores e aos próprios frigoríficos, subsidiando os custos de produção dos grandes pecuaristas e, portanto, atuando para reduzir a pressão pela elevação dos preços de venda à agroindústria.

 

Todas essas dinâmicas e tendências expostas até aqui são expressões dos interesses que movimentam e articulam, com certa coerência regional, o processo de acumulação do capital. No entanto, sua consolidação não se resume a existências dessa trama de interesses econômicos, mas a sua capacidade de legitimação perante a diferentes grupos sociais, classes e frações, com atuação em várias escalas, inclusive na escala regional, com seus próprios interesses específicos, sejam eles convergentes, contraditórios ou até mesmo antagônicos. Sua sustentação política, portanto, está relacionada a instituição de relações de poder capazes de conferir-lhe hegemonia regional14.

 

Essa hegemonia passa pela constituição de um bloco de poder regional15, entendido como uma aliança simultaneamente econômica, política e ideológica entre grupos sociais, classes e frações, compondo uma unidade política das classes dominantes organizados em torno dos interesses das grandes corporações agrominerais. A capacidade de exercício de hegemonia do bloco no poder, no entanto, extrapola os interesses específicos das próprias classes dominantes a partir da inclusão de alianças, muitas vezes parciais e instáveis, com grupos, classes e frações subalternas. Esse processo visa a constituição de um projeto hegemônico, o que inclui concessões materiais e a constituição de um paradigma político em que mesmo as forças subordinadas percebam possibilidades de fazer avançar seus interesses e, com isso, recusem processos alternativos.

 

O complexo territorial agromineral do sudeste paraense aponta nessa direção, com os interesses das corporações da mineração e do agronegócio tanto organizando os circuitos regionais de produção-circulação-distribuição-consumo, como envolvendo uma aliança econômica, política e ideológica entre diferentes grupos sociais, classes e frações que compõem o bloco no poder regional e, de forma parcial, parte das classes subalternizadas. A constituição dessas alianças, são fortemente estruturados pelos interesses associados entre as grandes corporações e o Estado, mas também de certas frações regionais que atum na mediação entre esses interesses mais gerais das estratégias de acumulação nacional-mundial e sua aceitação em escala regional, apesar das muitas contradições entre eles.

 

No contexto atual, marcado por uma maior mobilidade do capital, um importante mecanismo de imposição dos interesses hegemônicos passa por uma ‘chantagem locacional’, ou seja, pela ameaça de retirada de investimentos de uma região se não forem oferecidas condições institucionais atrativas, o que envolve flexibilização de normas e direitos sociais e ambientais, assim como subordinação da força de trabalho16. O estudo do sudeste paraense indicou a importância da ação política efetiva do Estado nessa direção, dadas as convergências entre processos regionais e as estratégias nacionais de acumulação, materializadas na forma de investimentos públicos vinculados aos e condicionados pelos investimentos e projetos das corporações. Além dessa política de investimentos, o Estado atuou fortemente na alteração das legislações específicas e na elaboração de discursos e planos de ordenamento territorial que reforçavam a ideia de que não há nenhuma possibilidade de alternativa ao desenvolvimento regional alternativa à sua estruturação vinculada aos circuitos mundiais e nacionais de acumulação e aos interesses das grandes corporações.

 

Essa ‘chantagem locacional’ imposta pela associação entre corporações e Estado, se traduz para as classes subalternas como uma ‘alternativa infernal’ entre a resignação impotente frente a esses interesses ou a penalização com a falta de investimentos, emprego e renda. No entanto, como a capacidade de geração de emprego e renda diretamente pelas grandes corporações minerais e do agronegócio não é suficiente para responder a estas demandas, as frações regionais do capital constroem seu papel de mediadoras, pois são elas que, capturando a distribuição desigual dos efeitos regionais dos investimentos agrominerais, respondem pela geração da maior parte dos empregos urbanos, seja diretamente como representantes do capital comercial, no setor de comércio e serviços, seja indiretamente como elite política gestora da administração local e dos empregos públicos. Nessa posição de mediadores, essas frações regionais podem até se somar a certas lutas populares contra as corporações, mas buscando direcioná-las para exercer pressão pelo aumento dos investimentos e nunca para o questionamento de seus fundamentos principais que pudessem tensionar e deslegitimar o projeto hegemônico.

 

Esses mediadores, apesar de sua importância específica em cada unidade territorial, atuam de forma subordinada ao poder estruturante das grandes corporações responsáveis pela produção e exportação de commodities minerais e pecuárias, diretamente inseridas em escalas mundiais de acumulação e, simultaneamente, vinculadas a processos relevantes da estratégia de acumulação nacional. O poder de estruturação de um território coerentemente com os interesses dessas perspectivas de acumulação não se dissocia de processos de territorialização dessas próprias corporações, além da gama de agentes que lhe são associados, com suas territorialidades específicas.

 

No sudeste paraense, a combinação de dois tipos de territorialidades coporativas potencializou as transformações territoriais estudadas. Enquanto a territorialidade-arquipélago da mineração tende a concentrar suas atividades em pontos relativamente específicos, cuja maior articulação com o território se dá com a rede urbana, em função das necessidades de gestão da força de trabalho com relativa mobilidade e de constituição de centros de articulação com os circuitos mundiais, a territorialidade da pecuária reafirma-se como uma ocupação terra-extensiva, envolvida tanto na articulação de amplas frações territoriais como na produção de novas terras-mercadorias17.

 

No entanto, diferentemente da expansão de fronteira pecuária observada em períodos anteriores, financiada especialmente pelo capital comercial e pela extração de madeira e produção de carvão, a pecuária, nessa nova fase se estrutura de forma articulada aos grandes interesses agroindustriais de exportação e se beneficia com a alocação de massas redundantes de capitais acumulados em atividades urbanas potencializadas pela mineração. Nessa nova dinâmica, a expansão pecuária fortaleceu-se, porém, sem perder seu caráter de expansão de fronteira que, ao contrário do que desejam as narrativas legitimadoras, não são expressão da permanência de velhos vetores da exploração madeireira e grilagem de terras comandadas pelas frações atrasadas do capital mercantil, mas são expressões estruturais da própria modernização pecuária agroindustrial de exportação.

 

Considerando que essa expansão da produção de commodities agrominerais, mesmo que aprofundando sua vinculação aos circuitos mundializados da acumulação e do desenvolvimento das forças produtivas, não altera as estruturas de propriedade e nem as dinâmicas conflitivas de expansão de fronteira, os conflitos agrários se mantêm e a luta pela terra persiste e se aprofunda no interior da Amazônia como um todo. Esse cenário reafirma a importância das frações políticas e econômicas regionais que, embora subordinadas aos interesses das forças de acumulação nacional e mundiais, atuam como mediadoras locais dos conflitos e, em contrapartida, se colocam como dominadores de frações territoriais como forma de participação na acumulação rentista regional. Forjam-se, assim, novas alianças regionais que atualizam o pacto latifundiário, atuando no sentido não apenas de bloquear o avanço da reforma agrária e a conquista de novas terras de povos e comunidades tradicionais, como de pressionar pela re-mercantilização das terras conquistadas por eles na Amazônia. No contexto específico do sudeste paraense, a formação de manchas de assentamentos que indicavam processos de territorialização da luta pela terra estão sendo englobadas em complexos territoriais mais amplos em que predominam uma elevada concentração fundiária e o estabelecimento de relações produtivas e reprodutivas comandadas pelos interesses das grandes propriedades.

 

Nesse contexto, a questão da terra assume um papel chave nas lutas políticas regionais. A mercantilização da terra tem sido um ponto importante da construção de uma coerência estruturada de acordo com a convergência de interesses da mineração e da agroindústria pecuária, inclusive para a reprodução desses subsistemas através de sua expansão territorial. No entanto, como a dominação da terra-mercadoria é elemento determinante para a participação na distribuição da renda fundiária, mesmo que de forma desigual, ela se torna uma possibilidade de investimento das massas redundantes de capitais regionais, em busca de oportunidades de valorização, ampliando o interesse das frações regionais nelas. Ao mesmo tempo, do ponto de vista político, a dominação da terra amplia as possibilidades de atuação na mediação dos interesses hegemônicos na região, garantindo formas de uso compatíveis com as perspectivas do agro-mínero-negócio.

 

A luta camponesa pela terra expressa uma contradição chave desse processo. Em parte, pode ser considerada como parte das lutas distributivas que permite a inclusão de certos grupos sociais e frações de classe nesses subsistemas econômicos, atuando como uma espécie de concessão material na consolidação do projeto hegemônico. No entanto, nesses casos, essa distribuição de terras está associada a implementação de mecanismos de sujeição da renda da terra, através da inserção subordinada de camponeses na produção pecuária integrada à agroindústria de carne e mediada pelos grandes produtores e pelo sistema financeiro, assim como na própria ampliação da mercantilização da terra, fortalecendo seu caráter de pequena propriedade privada via mecanismos de regularização fundiária e titulação de assentamentos.

 

Por outro lado, a luta camponesa pela terra pode significar um enfrentamento mais profundo à coerência estruturada pelos interesses do projeto hegemônico agromineral, atuando como força de solapamento. Essa perspectiva se dá quando a terra não apenas é retirada do mercado de terras, via constituição de assentamentos de reforma agrária, mas também quando, a partir dela, leva a constituição de comunidades camponesas, assim como de povos e comunidades tradicionais, que afirmam e politizam suas territorialidades específicas e o próprio sentido do território.

 

A luta pela terra pode assumir perspectiva emancipatória ao dar visibilidade para outras concepções de mundo, inclusive negando a mercantilização da terra e da natureza e a subordinação do território aos interesses da produção do valor. A terra conquistada ou recuperada nessa luta pode gerar territórios de r-existência que avancem para a (re)criação de laços comunitários na contra-corrente das relações de poder hegemônicas e na constituição de outras formas de coesão política. Dessa forma, podem ampliar a politização das lutas pela terra para além de seu caráter distributivo e economicista e criar outras politicidades que se configurem como disputas propriamente territoriais em múltiplas escalas e não apenas no espaço vivido, inclusive atuando com e contra o Estado.

 

A luta pela terra pode apresentar um significado principal de emancipação política, reorganizando as bases políticas do poder desde a escala cotidiana até a escala propriamente territorial, mas sem se desvincular das lutas mais gerais por reforma agrária e por alterações nas dinâmicas de acumulação e de organização socioespacial. Por isso, as lutas pela terra envolvem não apenas as ações diretas dos agentes em luta, mas também os mediadores entre essas lutas e o Estado em diferentes escalas, assim como a construção de alianças.

 

A emergência da estratégia de acumulação rentista agroindustrial e as reconfigurações das conexões da Amazônia aos seus circuitos espaciais de produção e circulação de commodities de exportação alteraram as alianças políticas que, mesmo de forma contraditória, deram sustentação a territorialização das lutas sociais na Amazônia na década de 1990. No contexto atual, não apenas essas alianças regionais foram se alterando, como as relações de poder locais foram se reconfigurando de forma a despolitizar as estratégias construídas pelos movimentos sociais de luta pela terra na condensação de lutas territoriais por direitos, sobretudo através da pressão junto ao Estado e da participação como sujeito político reconhecido institucionalmente.

 

Essa alteração das relações políticas gerou um novo impasse18 às forças sociais que lutam pela desconcentração da terra, bloqueando novas conquistas de terras e ameaçando com a reversão das conquistas anteriores via a reinserção dessas terras no mercado, além de fragmentar as diferentes lutas e retirar o protagonismo dos próprios sujeitos locais. Esse impasse exige uma reconstrução das estratégias de politização da luta pela terra, em um contexto em que, por um lado, predominam relações assimétricas desfavoráveis com o Estado e com outras forças anteriormente aliadas, mas por outro, apresenta trunfos acumulados pelas conquistas territoriais e produção de territorialidades próprias que bases importantes para processos mais autônomos de emancipação.

 

Finalizando, o estudo das frentes de expansão do agro-mínero-negócio na Amazônia, especialmente quando analisado em suas especificades territoriais, revela que a modernização da produção de commodities estruturada por estratégias rentistas-agroindustriais não significa a eliminação da problemática da terra e seus desdobramentos em termos de destruição ambiental e conflitos sociais. Ao contrário, significa uma atualização dos pactos latifundiários locais, vinculados de forma subordinada a dinâmicas estruturais e persistentes de dominação territorial extensiva vinculadas a existência de oligarquias rentistas e patrimonialistas e de padrões concentradores em termos econômicos e excludentes em termos de poder. Significam, ao mesmo tempo, novos impasses para as lutas dos movimentos sociais do campo, face à perda de eficácia de suas estratégias e alianças construídas os últimos 30 anos. Novos impasses são, ao mesmo tempo, desafios e possibilidades de reinvenção e politização das ações dos subalternos no enfrentamento das novas determinações do pacto latifundiário, sustentadas na memória das lutas já realizadas e nas suas marcas grafadas no espaço.

 

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1 Para o texto completo, inclusive com referências bibliográficas e análise de dados, ver Michelotti, F. (2019)

2 Ver Moreira, R. (2014); Delgado, G. (2012); Paulani, L. (2008); Oliveira, A. U. (2016)

3 Ver Almeida, A. W. B. (2012). Porto-Gonçalves, C. W. (2017), Porto-Gonçalves, C.W & Alentejano, P. (2011)

4 Ver Ianni, O. (1978)

5 Ver Gonçalves, C. W. (2005)

6 Martins, J. S. (1985; 1995)

7 Leite, S. et al (2004)

8 Ceceña, A. Es & Barredas, A. (1995); Ceceña, A. E. (2017)

9 Para o conceito de “coerência estruturada”, ver Harvey, D. (2006)

10 Para o conceito de “complexo territorial”, ver Coraggio, J. L. (1991)

11 Bartra, A. (2006), Martins, J. S. (1995), Oliveira, A. U. (2007)

12 Ver Costa, F. A. (2017)

13 Ver Porto-Gonçalves, C. W. (2007)

14 Ver Brandão, C. A. (2007)

15 Ver Poulantzas, N. (1986), Dulong, R. (1977), Jessop, B. (2007), Klink, J. (2013)

16 Ver Acselrad, H. (2013)

17 Ver Ceceña, A. E. (2016), Becker, B. (2015)

18 A reflexão de um novo impasse dos movimentos sociais na Amazõnia retoma diálogo com Martins, J. S. (1989)

https://www.alainet.org/pt/articulo/204498
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