Bolsonaro, um líder construído para um novo projeto de poder militar
- Opinión
Defesa irrestrita da última ditadura (1964-1985). Apologia da tortura. Culto à posse de armas. Promessas de mão dura contra o crime organizado, incluindo condecorações a policiais que matem delinquentes. Um general (Hamilton Mourão) como companheiro de chapa. Anúncios de vários militares integrando seu gabinete. Tudo isso nos leva a pergunta: Jair Bolsonaro é pura ideologia? Não, por trás de tudo isso está a estratégia da cúpula das Forças Armadas, de construir um presidente próprio, encarregado de impor o que denomina uma “nova democracia”. Esta consistirá em um programa político ultraconservador e economicamente ultraliberal, com os condimentos de uma participação ativa dos militares na vida política e na missão de esmagar a “esquerda que engana a sociedade”.
Opiniões que foram contadas à reportagem de Ámbito.com por uma alta autoridade das Forças Armadas brasileiras, que desempenha um rol institucional relevante e que foi protagonista do processo minucioso de construção política que começou há quatro anos atrás, e que desembocou nas eleições deste domingo. A manutenção do seu nome em sigilo foi sua única condição, já que do contrário poderia acabar com a sua carreira.
Segundo a fonte, em 2014 cumpriu-se 50 anos do que chamou de “Revolução de 1964”, e que em rigor foi o golpe de Estado dos militares contra o presidente João Goulart. Nesse contexto, e em meio a um clima de polarização – prelúdio do que, dois anos mais tarde, derivaria na destituição de Dilma Rousseff – as Forças Armadas começaram a buscar quem defendesse seus interesses no Congresso. A eleição, claro, recaiu no então deputado Bolsonaro, um ex-capitão do corpo de paraquedistas que abandonou a farda após vários casos de indisciplina.
Esses antecedentes o desabonavam, mas “o modo como defendeu a instituição no Congresso durante anos, fez com que nossas ponderações sobre ele melhorassem com o tempo”, relata a fonte.
“Diante dessa situação, um grupo de militares de alta graduação decidiu se aproximar o deputado e o comando do Exército, pensando já nas eleições de 2018. Um ano antes do pleito, o Exército analisou que haveria uma polarização, e que Bolsonaro seria quem chegaria ao segundo turno contra o PT. Por que? Porque a história de Brasil demonstra que sua elite nunca se preocupou pela nação e só pensa em si mesma. Então, tivemos claro que os partidos de centro não conseguiriam se unir para enfrentar a esquerda. E foi o que aconteceu. Tivemos razão em apostar no Bolsonaro”, indicou.
A autoridade militar recebeu a reportagem de Ámbito.com na sala de recepção do seu escritório, em Brasília, onde contou que Bolsonaro “se abriu ao diálogo, aceitou nossas sugestões e mudou muitas de suas posturas. Por exemplo, passou do nacionalismo econômico ao liberalismo. Isso que se viu na campanha foi produto do diálogo que o Exército abriu com ele, não tenha dúvida”.
Ademais, “o homem se ordenou no do ponto de vista pessoal. Se casou com sua terceira mulher, teve uma filha e fez dois anos psicanálise”, contou.
“O nacionalismo econômico já não é o nosso programa, isso nós deixamos para o Partido dos Trabalhadores (PT). Agora é o liberalismo. Isso é o que dissemos a Bolsonaro. Queremos um país o mais livre possível, o que nos coloca radicalmente contra o que diz o PT”.
Essa postura econômica, que contradiz a tradicional do poder militar neste país, é a base do que a nova doutrina define como “nova democracia”. Seus pilares são, segundo explicou a fonte, “a luta contra a corrupção, a segurança, o ajuste fiscal, a reforma da Previdência, as melhoras no transporte, e inclusive, por que não, abordar também a questão da mulher”.
A esquerda tem lugar na “nova democracia”, mas com condições. “Há uma esquerda que é boa, inclusive dentro do PT e do PC do B, e que o Brasil deve aproveitar. Mas há outra que incomodou a sociedade com um discurso excessivo do politicamente correto, que pretendia impor no Congresso o matrimônio homossexual, as questões de gênero... A sociedade não quer isso. Já não vamos permitir essas propostas que enganam e se disfarçam de socialismo”, indicou.
Segundo a fonte, Bolsonaro não é o misógino, homofóbico e racista que suas próprias declarações sugerem. “Você recordará o episódio de 2014 com a deputada (do PT) Maria do Rosário”, quando em meio a uma discussão sobre um projeto de lei sobre estupradores, Bolsonaro disse que “eu não te estupro porque você não merece”, o que lhe rendeu uma condenação judicial. “Ninguém sabe, mas isso mudou sua percepção, ele se arrependeu. É algo que lhe custou caro em termos pessoais. Nós também o ajudamos a entender isso, que devia evitar essas reações se quisesse ser um candidato viável”, comentou.
“A saída democratizadora para o Brasil foi negociada”, segundo descreveu a fonte, sem qualificar a ditadura como tal. Um grande acordo nacional desembocou em uma lei de anistia ampla, geral e irrestrita, e a convocação de eleições sem proscrições. Isso, afirmou, “preservou o status das Forças Armadas como uma força permanente do Estado. Nessa primeira etapa, o sector militar se recolheu ao seu rol profissional, mas agora estamos numa etapa nova, na que exigimos ser tratados como cidadãos plenos, não de segunda categoria”.
O objetivo é colocar marcha uma “terceira via”, isso é algo diferente de um papel em que os militares estejam na cabeça de um regime próprio, e também no de subordinados passivos diante das autoridades civis. “Queremos ser aceitos como cidadãos plenos, não como cidadãos de segunda. Por isso falamos de uma `democracia nova´”, assegurou.
“Nós, oficiais militares, somos pessoas muito qualificadas, sabemos idiomas, temos pós-graduação. Temos que acabar com essa coisa de que não podemos ser ministros”, disse.
“Fomos claros ao falar de um grupo que roubou a nação, e que tem relações com ditaduras como as de Evo Morales, a de Nicolás Maduro e a de Daniel Ortega. O processo culminou com um ex-presidente que é um presidiário, um criminoso condenado num juízo normal, e com uma ex-presidenta destituída legalmente, não através de um golpe, como se disse”, analisou, sem mencionar Lula ou Dilma Rousseff, nem mesmo o PT. Apesar disso, e por mais que Bolsonaro e Mourão evoquem essa possibilidade, ele reitera que não existe chance de golpe no Brasil.
“Não há nenhuma possibilidade de golpe. Nenhuma. Em 1964 não havia Facebook, o mundo era outro. Um golpe não vai se produzir em nenhum caso. A imprensa não entende isso ainda, e foi muito parcial na campanha, com análises muito infantis. A primeira derrotada nas eleições é a Rede Globo”, assegurou.
Terminou o tempo dos golpes e chegou a “nova democracia”?
Uma mensagem ao exército argentino
“Queremos mostrar à América do Sul e ao mundo que somos brasileiros, militares, brancos, negros, índios, isso não importa, porque nosso discurso é de unidade”, disse a alta fonte que recebeu a reportagem de Ámbito.com.
Segundo o alto comandante, “falamos desses temas (a doutrina da `nova democracia´) com nossos pares do Uruguai, mas infelizmente não com os da Argentina, pois sentimos que ainda estão deprimidos demais. Eles têm uma formação muito boa, mas a falta de apoio da sociedade fez com que não desenvolvessem ainda uma visão política”. No Brasil é diferente: “nossa imagem positiva é de 80%”, assegurou.
“A Argentina merece o nosso respeito e hoje nos traz preocupação”, disse em respeito à crise econômica vivida no país governado por Macri. “É preciso que as Forças Armadas do país sejam fortalecidas e consideradas forças permanentes do Estado, como ocorre no Brasil, para que possamos ser sócios de projetos bilaterais e internacionais”, agregou.
“Ficamos muito felizes quando Cristina Kirchner foi embora e chegou Mauricio Macri, um homem preparado, culto, que tem todas as condições para melhorar a Argentina”, analisou.
A doutrina da “nova democracia” vai além do conceito de nacionalismo. “Não acreditamos que exista uma saída para as nossas economias sem o Mercosul. A integração deve continuar, porque para nós não há vida no mundo sem ela”, concluiu.
*Publicado originalmente em ambito.com
Tradução de Victor Farinelli
31/01/2019