Hoje, amanhã e sempre
- Opinión
Ontem tivemos uma derrota que marcará a história de nosso país, com a vitória de Bolsonaro. Durante a campanha, já vínhamos alertando para os riscos para a nossa democracia e direitos sociais, em caso de concretização de sua vitória.
No entanto, precisamos reconhecer que lutamos o bom combate. Resistimos nas redes sociais, fomos pra rua, tentando reverter na última hora o amplo favoritismo que ele já tinha.
A vitória de Bolsonaro não deve nos desanimar. Quem viveu mais tempo, que passou pela ditadura, tem essa experiência de olhar a história com maior distância, e reconhecer que ela tem mesmo suas ondas. Em uma analogia com a Bíblia, temos os anos de vacas gordas, mas também anos de vacas magras. Todos eles passam, e nós aprendemos a resistir em todos esses momentos. As lutas e as contradições internas aos sistemas de dominação, várias delas invisíveis para o cidadão comum, continuam a varrer a história.
E os analistas políticos já estão prevendo que o governo Bolsonaro tem inúmeros fatores de instabilidade. Podemos citar alguns:
1) Foram produzidas muitas expectativas na população, de resolução dos complexos problemas nacionais, algo difícil de se oferecer respostas no curto e médio prazo. Um exemplo é a política de segurança. Sabemos que armar a população não resolve, apenas aumenta a insegurança e a violência.
2) Estamos enfrentando uma crise fiscal profunda nos governos federal, estaduais e municipais. Essa crise dificulta enormemente a retomada do crescimento econômico e a resposta às expectativas geradas na população.
3) O apoio a Bolsonaro mobilizou uma idealização muito intensa, como nos mitos heróicos e messiânicos. Temos precedentes na história política brasileira, com Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. A experiência deles e de outras, em vários países, mostram que, ao não serem capazes de produzir respostas satisfatórias no curto ou médio prazo, um processo de desidealização tende a ocorrer rapidamente, erodindo rapidamente o apoio a este tipo de liderança. Foi o que ocorreu com Jânio Quadros e Collor, levando-os à saída do poder.
4) Bolsonaro se elegeu tendo que controlar e evitar sua exposição pública em debates e ambientes em que teria que enfrentar o contraditório. Na presidência da república, esse controle é mais difícil, e ele tenderá a mostrar mais facilmente seu viés autoritário e antidemocrático, e sua visão simplista dos difíceis problemas nacionais.
5) Bolsonaro não tem maioria absoluta no Congresso, pelo menos para realizar mudanças constitucionais profundas. Se elegeu dizendo que não governará fazendo alianças com as forças convencionais no Congresso, e que não escolherá ministros com base no “toma lá, dá cá” que tem vigorado até agora. Para ter apoio no Congresso, ele precisará voltar à política tradicional. As medidas de reajuste fiscal colocadas na agenda econômica e política, como a reforma da previdência, são profundamente impopulares, e os parlamentares cobrarão muito caro o apoio a elas.
6) A visão e as medidas autoritárias de Bolsonaro certamente provocarão muitos conflitos com as instituições que têm como dever assegurar a democracia no país, como o Legislativo e o Sistema de Justiça, como as entidades civis que historicamente defendem as liberdades democráticas, e como os muitos movimentos sociais populares do país. Esses embates e conflitos tendem a crescer muito no seu governo.
7) A imagem internacional de Bolsonaro é péssima, e assim, começará um governo com um profundo desprestígio junto aos demais governos e agências internacionais, com poucas possíveis exceções, como o de Trump.
Poderíamos listar outros fatores que apontam para um governo de forte instabilidade, mas estes já são suficientes.
É por tudo isso que não podemos desanimar. A partir de agora, temos que avaliar sim o que passou, identificando os equívocos, mas com calma e solidariedade com nossos aliados. Precisamos estar atentos aos “sinais dos tempos”, em constantes análises de conjuntura, para identificar as brechas para resistência. E principalmente, para as inúmeras denúncias que certamente surgirão, e para as melhores estratégias de luta.
Assim, a história não acaba neste momento mais dramático, apenas começa uma nova etapa. E a nossa experiência mostra que nesses momentos temos que mobilizar, por um lado, a nossa paciência histórica de médio e longo prazo, e por outro, a nossa coragem e rebeldia, para as lutas micropolíticas no cotidiano, e para as grandes mobilizações que certamente virão.
Hoje, eles ganharam, e estão comemorando. Teremos que nos silenciar, por enquanto. Mas sobretudo, temos o papel de porta vozes da esperança e persistência. Muita coragem para todos nós, nesta nova caminhada. Vamos à luta de resistência!
- Eduardo Mourão Vasconcelos é Psicólogo e cientista político, professor da UFRJ, militante pela democracia, direitos humanos e sociais desde 1972, e mais tarde particularmente na luta antimanicomial
29/10/2018
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Hoje-amanha-e-sempre/4/42219
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