STF e Dodge têm consenso sobre Tratados da ONU acima da lei brasileira
- Opinión
No último dia 17, o Comitê Internacional de Direitos Humanos da ONU proferiu uma Liminar ao Estado brasileiro requerendo que o mesmo tome as medidas necessárias que garantam a candidatura de Lula, e sua participação, sem prejuízos, na campanha eleitoral, o que inclui acesso ao partido e à mídia.
Desde então, surgiram diversas reações que tentam minimizar o fato e a competência do Comitê. Pois bem, vamos aos fatos.
O referido Comitê foi criado por meio do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela XXI Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 1966. Este tratado internacional determina normas e valores para salvaguardar os direitos dos indivíduos dos Estados que facultativamente aderiram a ele, ou seja, o Brasil escolheu participar e ratificá-lo em duas ocasiões: em 1992, por meio do Decreto 592/1992 e, em 2009, por meio do Decreto legislativo 311/2009. Ao fazer isso, o Brasil incluiu-o em seu ordenamento jurídico com status supralegal, o que significa que está acima das leis ordinárias e abaixo da Constituição.
A Liminar (Interim Measure) expedida pelo Comitê da ONU está respaldada na Regra 92, do conjunto de normas da mesma, que tem o objetivo de evitar qualquer violência irreparável aos direitos do impetrante, que, no caso do Lula, refere-se à violência da proibição da sua participação equânime na campanha eleitoral e da possível impugnação de sua candidatura.
O Comitê tomou essa medida drástica porque desde 2016 tem acompanhado o processo judicial de Lula, a pedido de sua Defesa, aceitando-o formalmente neste ano, e diante das análises já efetuadas perceberam que há sim a possibilidade de que seu julgamento não tenha sido justo, mas parcial e de cunho político, no entanto, a decisão final ocorrerá só daqui alguns meses, após as eleições brasileiras, o que teria efeito inócuo, caso decidam favoravelmente à denúncia de que o ex-presidente tem sido vítima de decisões injustas impetradas pelo Estado brasileiro.
Percebam, portanto, que o Comitê tem o aval da ONU e do ordenamento jurídico brasileiro para apurar se o próprio Estado brasileiro tem cometido violações dos direitos civis e políticos, ou seja, trata-se de um órgão competente, representativo, porque foi eleito pelos Estados partes, e independente, que tem a máxima importância para evitar e denunciar injustiças institucionais cometidas pelos Estados partes.
Para que não reste dúvida, o próprio Supremo Tribunal Federal já afirmou a supralegalidade (qualidade do que está acima da lei) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos inúmeras vezes, tanto por meio de seus ministros como por meio da Sumula Vinculante 25, resultante de julgamentos que derrubaram a prisão de depositário infiel de nosso ordenamento jurídico exatamente porque tratados internacionais proíbem-na.
Desde então, embora antes já fosse costume, todas as decisões do STF obedecem rigorosamente a superioridade legal de tratados internacionais de direitos humanos. Seguem afirmações oficiais de alguns ministros do Supremo, a saber Cezar Peluso, Ellen Gracie, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski e, na imagem a seguir, do ministro Luís Roberto Barroso:
Além dessa afirmação, acima, o ministro Barroso, atual relator dos pedidos de impugnação da candidatura de Lula, escreveu, ao menos, dois artigos acadêmicos sobre o tema, nos quais reitera o enorme valor dos tradados internacionais, a saber: Constituição e tratados internacionais: alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno. (2008) e Constituições e tratados internacionais: alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno. (2013).
Ademais, Marco Aurelio Mello reforça afirmando que o tema refere-se à mais importante responsabilidade do juiz:
Presente esse contexto, convém insistir na asserção de que o Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das liberdades civis, das franquias constitucionais e dos direitos fundamentais assegurados pelos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil. Essa alta missão, que foi confiada aos juízes e Tribunais, qualifica-se como uma das mais expressivas funções políticas do Poder Judiciário. Juiz, no plano de nossa organização institucional, representa o órgão estatal incumbido de concretizar as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e reconhecidas pelos atos e convenções internacionais fundados no direito das gentes. Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição - e garante de sua supremacia - na defesa incondicional e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular.
É dever dos órgãos do Poder Público - e notadamente dos juízes e Tribunais - respeitar e promover a efetivação dos direitos garantidos pelas Constituições dos Estados nacionais e assegurados pelas declarações internacionais, em ordem a permitir a prática de um constitucionalismo democrático aberto ao processo de crescente internacionalização dos direitos básicos da pessoa humana. O respeito e a observância das liberdades públicas impõem-se ao Estado como obrigação indeclinável, que se justifica pela necessária submissão do Poder Público aos direitos fundamentais da pessoa humana. http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597891...." target="_blank">Relatório do Min. Marco Aurelio - HC87585/TO
Está mais do que comprovado que o STF reconhece os tratados internacionais de direitos humanos como, pelo menos, superiores as leis ordinárias. Cabe ressaltar que há um grupo, liderado pelo Ministro Celso de Melo, que defende um caráter ainda mais relevante aos referidos tratados: caráter constitucional.
A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, está alinhada com essa perspectiva e discorreu sobre no parecer acerca da constitucionalidade de candidaturas avulsas, sem partidos.
Além desse recente posicionamento, é fato conhecido que a Procuradora tem um histórico de defesa do cumprimento dos tratados e cooperações internacionais. Recentemente, participou da 120ª Sessão Ordinária da Corte Interamericana de Direitos Humanos, realizada na Costa Rica e destacou que o Brasil deve cumprir, em suas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos, conforme prevê a Constituição. E deve, inclusive, apoiar a criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos. Para a procuradora-geral, a celebração de tratados e o reconhecimento da jurisdição de tribunais internacionais, pelo Brasil, impõem ao país o desafio de buscar sempre uma sociedade livre, justa e solidária e o combate efetivo à pobreza e à desigualdade.
A PGR lembrou que o Ministério Público brasileiro atua em conjunto com os demais órgãos do sistema internacional de direitos humanos e com órgãos nacionais para a construção de uma sociedade inclusiva. Para Dodge, o desafio deste século é reconhecer a centralidade do tema e sua proteção na agenda dos estados. “A consolidação desses valores comuns é um processo em curso que se reforça continuamente na atividade dos vários órgãos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esse repertório de hermenêutica de direitos humanos tem revolucionado ordenamentos jurídicos, impondo modificações em condutas administrativas, legislações nacionais e mesmo interpretações judiciais internas”. (Site oficial do MPF - https://mpf.jusbrasil.com.br/noticias/524979206/sentencas-da-corte-inter..." target="_blank">aqui).
Os fatos são todos uníssonos ao afirmarem que o Judiciario brasileiro reconhece a supralegalidade do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e, portanto, a mesma legitimidade do seu Comite, portanto, não resta outra opção ao STF e MPF que não seja o deferimento da Liminar e exigir das instituições que a façam cumprir.
Qualquer outra decisão instalará uma insegurança jurídica internacional sem precedentes, que colocarão em evidencia o processo de falência de nossas instituições, desbocando em um possível colapso econômico. Ou seja, não se trata apenas de Lula e das eleições, trata-se da manutenção da legitimidade do Estado de direito e da democracia brasileira.
- Thaís S. Moya é socióloga, pós-doc em Ciências Sociais (Unicamp)
20 de Agosto de 2018
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