A tragédia do jornalismo neoliberal

17/08/2018
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O jornalismo escreve seu próprio obituario
Foto: Pixabay
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O problema dos jornalistas das Organizações Globo e similares não está nos conteúdos publicados ou nas opiniões que defendem. A liberdade de expressão, atendidos alguns pressupostos mínimos de respeito à dignidade humana, deve ser protegida.

 

O problema tampouco está nos argumentos utilizados pelos seus articulistas, eivados de lugares comuns e irracionalidades, quase sempre sem nenhum rigor formal e cujas conclusões raramente derivam das premissas. Não há nenhum problema nisso.

 

Tampouco é problemática a falta de embasamento técnico demonstrado em reportagens sobre assuntos mais complexos, como economia, meio ambiente, administração, direito e, agora, a contabilidade pública. O nível de conhecimento apresentado nessas áreas está em conformidade com o pensamento médio de grande parte da sociedade brasileira com acesso ao sistema de educação formal e que se abastece de informações periodicamente por meio dos jornais/revistas de grande circulação e dos telejornais. Até aí nada demais.

 

O jornalismo não cria conhecimento novo, apenas reproduz, em doses diárias e homeopáticas, e com superficialidade, o estado da arte dos saberes dominantes produzidos por uma boa parte da academia.

 

Onde estaria o problema? Ele parece estar no fato de seus articulistas acreditarem apaixonadamente no que escrevem e falam, ainda que isso implique altas doses de autoengano. Os conteúdos expressam aquilo que eles de fato pensam. Ao menos, na maior parte das vezes, não se trata de canalhice, de conspiração golpista, nada disso. Os textos e os discursos representam a mais completa tradução da visão de mundo de seus autores.

 

Indivíduos comuns, "gente como a gente", que buscam um lugar ao sol, um espaço digno em seus campos de atuação profissional, lutam por bons salários, crescimento na carreira, consagração e reconhecimento entre os pares.

 

Quanto mais acreditam no que defendem, mais úteis são para os veículos dos quais fazem parte, os grandes beneficiários do sistema que buscam perpetuar.

 

As grandes corporações da mídia são parte da infraestrutura (economia) e da superestrutura (ideologia). Talvez seja o setor em que ambas as características, infraestrutura e superestrutura, estejam mais claramente presentes. Portanto, além de ser um negócio como outro qualquer, que depende de vendas e lucro, é também parte interessada naquilo que publica.

 

Empresas jornalísticas possuem o álibi da objetividade e da neutralidade, o que mascara, como em nenhum outro setor, o fato de serem agentes autorizados para falar dos próprios interesses.

 

Imagine se a indústria do tabaco fosse o agente autorizado para formar opinião sobre os efeitos do vício de fumar? É o que acontece com a mídia. E, no fundo, os profissionais são tão dominados quanto aqueles que pretendem dominar. São soldados obedientes, esforçados, que exercem com bastante competência seus papéis de conservadores dos sistemas de dominação a que pertencem.

 

Por outro lado, o campo jornalístico é cada vez mais precário para quem nele atua. Seus porta-vozes também são, numa certa medida, vítimas de seus próprios discursos.

 

São profissionais cada vez mais terceirizados, mal remunerados, explorados e precarizados pelas gigantes do setor de comunicações. Vivem sujeitos a reestruturações, reengenharias e os famosos "passaralhos".

 

É certo que alguns profissionais tornam-se dominantes no campo e se confundem com a própria força econômica do setor. É o caso dos âncoras, dos editores-chefes e de todos os mandachuvas do campo. São minoria. E ainda assim, de tempos em tempos, são trocados, demitidos, substituídos, reciclados e reduzidos a uma quase caricatura do que um dia representaram.

 

No fim, somos todos descartáveis. Essa é a grande tragédia. O grande capital usa a todos. E a tudo descarta. 

 

- Ulysses Ferraz de Camargo Filho é “Sócio” desde 2018

 

17/08/2018

https://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-socio/a-tragedia-do-jornalismo-neoliberal

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/194786

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