Depois do golpe contra nossa democracia, o diálogo social está morto?
- Opinión
No Brasil, a democracia tem sido mais uma exceção do que a regra geral na relação dos governos com a sociedade. A baixa intensidade democrática revela a predominância da cultura autoritária, presente em mais de 4/5 de toda a história nacional.
Desde a transição do regime militar que havia durado 21 anos (1964-1985), as instituições e as metodologias de participação social foram sendo fortalecidas em todo o país. O estabelecimento do diálogo social entre governo e a sociedade civil, bem como a sua generalização demarcou o formato democrático voltado à construção de consensos nacionais que permitiram conciliar um conjunto de interesses heterogêneos no interior de uma estrutura social extremamente desigual.
Resultado disso foi a experimentação da fase mais longeva de democracia no Brasil, o que permitiu ser destacado no mundo como sendo uma das democracias mais jovens e pujantes. Sobretudo entre os anos de 2003 e 2015, a experimentação de mais de 100 conferências nacionais, estaduais e municipais com a participação de cerca de 10 milhões de participantes apontou para um conjunto de consultas, definições, monitoramentos e correções de políticas públicas em curso no país.
Além disso, outros formatos de diálogos sociais possibilitaram convergir para significativas mudanças no governo e no interior da sociedade em pleno contexto de elevação da coesão social, de distensionamento político e de colaboração no ambiente econômico. Todo esse ativo democrático recentemente conquistado foi abandonado de forma arbitrária e bruscamente com a ascensão do governo Temer.
Diante do veto ao diálogo social, o que passou a prevalecer foi a imposição autoritária. As reformas realizadas, que além de mal feitas se apresentam, contêm objetivos crescentemente contraditórios entre si, foram realizadas distantemente da aprovação da sociedade civil, revelando, portanto, a total desaprovação e descrédito do governo Temer.
Na realidade, a adoção do receituário neoliberal, que coloca equivocadamente como opção a relação entre Estado e o mercado, fez desmoronar as políticas públicas e enfraquecer as próprias forças mercantis, cada vez mais dirigidas por corporações transnacionais e suas associações internas. A ascensão autoritária e arbitrária do governo Temer impulsionado pelo condomínio de interesses dos privilegiados terminou por asfixiar o diálogo social e a impulsionar a ampliação dos conflitos, greves e a própria polarização social.
O atual conflito de proporção inimaginável gerado pela alta e escassez de combustível resulta simplesmente das opções do próprio governo Temer que adotou na Petrobras a lógica privada de comprar barato e vender caro, agrando acionistas minoritários, sobretudo estrangeiros. Com isso, a elevação da exportação de petróleo bruto, a substituição do refino do petróleo internamente pela importação de combustível dos Estados Unidos e a liberação dos preços em conformidade com os preços internacionais, acrescido pela variação cambial.
Apesar de diversas tentativas de diálogo social apresentadas pelas instituições representativas de trabalhadores e as empresas do setor, a Petrobras e o próprio governo Temer negaram-se ao exercício de uma necessária prática democrática. O que se assiste há mais de uma semana tem sido infelizmente, a decadência da nação, com inúmeros prejuízos ao conjunto da nação, com maior ainda sofrimento ao povo brasileiro.
A fundamental retomada do diálogo social dificilmente se estabelecerá, lamentavelmente, através de um governo com receituário neoliberal, ainda mais contando como presidente ordenador do golpe que abalou as instituições democráticas da nação. Por outro lado, o encaminhamento de maior autoritarismo ameaça as bases da democracia, lançando o país ao salve-se quem puder.
Outro rumo torna-se fundamental ao país. Mas para isso, somente pela via democrática, passível de recuperar a soberania popular por meio de eleições livres.
- Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.
28/05/2018
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