País vai viver tempo de radicalização

11/05/2018
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Ganhe quem ganhar a eleição presidencial, “vamos viver um momento de radicalização na sociedade muito difícil pela frente”. A avaliação é de João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em entrevista ao TUTAMÉIA.

 

Para ele, as eleições de outubro serão tão acirradas quanto o pleito de 2014. Há hipótese de a direita ganhar –o que seria mais difícil com Jair Bolsonaro. A eventual ida de Geraldo Alckmin para o segundo turno reuniria todos os setores conservadores. Diz João Paulo:

 

“Se eles ganham, vão ter muita força e vão vir para cima da esquerda. Se eles perdem, setores [de apoiadores] do Bolsonaro vão ficar com muita raiva. Eles não vão aceitar uma vitória, em especial se for do campo petista. Qualquer resultado das eleições dificilmente vai  diminuir a tensão que está na sociedade”.

 

Ele considera que a direita não vai fazer “malabarismos” e acabará fechando com Alckmin, apontado como figura mais confiável para esse setor. “O problema deles é como lidar com o Bolsonaro. Os tucanos têm mais bala para poder nos enfrentar. Do lado de cá, é Lulalá. Não tem plano B, é Lula mesmo”. Se a esquerdas seguirem com “os planos B que existem por aí, nós vamos ter dificuldade para ganhar as eleições. Vamos com Lula até os 47 do segundo tempo”, afirma.

 

João Paulo aprofunda a análise. Fala da verborragia dos conservadores (“Lula ladrão, o PT roubou, a esquerda não presta”) e assinala: “A direita esticou muito a corda. Como é que eles recuam agora? É muito difícil. Do outro lado, na nossa turma, houve um processo de politização muito maior hoje do que quando Lula ganhou do FHC”.

 

Marielle e trabalho de base

 

Lembra que os protestos contra os assassinatos de Marielle e Anderson foram os maiores do período. Assim, não serão aceitos retrocessos na questão racial, na luta em defesa das bandeiras feministas, dos LGBTs. Denominações neopentecostais enfrentarão resistência em pautas como aborto e casamento gay. “São temas novos, que vêm para a pauta com um nível de tensionamento. Não é nem mais capital e trabalho, reforma agrária e agronegócio. Há outros assuntos na pauta. Muita preocupação é que o lado de lá resolva radicalizar e ir para os finalmentes. Tipo dar tiro em acampamento”, afirma.

 

“A pergunta que eu faço é: como é que a esquerda vai resistir, seguir firme se não houver organização de massa de base? Não tem como. É impossível se fazer outra caravana Lula se não melhorar a organização de base, se não melhorar a relação com a periferia, com os trabalhadores e assim por diante. Vamos ter seis, sete candidatos do lado de lá; eles vão se reunir contra os do lado de cá. Do lado de cá, qualquer que seja a situação, nós vamos ter 40%, 45%, 47%, 48%. Não tem mudança. Tivemos três anos atrás a eleição da Dilma. Foi pesado ganhar aquela lá; agora não vai ser diferente”, diz.

 

João Paulo, 38, é agricultor, filho de agricultor assentado na região do Pontal de Paranapanema (SP). Seus pais acamparam em 1983. As terras foram conquistadas em 1985, na Gleba 15 de Novembro, entre Euclides da Cunha e Rosana, a 750 km de SP. A família tem um lote onde produz principalmente mandioca. Cria também pequenos animais, porco, galinha, peixe, carneiro. O assentamento tem 600 famílias. O pai virou militante do MST em 1985/1986. “Fui no congresso dos sem-terrinha em 1990”, lembra.

 

Perguntamos mais sobre a conjuntura. O que ele afirma:

 

Economia, Lula e Lava Jato

 

“Nós, do MST, procuramos analisar a realidade a partir de duas classes, a dominante e a dos trabalhadores. Avaliamos que o lado de lá, o lado golpista, o lado do bloco do poder, que atualmente está com Temer, tem muitos problemas. São três questões que estão colocadas como problemas para o lado de lá:

 

“Primeiro: o que fazer com o tema Lula. O lado de lá está com uma situação tão complicada quanto a nossa. Se mantiverem o Lula preso, é uma situação delicada; se eles soltam o Lula, o Lula pode ganhar essas eleições; se eles impedem o Lula de disputar, é um problema; se eles não fazem eleição, é um problema. Então eles estão avaliando o que fazer. Entre eles, há disputa sobre como tratar o Lula.

 

“O segundo tema é a economia. A economia não tem dado sinais de crescimento. Eles apostaram todas as fichas que, com a reforma trabalhista, com os ajustes ficais que seriam feitos, com as privatizações, poderia haver um aumento real dos investimentos no país. Isso não aconteceu. Os índices demonstram que o desemprego continua alto.

 

“Nós já vivemos isso no governo de FHC: os trabalhadores cobram caro nas urnas. Eles sabem que essa política não tem condições, com a situação de pobreza. Então eles têm um problema com a economia.

 

“E o terceiro problema que eles têm é a Lava Jato. A Lava Jato pegou muita gente do lado de lá, desmoralizou um número importante de liderança deles. O próximo da lista é o próprio Alckmin. O Aécio já foi, o Cunha…

 

“Então eles têm esses três problemas do lado de lá. Eles estão com muita dificuldade [para ver] como saem dessa sai justa.

 

“Do nosso lado, aqui no nosso bloco da resistência, tivemos alguns pontos em que chegamos bem até aqui”.

 

Unidade e resistência

 

“Ponto 1: unidade. As esquerdas se unificaram, e o melhor símbolo da nossa unidade foi São Bernardo do Campo no dia que o Lula se apresentou à polícia. Juntou todo mundo, todas as lideranças, foi uma demonstração da unidade política do campo popular. Temos divergências, mas alguns pontos unificam.

 

“Segundo elemento que tem de ser ressaltado foi a capacidade do Lula de fazer luta e de fazer resistência. O Lula resignificou o papel do PT. Se não é essa resistência do Lula, o PT estaria fora de combate. O Lula conseguiu reaglutinar um setor importante da militância social, com todas as dificuldades. A figura do Lula deu uma demonstração de que é possível fazer alguma resistência a temas importantes.

 

“O terceiro elemento, que não é menor, foi o assunto referente à resistência que tivemos a algumas políticas do governo Temer. A reforma da previdência não saiu porque nós resistimos, foi fruto de muita luta. Os projetos do governo na questão agrária, que é entregar o patrimônio nacional: queriam vender as áreas de fronteira, mesmo a regulamentação de terras por estrangeiros sendo barradas, tudo isso nós conseguimos [evitar] com muita luta. Muitas vezes essa luta não aparece nas ruas, nas greves, mas é uma luta difusa, na internet, setores que se posicionam –eles queriam privatizar a Renca, na Amazônia, e não conseguiram.

 

“Houve muita resistência nesse período, o que é importante”.

 

Projeto para o Brasil

 

“Quais são os nossos problemas?

 

“Problema número 1. O tema Lula é uma dificuldade, porque toda nossa estratégia, dos movimentos populares, do PT, é o Lula é o nosso candidato. Temos de levar isso até o final; não pode haver plano B, não pode haver meio termo, talvez… E já começa a ter dificuldade para manter isso. Quando o ex-governador Jacques Wagner diz, em uma entrevista: ‘pois é, tem de ver, talvez…’ Quando você pega ontem a entrevista do governador do Maranhão, Flavio Dino: ‘Talvez vamos de Ciro’… Já começa… Isso é um problema. Nós temos de manter essa posição política: o Lula é o candidato.

 

“Segundo componente: precisamos fazer lutas de massa antes de chegar o período eleitoral. Para que essas lutas? Barrar as reformas em curso no Congresso e lutar pela liberdade de Lula. Isso tem acontecido com muito pouca frequência. Tinha uma expectativa de que o 1º de Maio seria um grande 1º de Maio; não foi. Tinha uma expectativa de que, se o Lula fosse preso, as massas iriam se levantar… Levantou mais ou menos. Então nós temos esse componente da participação popular que está distante do que está acontecendo na internet… Essa é a nossa segunda contradição.

 

“E o terceiro elemento é a necessidade de construir, através da Frente Brasil Popular e das demais organizações, um projeto para o Brasil. Esse projeto, há muitas iniciativas. Na nossa avaliação, nós temos de diferenciar os programas eleitorais de cada partido com o projeto de Nação em curso. Nesse sentido, a iniciativa, muitas que estão acontecendo, são muito importantes, mas precisam dar visibilidade [ter visibilidade] na sociedade.

 

“Nosso campo progressista não pode ser só contra. Temos de ter propostas, mostrar do que somos a favor”.

 

Agronegócio e veneno

 

“Vou dar um exemplo de uma confusão boa que tem na esquerda: o que nós vamos fazer com o agronegócio? Qual a posição política para esse modelo econômico, que é um problema para o Brasil, porque ele envenena, ele depreda, ele não gera emprego, mas é o que traz receita para o Brasil do ponto de vista das commodities agrícolas. Nós temos de ter uma posição sobre isso.

 

“Segunda confusão: a criminalização da periferia, o genocídio da população negra. Qual vai ser a política de segurança? A esquerda tem de se posicionar sobre.

 

“O que nós vamos fazer em relação às políticas internacionais do Estado brasileiro? Como tratar o judiciário? São temos difíceis, nos quais nós temos de envolver a militância.

 

“Acho que nosso bloco da resistência tem de lidar com o tema Lula, com as lutas políticas e construir uma plataforma que possa servir de subsídio para o processo eleitoral mas que possa também dialogar com a sociedade, com o povo brasileiro”.

 

A entrevista prossegue abordando temas mais amplos. Fala João Paulo:

 

“Temos de discutir o modelo agrícola para o Brasil. Não confundir agronegócio e agroindústria.

 

“Agronegócio é um modelo ideológico, dos ricos, que tem como principal base a produção de commodities agrícolas para exportação. É diferente do conjunto das agroindústrias de médio porte, que produzem riqueza para o Brasil, que dão emprego etc.

 

“O agronegócio pega uma parcela muito pequena de grandes agricultores, que produzem basicamente soja. 70% é soja.

 

“Somos contra o agronegócio, que é uma política de cinco ou seis produtos para exportação.

 

“Agronegócio no Brasil é soja, cana de açúcar, eucalipto, carne e o milho. São esses cinco produtos que têm no agronegócio”.

 

De acordo com João Paulo, o governo Dilma, em 2016, emprestou em financiamento, plano safra, para o agronegócio, R$ 240 bilhões. Para a agricultura familiar como um todo, que produz 70% do que se consome neste país, o governo emprestou R$ 32 bilhões. “Dentro da agricultura familiar, o que é assentamento da reforma agrária, tivemos cerca de R$ 1 bilhão; ou seja, estou falando de 1 milhão de famílias assentadas que teve crédito de R$ 1 bilhão no ano, contra R$ 240 bilhões para o agronegócio. Não tem lógica”.

 

Segue: “Agronegócio tem as melhores terras do Brasil. Eles produzem em aproximadamente 60 milhões de hectares. O MST sozinho tem 8 milhões de hectares de áreas em que produzimos essa imensidão de produtos. No modelo agrícola que propomos não existe essa produção para exportação. Primeiro precisamos resolver o problema de produção para o mercado nacional.

 

“Somos contra produzir soja só para abastecer o mercado chinês, para criar ração para o gado deles. Tudo isso poderia ser convertido em proteína para abastecer o mercado nacional. A mesma coisa, a cana de açúcar.

 

“O principal problema causado pelo agronegócio é o problema ambiental, pelos venenos, e o processo de desmatamento. Agora querem fazer produção de cana na Amazônia. Tem um projeto de lei para abrir no Mato Grosso e no Pará. Nós achamos um equívoco.

 

“Se as áreas fossem destinadas para a reforma agrária, teríamos outra produção. Maior diversidade, geração de renda e de emprego no Brasil afora”.

 

É muita concentração

 

“O MST não tem problema com a produção em larga escala. Mas precisa respeitar a diversidade, precisa respeitar as leis trabalhistas –o que é um problemão, há muitos casos de trabalho análogo ao escravo, tem aqui em Ribeirão Preto.

 

“Por que plantar eucalipto? Nem sequer industrializa o papel… Sem contar os gastos de água.

 

“A receita das commodities não chega a R$ 250 bilhões (por ano) que o Brasil fatura. Então na balança comercial, fica elas por elas [considerando o empréstimo dado pelo governo ao agronegócio]. O modelo poderia ser substituído por outra plataforma em agricultura”.

 

É possível fazer uma reforma agrária?, perguntamos. João Paulo responde:

 

“Precisa ter um governo popular, com capacidade para enfrentar, e um pouco mais de coragem do que os governos que tivemos. Nós sempre tivemos sem terra, mas nunca tivemos condições de fazer a reforma agrária.

 

“O Brasil é um dos países com maior concentração de terra no mundo. Hoje está entre o quarto ou quinto de maior concentração de terra. Aqui, um por cento da população detém 46 por cento do território nacional. É muita concentração.

 

“A reforma agrária é muito barata. O governo já poderia ter feito, e não fez.

 

“Temos no Brasil aproximadamente 1,1 milhão de famílias assentadas (da ditadura militar para cá). O governo Lula foi quem mais assentou, quase 800 mil famílias foram assentadas, e o governo Fernando Henrique, cerca de 400 mil famílias.

 

“O governo Dilma foi um desastre total. Foi muito ruim para a reforma agrária.

 

“Temos terras suficientes para assentar mais um milhão, dois milhões de famílias, o que resolveria um passivo de distribuição de terra no Brasil com muita facilidade.

 

“O Brasil tem aproximadamente 850 milhões de hectares de terras. Hoje, nós só utilizamos 100 milhões de hectares; tem cerca de 450 milhões de hectares que são de reserva ambiental, e temos 200 milhões de hectares ociosos, só para a especulação imobiliária (herança, fazenda improdutiva…). Que tire 10 milhões de hectares, já resolve”.

 

Feira da reforma agrária

 

A conversa com João Paulo trata da recém encerrada 3ª feira nacional da reforma agrária, em São Paulo. “O elemento central do MST na reforma agrária é a produção de alimento saudável”, enfatiza. “A feira é para dialogar com a sociedade, é uma espécie de prestação de contas desses 34 anos de lutas e conquistas do MST. Conseguimos trazer uma bonita mostra do que se está produzindo por esse Brasil”.

 

Segundo ele, foram vendidos 420 mil quilos de produtos, de 1.530 variedades, de 24 Estados, 75 pratos diferentes feitos em 26 cozinhas. A feira teve 250 mil visitantes e cerca de 800 feirantes. Tudo foi feito pelos próprios militantes. “Nenhum serviço foi terceirizado. Da segurança, eletricista, até a limpeza, são todos militantes do MST”. No serviço médico atuaram 26 médicos do MST formados em Cuba. O evento também contou com seminários, mostra de artesanato, apresentações de 360 artistas e espetáculos com Otto, Ana Cañas, Martinho da Vila.

 

Otimismo

 

João Paulo fala dos desafios e erros da esquerda. Enfatiza a necessidade de maior contato com a juventude e de realização de um trabalho de base. “Não adianta você estar bem na internet. A organização popular não tem alternativa a não ser a própria organização. Não adianta fazer lista de zap para organizar os trabalhadores, lista de facebook. Não é assim. Você tem que conversar com eles, tirar coordenadores, tem que entender, tem que fazer parte”, declara.

 

Perguntamos se, no final das contas, João Paulo está otimista. Ele diz que sim. “O lado de lá tem mais problemas do que nós, e isso vai nos dar a possibilidade de avançar. A esquerda construiu nesses dois anos um nível de consciência política que não tinha construído nos últimos 10”, afirma.

 

9 de Maio de 2018

 

http://tutameia.jor.br/pais-vai-viver-tempo-de-radicalizacao/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/192804
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