Contra tiros, melhor defesa de Lula se encontra no apoio do povo
- Opinión
Os tiros que atingiram a caravana de Lula, ontem, devem inspirar uma reflexão demorada sobre um novo patamar atingido pela violência política no país. A segurança de Lula deve ser reforçada em todos os pontos. Medidas preventivas imediatas devem ser tomadas.
No plano político, a responsabilidade do governo federal -- que tem a guarda constitucional dos ex-presidentes da República -- deve ser ressaltada e cobrada. Um governo capaz de montar uma bilionária intervenção federal no Rio de Janeiro não pode ficar de braços cruzados nem fazer ares de surpresa diante da caçada contra o mais popular político brasileiro. Não tem o direito de fingir que não sabe o que está acontecendo.
O mesmo vale para os governadores de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná -- conforme denunciado com clareza por Paulo Frateschi, coordenador da caravana, que teve o lóbulo de uma orelha esmagado por uma pedra de miliciano fascista, aqui neste espaço.
É preciso ter clareza sobre o ponto principal, contudo. A mais eficiente forma de defesa de Lula reside na mobilização popular e no reforço de seus laços com o povo. Ali se encontra a força capaz de garantir sua proteção. Este é o ponto principal.
Em minha opinião, toda iniciativa, toda ideia, toda proposta de ação daqui para a frente deve estar subordinada a pergunta principal: será um estímulo a mobilização popular? Irá fortalecer -- ou não -- suas relações com os trabalhadores e a população explorada? Será corretamente compreendida pela maioria dos brasileiros, em especial aliados e apoiadores de Lula?
A importância da mobilização popular é uma lição que parecia sabida e compreendida por 100% dos brasileiros desde as fracassadas tratativas de se promover um acordo de cúpula com base na ilusão de que pretendiam impedir o impeachment de Dilma Rousseff.
Tanto que a célebre "voz das ruas" era um fator que costumava ser repetido de boca cheia -- e frequência até monótona -- nos últimos meses.
Não me recordo de uma liderança social -- ou mesmo blogueiro -- que tenha esquecido de encerrar os artigos e pronunciamentos com homenagens obrigatórias à "força das ruas". Uma verdade tão importante como essa não pode ser esquecida no primeiro susto. Nem depois dos primeiros tiros. A menos, claro, que nunca tenha sido mais do que simples retórica.
Sabemos que a resistência democrática entrou numa nova fase, marcada pelo desafio da violência aberta. Os riscos de um atentado a vida de Lula não podem ser minimizados nem por um minuto.
Neste momento, contudo, é bom não confundir causas e efeitos. Seria o mesmo que inverter papéis no momento atual.
Minha opinião é que os novos cuidados com a segurança de Lula não podem, em momento algum, levar a um enfraquecimento de suas ligações com o povo.
Iniciativa democrática numa região que tem como polo principal o Rio Grande do Sul, estado que o PT governou duas vezes, sem falar em inúmeras prefeituras, a caravana no Sul não é nem pode ser vista como a origem dos atos de selvageria criminosa dos últimos dias.
Para começar, sua realização faz parte dos direitos de reunião previstos no artigo 5 da Constituição.
As caravanas representam, desde sua primeira versão -- no Nordeste, em agosto-setembro de 2017 -- um esforço de mobilização da população para retornar a democracia e reforçar a única candidatura capaz de vencer o consórcio jurídico-midiático responsável pela decomposição de uma democracia duramente conquistada após 21 anos de ditadura militar.
A violência criminosa que emergiu nos últimos dias tem a marca registrada da velha elite colonial brasileira, inconformada com um possível retorno do país ao Estado Democrático de Direito.
Dentro e fora do país, seus políticos e estrategistas sabem que em torno de Lula se constrói o ponto de passagem para interromper o curso de uma agenda anti-popular e anti-nacional que se pretende enfiar goela abaixo do país desde a queda de Dilma Rousseff.
Nos últimos dias, ocorreram mudanças nesse caminho.
Ao colocar a liberdade de Lula como uma possibilidade concreta e imediata, desfazendo o projeto de um longo encarceramento que estava no roteiro da Lava Jato desde os primeiros dias, o habeas corpus obtido no STF na semana passada foi o primeiro sinal concreto de uma possível correção da situação política.
O permanente fortalecimento da candidatura Lula -- ainda um imenso desafio pela frente, sabemos todos -- representa um segundo passo na mesma direção.
Vem daí a explosão do inconformismo criminoso com a caravana, que mostrou a cara nos últimos dias. Assim como ocorria com as reformas aprovadas por Temer -- como o fim da CLT -- a eliminação política de Lula constitui o único fator que unifica a velha classe dominante brasileira.
Embora não faltem recursos, apoio externo, simpatia automática da mídia grande, está cada vez mais difícil encontrar um candidato viável para ir às urnas -- como se vê pela permanente multiplicação de pretendentes. A presença de duas possíveis candidaturas no governo Temer -- recordista universal de impopularidade -- demonstra que a divisão e luta interna atingiu um plano que seria risível, não fosse grotesco.
A ação das milícias ocorre neste ambiente. Elas são responsáveis pelo ambiente de insegurança no país -- não Lula. Elas devem ser investigadas e proibidas -- não a caravana. Em nenhum momento, muito menos numa hora como a atual, a distância entre verdade e mentira pode ser esquecida. Como aprendemos há meio século, na reunião ministerial que aprovou o AI-5, o caminho mais fácil para impor um regime tirânico é mandar "às favas todos os escrúpulos de consciência".
Deu para entender?
Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
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