Projeto de país social-desenvolvimentista – Parte II

08/12/2017
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Foto: Petrobras/EBC
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Como já faziam os economistas latino-americanos, teóricos do desenvolvimento, agora os estudiosos de Complexidade fazem uma abordagem estruturalista com uma metodologia mais atual e uma ampla sustentação empírica a partir da utilização de big data. Paulo Gala divulga o Atlas da Complexidade, elaborado pelo grupo de pesquisa do MIT, liderado por Cesar Hidalgo. Esses pesquisadores entendem a riqueza (e a pobreza) das nações a partir da ótica de domínio de conhecimento e tecnologia.

 

A partir da análise da pauta exportadora de uma determinada economia, esse grupo é capaz de medir de forma indireta a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo. Os dois conceitos básicos para se medir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade – particularidade daquilo que existe ou está praticamente na maioria dos lugares – e a diversidade de produtos encontrados na sua pauta exportadora. Se uma determinada economia é capaz de produzir bens não ubíquos, há indicação de que tem um sofisticado tecido produtivo.

 

O desenvolvimento econômico é tratado nessa perspectiva como o domínio de técnicas de produção mais sofisticadas. Isso levaria a maior valor adicionado por trabalhador.

 

A criação de produtos complexos requer grandes redes de relacionamentos, com interações internacionais entre as firmas de fornecedores e produtores integrados ao processo produtivo. São os componentes de um sistema econômico complexo. Extrativismos, em geral, não estão inseridos em redes de cadeia produtiva global. São produzidos em países pobres da África e América Latina exportadores de commodities.

 

Nessa perspectiva, a chave para o desenvolvimento econômico está na aquisição da capacidade de produzir e exportar bens e serviços complexos. É só isso? Essa é uma longa e velha discussão entre economistas estruturalistas que se atualiza agora com o debate entre novos-desenvolvimentistas e social-desenvolvimentistas.

 

De acordo com a consulta ao Atlas da Complexidade Econômica, realizada pelos primeiros, o Brasil de hoje é um país de complexidade bem menor do que era nos anos 1990. Esse diagnóstico é realizado a partir da análise da pauta exportadora do País, medindo de forma indireta a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo.

 

Em 1995, o índice estava em 0,67693, posição 29a. de um ranking com 125 países. Em 2012, o País despencou para 56º lugar em um ranking de 144 países com índice próximo de zero. Nesse diagnóstico novo-desenvolvimentista, o Brasil teria se tornado um país mais comum, com pauta exportadora de baixa complexidade, devido à desindustrialização, à doença holandesa e à reprimarização da pauta exportadora. Houve regressão da complexidade econômica brasileira.

 

Na visão economicista – a economia determinando diretamente a política – de alguns autores novos-desenvolvimentistas, “sob a ótica dos trabalhadores e empresas, o aumento de produtividade e complexidade permite aumentos relevantes e sustentados de salários reais, sem populismos [cambiais] que levam a descontroles fiscais e problemas no balanço de pagamentos” (Paulo Gala no seu blog em 20/08/2016).

 

Na visão social-desenvolvimentista, os vínculos entre complexidade econômica, instituições e desigualdade de renda que tornam relevante essa concepção de desenvolvimento. A estrutura produtiva de um país pode limitar seu alcance de bem-estar pela desigualdade de renda elevada pela emergência de algumas castas profissionais. Ela influencia as escolhas ocupacionais, as oportunidades de aprendizagem e o poder de barganha de seus trabalhadores e sindicatos. Em outras palavras, a inovação tecnológica e a industrialização fornecem novos empregos e oportunidades de aprendizado para os trabalhadores, contribuindo para o surgimento de uma nova classe média. Sem a massificação do ensino superior, para fechar o leque salarial, podem até elevar a desigualdade social.

 

A análise da associação entre a complexidade econômica e a evolução de instituições sugere que os países exportadores de produtos mais complexos tendem a ter níveis significativamente mais baixos de desigualdade de renda do que os países que exportam apenas produtos simples. O problema é que essa correlação pode ser espúria, isto é, complexidade, instituições e desigualdade podem variar ao mesmo tempo ou em conjunto com outros fatores econômicos, políticos e sociais que se relacionam. As interações entre todos esses componentes podem ser bem mais complexas e circunstanciadas histórica e estruturalmente – e não automáticas.

 

O social-desenvolvimentismo destaca interações entre diversos outros componentes para a emergência da economia brasileira contemporânea, entre os quais, as próprias políticas públicas desenvolvimentistas. Por exemplo, depois dos anos 1990, a produtividade (e competitividade) em agroindústria deriva muito da recuperação da Embrapa e do Banco do Brasil. Para a matriz energética diversificada, com “fontes limpas” como hidroelétricas e o biocombustível, e a extração do pré-sal, as empresas estatais foram (e são) imprescindíveis.

 

Os financiamentos dos outros bancos públicos

 

(BNDES e Caixa) são fundamentais para investimentos em infraestrutura, inclusive urbana. A nova classe média surgiu da política de salário mínimo real, formalização do mercado de trabalho, crédito para consumo, massificação do ensino superior etc. O bônus demográfico é fruto da elevação da escolaridade, esperança de vida, igualdade de gêneros com inserção das mulheres no mercado de trabalho etc.

 

O Brasil se tornou uma das maiores plataformas mundiais do agronegócio. Cerca de 80% da produção brasileira de alimentos é consumida internamente e 20% são embarcados para mais de 209 países em todos os continentes, demonstrando mais uma vez a importância do seu grande mercado interno. O desempenho das exportações do setor e a oferta crescente de empregos na cadeia produtiva devem ser atribuídos também ao desenvolvimento científico-tecnológico e à modernização da atividade rural. Ambos os fatores foram obtidos por intermédio de pesquisas e da expansão da indústria de máquinas e implementos. Em média anual, o agronegócio adiciona 20% do valor agregado total na economia brasileira. Não se pode negar que sua cadeia produtiva é complexa e com alta produtividade.

 

A diversificação e a sofisticação da pauta exportadora brasileira não se confundem com as de países pobres da África e América Latina exportadores de poucas commodities. Aliás, talvez a maior divergência entre os projetos de País por parte das duas correntes desenvolvimentistas, embora sejam aliadas em bons propósitos, se refere aos “novos” imaginarem “o que deveria ser” (um modelo a la Ásia “hacia afuera”), privilegiando tecnologia para exportação, e os “sociais” registrarem “o que é”: uma visão “desde adentro” para mostrarem a viabilidade de criação de um Estado de Bem-Estar Social.

 

 

A elaboração de uma estratégia para o desenvolvimento do País deve partir da análise da especificidade de sua inserção internacional. Sua estrutura produtiva é mais próxima da norte-americana do que de qualquer outro grande país em PIB, área e população, considerando a União Europeia como um todo. Haja visto que o consumo familiar aqui atinge 64% do PIB e lá, no país do consumismo, 69%. A absorção interna (soma de consumo, gasto governamental e investimentos) atinge o mesmo patamar da média mundial: 99,5% do PIB.

 

O Brasil, assim como os Estados Unidos, ambos têm menores graus de abertura externa ou são mais autossuficientes: a brasileira é apenas 2 pontos percentuais menor do que a norte-americana de 26,6% do PIB. A do Japão não está tão distante, mas as dos demais países do BRIC e a média europeia (84,4%) é muito superior por definição, ou seja, por causa do comércio entre países do mercado comum.

 

Quanto à estrutura produtiva, talvez devido aos distintos graus de urbanização, o que chama a atenção é o grande peso dos Serviços, tanto no mundo ocidental (Europa, Brasil e Estados Unidos), quanto no Japão. O país euroasiático (Rússia) está em uma posição intermediária, mas bem acima dos dois outros grandes países emergentes: Índia e China. O peso da indústria chinesa (40%) é um caso à parte: 10 pontos percentuais acima da média mundial e quase o dobro da participação da indústria no PIB dos Estados Unidos e do Brasil. O grau de urbanização da Índia ainda está em 33,5% de sua população de 1,282 bilhão de pessoas. Talvez por isso sua agricultura gera 17,4% do PIB, quase três vezes maior do que a média mundial. A brasileira está próxima dessa média.

 

 

É um falso debate o que coloca como alternativos o crescimento voltado para o mercado externo ou o direcionado para o mercado interno, quando ambos são complementares. Até mesmo pela localização geoeconômica no hemisfério sul e com vizinhos mais pobres – latino-americanos e africanos – do que os dos países do Norte, que negociam entre si com custos de transporte muito inferiores, não se deve tratar desiguais como iguais. Nem todos os países têm a necessidade de seguir uma mesma estratégia em busca de maior complexidade tecnológica. É um ideal, mas não um destino inexorável a não ser à custa de uma condenação a eterno subdesenvolvimento.

 

 

Exemplo disso é a maneira de tratar a tecnologia dominada pela Petrobras para extração de petróleo em águas profundas, abaixo da camada do pré-sal. Os social-desenvolvimentista viram-na como uma oportunidade, os novos-desenvolvimentistas como uma desgraça pela provável contaminação da chamada “doença holandesa”.

 

Segundo estimativas da COPPE-UFRJ, o país tem potencial para expandir suas reservas em 55 bilhões de barris de óleo equivalente com a exploração das reservas do pré-sal. Nesse cenário, o Brasil pode se tornar a nação com o maior aumento de reservas até 2020, passando da 15a. para a 8a. colocação no ranking mundial de reservas de petróleo.

 

O País já está autossuficiente em petróleo, mas na próxima década poderá se tornar um grande exportador. Em vez de encarar isso como uma fatalidade no sentido de apreciar a moeda nacional e tirar competitividade das exportações industriais no estado-da-arte tecnológica, os social-desenvolvimentistas acham que o País poderá se prevenir com uma vacina contra doença holandesa a la Noruega. Ela usou seu Fundo Social de Riqueza Soberana (FSRS) para resolver seu problema de déficit previdenciário. Aqui, a herança legal deixada pelo governo de hegemonia trabalhista foi usar o FSRS para Educação (75%) e Saúde (25%), ou seja, para melhorar o bem-estar social de sua população.

 

A corrente novo-desenvolvimentista prega um choque cambial como panaceia contra a desindustrialização corrente. A corrente social-desenvolvimentista é crítica dessa receita contra “a doença holandesa”, por causa de seus efeitos colaterais: choque cambial-choque inflacionário-conflito distributivo-choque salarial-choque no custo de insumos importados-espiral preço-salário-anulação de eventuais efeitos competitivos benéficos à indústria brasileira.

 

Concordamos sim com o caminho apontado pelo Paulo Gala no último capítulo de sua importante obra de divulgação “Complexidade Econômica: Uma Nova Perspectiva para entender a antiga questão da Riqueza das Nações”: investimentos em capital humano, educação voltada para tecnologia, know-how tácito e conhecimento produtivo, investimento público em sistema nacional de inovações. Enfim, temos acordo quanto à adoção de uma política industrial para o século XXI, de modo a construir complexidade que leva às instituições propícias à luta pela diminuição da desigualdade social.

 

 

Leia também: Projeto de país social-desenvolvimentista – Parte I

e Projetos de país: neoliberal e novo-desenvolvimentista e social-desenvolvimentista

 

- Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-Unicamp. Autor de “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012), ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2007). É colunista do Brasil Debate

 

http://brasildebate.com.br/projeto-de-pais-social-desenvolvimentista-parte-ii/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/189738
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