A pós-verdade, o nazismo e a mídia
- Opinión
Circula pelas redes sociais um post do MBL que iguala o nazismo à esquerda. Nos EUA, a extrema direita também trabalha tal ilusionismo. É o reino da pós-verdade, Donald Trump é a expressão máxima dessa onda. Cria fatos falsos a cada pronunciamento, enquanto dá cada vez mais espaço e visibilidade para produtores de pós-verdade se estabelecerem no cenário midiático norte-americano como legítimos empreendimentos jornalísticos.
Não à toa, há suspeitas de conexões concretas entre aqueles que bancam a pós-verdade no norte e nossos exemplares aqui do sul, que hoje são uma legião. Confiram na webpage Burgos Media Watch o ranking das páginas de Facebook mais compartilhadas: só prospera a direita da pós-verdade. Aquelas que produzem notícias falsas sobre Lula, PT, CUT, MST etc. Lembram-se da notícia de que o Lulinha era o dono da JBS? E a morte por envenenamento do doleiro Alberto Yousseff no domingo do segundo turno?
A impressão geral passada pelos analistas de plantão é que entramos de maneira acelerada no domínio da pós-verdade. Mas tal visão, como tantas outras feitas no calor da hora, são mais produto de vertigem do presente do que de análise detida dos fatos.
Enganam-se aqueles que imaginam ser a pós-verdade uma invenção pós-moderna, do mundo atual das redes sociais. O nazismo, que ganhou grande visibilidade nos EUA com o apoio do presidente Trump, chafurdava na pós-verdade. A ditadura brasileira, de certo modo, também. Na realidade, o conceito mesmo de pós-verdade é por demais simplista, pois é baseado em uma oposição dicotômica entre verdade e mentira.
Ainda que tal dicotomia tenha um apelo cognitivo forte, ele não resiste a uma análise um pouco mais profunda. Primeiro, da maneira como é posto, ele acaba por produzir a ilusão de que a mídia tradicional é o império da verdade. Nada mais falso.
Segundo, ao fazer isso ele apaga o viés político que a mídia imprime às notícias, por meio de estratégias de enquadramento e agendamento. A ironia é inescapável, o conceito de pós-verdade é ele mesmo pós-verdadeiro.
Há, no entanto, um efeito político do conceito de pós-verdade ainda pior. Ao se conquistar um espaço na mídia e, consequentemente, no espectro ideológico, ocupando a direita, os agentes da pós-verdade não somente investem a mídia conservadora de legitimidade, mas também empurram o espectro restante para a direita. A mídia oligopolista desliza para o centro e a centro-esquerda é empurrada mais à esquerda, ficando comprimida no canto radical do espectro.
Precisamos ser um pouco cautelosos em relação às modas conceituais que propalam o advento de um mundo novo. É a velha vertigem do presente, que assola geração após geração. Precisamos reconhecer que as posições antiesquerda, antipopulares, antipetistas e racistas dos sites e blogs da pós-verdade têm uma forte solução de continuidade com as posições da grande mídia. Tais ativistas são somente a franja mais estridente de uma mesma posição, antirrepublicana, demófoba e antinacional.
- João Feres Júnior é Professor de Ciência Política do IESP-UERJ, o antigo Iuperj. Coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP), que abriga o site Manchetômetro (http://www.manchetometro.com.br) e o boletim semanal Congresso em Notas (http://congressoemnotas.tumblr.com)
21/08/2017
https://www.cartacapital.com.br/diversidade/a-pos-verdade-o-nazismo-e-a-midia
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