Erramos: uma entrevista sobre os deslizes do jornalismo

29/05/2017
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A

Ombudsman da Folha e editor do Nexo são entrevistados 72 horas após a revelação da conversa pouco republicana entre Temer e o empresário Joesley Batista. No centro do debate: quando o jornalismo erra

 

Setenta e duas horas após a revelação do site do jornal O Globo que noticiou uma conversa pouco republicana entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS, o repórter da Agência Pública Lucas Ferraz se reunia com a ombudsman da Folha de S.Paulo, Paula Cesarino, e o editor do Nexo, João Paulo Charleaux, para uma entrevista no quente dos acontecimentos que convulsionou o país.

 

Se o “erro é da natureza do jornalismo”, como afirmou Cesarino, como é possível reduzir a possibilidade de errar? Qual o impacto que as decisões tomadas nas redações têm na sociedade e qual é o papel do jornalista ao enfrentar os erros?

 

“A mesa é sobre erros, imprecisões… tudo que está nesse guarda-chuva. Acho que sempre que a gente fornece mais informação e é mais preciso, a gente reduz o risco de errar”, diz Charleaux, que organiza no Congresso da Abraji uma mesa sobre erros na profissão. Como não poderia deixar de ser, a cobertura da Operação Lava Jato pela imprensa foi um dos pontos altos da entrevista realizada na Casa Pública, no Rio.

 

Os principais trechos você lê a seguir.

 

 

O jornalista Lucas Ferraz (à esquerda), da Agência Pública, mediou o debate entre Paula Cesarino e  João Paulo Charleaux (Foto: Iuri Barcelos/Agência Pública)

 

Lucas Ferraz  ̶  O país teve uma revelação bombástica, feita pelo Lauro Jardim na quarta-feira, dia 17 de maio. Depois, quando as informações começaram a sair, causou uma enorme polêmica a frase citada na matéria: “Tem que manter isso aí”. O áudio da gravação, revelado depois, mostrou que não era bem assim o diálogo entre Temer e Joesley da JBS. Então, queria iniciar essa conversa sabendo o que vocês acharam dessa matéria de O Globo e os seus desdobramentos.

 

João Paulo Charleaux  ̶  Eu trabalhei nesse assunto e ficou forte para mim a cronologia. Muito se falou quando surgiu a informação de O Globo e, depois, do Jornal Nacional de que a gravação continha declaração do Joesley dizendo que pagava uma espécie de mesada a Eduardo Cunha na cadeia e que Temer respondeu: “Tem que manter isso aí, viu?”. Essa era a única informação disponível no momento. Era um furo de O Globo. E foi com base nisso que aquela noite transcorreu. O Temer, quando fez o discurso dizendo que não ia renunciar, começa dizendo que não teve acesso à gravação. A fonte era, até então, uma só. Só depois é que aparece o áudio que, efetivamente, não fala na palavra mesada, na palavra dinheiro, propina… É um diálogo muito menos assertivo, o que fez com que a Folha de S.Paulo dissesse que era um diálogo inconclusivo. A pergunta que a gente se fazia era: de onde veio essa constatação inicial tão forte de que se tratava de um relato de dinheiro? Era uma interpretação de quem? Só então veio o documento da PGR, onde no início se diz que aos 11 minutos e não sei quantos segundos existe um diálogo entre Joesley e o presidente Michel Temer… e aí o procurador preenche as lacunas e afirma que esse trecho do diálogo diz respeito ao pagamento mensal de dinheiro pro Cunha etc. e tal.

 

Aparentemente, a informação que o Lauro Jardim tinha era essa, e não o áudio. Portanto, o que ele reportou, do meu ponto de vista, foi essa constatação da PGR. Agora quem é a PGR? Ela é que pede a abertura da investigação, ela é que está na parte acusatória. Frequentemente isso vem com essa força, né?

 

A mesa é sobre erros, imprecisões… tudo que está nesse guarda-chuva. Acho que sempre que a gente fornece mais informação e é mais preciso, a gente reduz o risco de errar.

 

Lucas Ferraz  ̶  Paula, você acha que o Lauro Jardim poderia ter sido mais cuidadoso na divulgação dessa primeira reportagem?

 

Paula Cesarino Costa  ̶  Não é meu papel julgar o Lauro. A minha impressão é que em todos esses casos o que é fundamental é passar para o leitor o que você tem, de onde vem a informação e qual é a abrangência dela. A impressão que você tem no caso do Globo é que, de fato, ele tinha uma parte da história, mas não tinha a história toda. Precisava ter ficado claro que aquela história era uma parte dela. Em nenhum momento se diz assim: “O Globo não ouviu o áudio”. Esse cuidado era decisivo. Por que isso leva o leitor a poder julgar. Então, eu posso pelo menos ter o direito à dúvida de que essa informação é exatamente nesse sentido. Os jornais têm que cada vez mais criar mecanismos de como receber essas informações, processá-las e passar para o leitor.

 

Você tem o desafio da concorrência. Será que você precisa colocar imediatamente e mais rápido que os outros? Sem ter lido, sem ter o mínimo de reflexão, de calma? O que é melhor para o leitor? É ter uma informação mais rápida, mas menos precisa? Ou você ter um pouco mais de tempo para poder dar uma informação de maior qualidade?

 

No caso específico, o que me estranhou é a reação rápida com que colunistas, jornalistas e mercado condenaram o Temer, já pedindo a renúncia. Foi um caso um pouco surpreendente. E, no dia seguinte, você começa a ter uma reversão porque as pessoas começaram a ouvir. “É, não é bem assim”; “Será que é?”. Mas ao mesmo tempo não dá para você voltar tudo para trás. Tem uma gravação, tem um encontro de um presidente no subsolo de um palácio. Então, assim, não dá nem para condenar o Temer imediatamente nem para dizer que não tem nada. Acho que a dificuldade dos jornais foi conseguir organizar todo esse material.

 

Lucas Ferraz  ̶  A gente tem acompanhado uma dependência muito grande dos jornalistas e dos jornais pelos documentos, por aquilo que é vazado ou repassado pela investigação. O que eu queria saber é quais são os erros de procedimento no caso da Lava Jato nos últimos anos.

 

Paula Cesarino Costa  ̶  Primeiro, a sensação de que os jornalistas esquecem que o Ministério Público é parte. É uma parte da história. Você tem quem acuse, você tem quem defende. Os jornais comem muito na mão do MP. E, como as informações não são dadas oficialmente, são passadas em off, torna a situação pior ainda. Então, uma das falhas é acreditar de mais sem questionar o MP, a qualidade daquelas informações, as contradições e falhas. Acho isso um dos pontos principais.

 

João Paulo Charleaux  ̶  A Lava Jato é muito nova e não tem paralelo. Numa circunstância normal, se uma pessoa tão importante quanto o dono da JBS chega e diz para a Justiça, que é um órgão que tem fé pública: “Eu dei dinheiro para o presidente da República”, normalmente você notícia com a gravidade que isso tem.

 

O problema é que isso está acontecendo todo dia. E o problema é que o próprio mecanismo da delação premiada, pelo que vai se descobrindo, premia o exagero, aparentemente.

 

Toda vez que um relato é realmente espetacular, aquilo é muito atrativo para a acusação. E, evidentemente, para o leitor através da imprensa. Todo mundo se seduz por uma narrativa espetacular que envolve corrupção de uma pessoa importante no governo.

 

Então, isso sai com a força que tem e é difícil de conter. Agora, onde é que entra a importância da edição jornalística da coisa? É situar isso no contexto geral. Qual etapa da investigação está? Quem diz isso? Qual o papel do MPF no processo? Qual é o papel do procurador?

 

Quando o Lula senta na frente do Sergio Moro e fala por cinco horas, e o jornalista reportar aquilo construindo a versão da defesa e colocando os furos que possa ter, as críticas que são feitas. Da mesma forma, quando sai a delação. Para tentar criar um equilíbrio. Não é o papel da imprensa dizer qual dos dois lados vai ter a razão. Isso é um papel da Justiça e depois, lendo o jornal, de cada leitor.

 

Paula Cesarino Costa  ̶  Além disso, e serve para qualquer situação, é você ouvir os vários lados de uma história ̶ não apenas protocolarmente, mas ver o que eles têm para te trazer de informação e, eventualmente, mudar o rumo da sua reportagem.

 

O que acho uma das falhas de procedimento nesse caso da Lava Jato? São tantas informações que no mínimo, periodicamente, os jornais têm que fazer pequenas análises do que já saiu. A Folha até fez, por acaso, uma reportagem que mostrou as contradições e erros de algumas delações. Isso é meio óbvio. Não é possível que você tenha 60 e tantos delatores e o jornal esteja publicando diariamente cinco, sete, dez matérias, dez acusações, 10 outros lados, e não se consiga fazer um balanço, uma análise do que de fato existe. Quantas delações ou pré-delações foram feitas há um ano? E, houve contradição depois? Pouco se mostrou nesse sentido. Por exemplo, você pega o caso do Renato Duque. Agora, depois de três anos preso, ele voltou a falar e acusou o Lula de algumas coisas. Estranho! O sujeito foi preso há três anos e agora está dando um depoimento e resolveu falar? A imprensa tem que ter mais desconfiança. É saudável a desconfiança do que a Procuradoria fala e do que a defesa fala. E tem que tentar mostrar em coisas reais.