Política urbana como estratégia de enfrentamento da crise
- Opinión
Ao contrário do que muitos pensam, os governos locais possuem grandes instrumentos para enfrentar situações de crise econômica como a que assola o país. Para tanto, é preciso superar a excessiva dependência dos governos federal e estadual. Neste ponto, a política urbana surge como um instrumento rico em possibilidades, tanto no que se refere a novos investimentos, como na qualificação ambiental da cidade e no fomento à inclusão social.
De fato, com um sistema tributário como o brasileiro que concentra a arrecadação nos Estados (ICMS) e na União (IR, IPI, ITR e Contribuições), qualquer ajuste fiscal adotado pelos citados entes de poder impacta diretamente na vida das administrações municipais. Trata-se de um prejuízo grave. Embora os destinos do país sejam decididos em alta escala, é nas cidades que ocorre a vida das pessoas.
Em situação semelhante à observada em Porto Alegre na década de noventa do século XX, muitas cidades europeias renasceram com a participação social. Hoje a principal referência é Madrid, capital da Espanha, um país afundado numa crise fiscal gigantesca e com elevada taxa de desemprego. Mesmo assim, a cidade espanhola tem investido em projetos de requalificação urbana com corte claramente socioambiental e inclusivo. A ponte para isto é a participação ativa da população no processo de decisão.
Fomentar a participação social sempre traz vantagens para a municipalidade, pois além do diálogo direto com a população, há uma melhor aplicação dos recursos cujo destino é decidido com base nas demandas reais dos cidadãos e das cidadãs. A transparência e a fiscalização direta reduzem a possibilidade do desvio de finalidades ou de receitas.
Mas o rico acervo de instrumentos do planejamento urbano é a maior fonte de alternativas para as cidades. Inicia-se com uma série de mecanismos para a regularização fundiária, passa pelo combate à retenção especulativa do solo e termina com a possibilidade do fomento a investimentos e atração de receita.
A regularização fundiária é sempre um caminho para promover uma cidade inclusiva. Todavia, é também uma fonte de receitas públicas e de busca investimentos pela administração. Uma cidade irregular é uma cidade pobre, onde poucos ganham com a manutenção dos ilícitos e todos perdem com a ausência de receitas e de infraestrutura. Neste sentido, promover a regularização fundiária permite à cidade andar para frente, criando todo um mercado para as pequenas obras, fazendo circular a moeda no microcosmo do bairro, além de gerar receita pela arrecadação de tributos e tarifas. O cidadão e a cidadã que tem certeza do título da sua terra investe na melhoria do bairro plantando árvores, ampliando as casas, abrindo novos horizontes para a cidade. Regularização fundiária é, portanto, um ótimo trilho para aquecer a economia dos municípios.
Entretanto, nada adianta promover a regularização fundiária sem o combate à retenção especulativa dos imóveis. O imóvel que não cumpre a sua função social encarece os preços das cidades, enfraquece a economia e desqualifica os espaços urbanos. É preciso combater a retenção especulativa, seja com o uso compulsório dos imóveis, seja com a desapropriação, seja com incentivos ao investimento produtivo. Às vezes a administração perde com a redução de impostos em zonas deprimidas economicamente (como o ITBI, por exemplo), mas ganha com a circulação de mercadorias e serviços. Sé é evidente que renúncia fiscal é sempre a opção menos interessante para a gestão pública, nada justificativa a não utilização dos outros instrumentos de combate à especulação reconhecidos por Lei e pela Constituição.
O planejamento urbano também permite o fomento ao investimento direto, o que sempre é uma vantagem para a economia local. E aqui é possível ir além de simples projetos de requalificação e revitação de espaços por meio de operações urbanas consorciadas. Tal instrumento é compatível, inclusive, com a regularização fundiária, abrindo espaços para o investimentos.
A outorga onerosa do direito de construir e a transferência de potenciais construtivos também permitem modificar a realidade das cidades. Nunca podemos esquecer que a Prefeitura de Porto Alegre construiu a Terceira Perimetral basicamente com recursos de outorga e transferência, dando uma nova dinâmica à cidade.
Portanto, as cidades podem avançar sem depender das outras esferas de governo, desde que, para tanto, exista uma boa estratégia de política urbana e legitimidade social.
Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.
https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2017/05/03/2501/
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