Soberania, inclusão e desenvolvimento

Um projeto para o Brasil

07/04/2017
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Quem se der ao trabalho de pesquisar os meus discursos nesta Casa, quer no primeiro mandato, entre 1995 e 2002, quer nesses últimos seis anos, vai identificar a minha obsessão por formular e construir um projeto para o Brasil. Em cada um desses pronunciamentos revelo a minha angústia por ver um governo atrás do outro correr atrás de seu o próprio rabo.

 

Um governo atrás do outro abatido, subjugado pela macroeconomia de curto prazo. Um governo atrás do outro enrolado em pacotes, em medidas de impacto, em atalhos emergenciais, em desonerações fiscais. E isso e aquilo.

 

Pois bem, hoje, ainda mais uma vez, volto ao tema um projeto para o Brasil. Mas, antes, quero percorrer com as senhoras e os senhores os meandros do debate nacional sobre a busca de um Projeto Nacional.

 

Primeira constatação: na atualidade, nestas década e meia do século XXI, não há sintonia entre os pensadores quando se procura definir o que seria um projeto de longo prazo para o país.

 

Falta uma visão geral, pelo fato de que as ideias destes intelectuais se encontram encapsuladas dentro dos seus nichos de interesse e estão muitas vezes também presas aos discursos do “politicamente correto” ou a medidas emergenciais.

 

Hoje, diferentemente, da primeira metade do século passado, os intelectuais pensadores do Brasil não conseguem raciocinar holisticamente, ficam presos a particularismos.

 

Podemos dividir esses pensadores em quatro grupos:

 

No primeiro grupo estão os Sociólogos da Inclusão. Isto é aqueles que consideram que a principal responsabilidade do Estado é com a inclusão social e regional.

 

Entram aí alguns sociólogos de esquerda, movimentos sociais e toda aquela legião de pensadores que, até a pouco, divulgavam que o Brasil estava se transformando em um país relativamente menos injusto, e que não admitem o retrocesso de nenhum direito conquistado.

 

No segundo grupo estão os Economistas do Estado Indutor, que definem uma política de câmbio mais agressiva, com maior desvalorização da nossa moeda, menor rigor fiscal, maior tolerância com a inflação e a defesa de juros mais baixos.

 

Com diferentes ênfases nestas ações, mas com convergência no ataque aos recentes apelos ajuste fiscal, eles são encontrados nos cursos de economia ligados à Universidade de Campinas e à Universidade Federal do Rio de Janeiro. A Unicamp vai além, defendendo também o desenvolvimentismo social.

 

No terceiro grupo temos os Economistas do Estado Condutor, que também defendem uma política de câmbio mais agressiva, com maior desvalorização do real.

 

Eles são também críticos em relação à política monetária; são contra os juros altos, mas entendem ser importante a ação do Banco Central na utilização da taxa de juros para o controle inflacionário; e defendem limites para os gastos públicos, acompanhando a inflação e o crescimento do PIB.

 

Esses economistas enxergam ainda os salários como componente de produtividade e advogam gastos públicos para investimentos, não para despesas correntes. Eles estão mais presentes na Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

 

Entre os Economistas do Estado, tanto aqueles do Estado Indutor como os do Condutor, existem ainda os que propõem políticas fiscais contracíclicas – isto é, que sejam restritivas em tempos de crescimento e expansivas em tempos de recessão, mas sem engessar a política fiscal.

 

Por fim, no quarto grupo, temos os Desenvolvimentistas, onde se incluem herdeiros das tradições do ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) dos anos 50 e dos formuladores dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, que acreditam que um país só se realiza se dispuser de um Projeto Nacional.

 

Neste Projeto Nacional, juntam-se políticas industriais, diplomacia, defesa, industrialização, uso estratégico do mercado interno, parceria com grupos nacionais, tudo decorrente de um planejamento de Estado, coercitivo para o setor estatal e indicativo para o setor privado.

 

Para os Desenvolvimentistas, a questão social fica em segundo plano, como uma espécie de consequência natural do desenvolvimento industrial.

 

Não por outro motivo, a fase de industrialização brasileira – especialmente no período militar – foi marcada por uma grande concentração de renda.

 

Considero, senhoras e senhores senadores, que nenhum desses quatro grupos, hoje, consegue definir um modelo sistêmico de desenvolvimento que possa resultar em um exitoso Projeto Nacional.

 

No entanto, a partir da década de trinta do século passado, isso foi possível.

 

Industrialização, urbanização e integração do território nacional eram os eixos daquele projeto, acompanhados pela intervenção estatal na economia toda vez que o setor privado se demonstrasse incapaz de vencer os gargalos que a economia apresentava.

 

Este projeto foi razoavelmente bem-sucedido até 1980.

 

Os quatro grupos nomeados apresentam, cada qual, sua idiossincrasia e necessitam ou a visão completa da realidade ou a readequação à contemporaneidade.

 

Muitas fórmulas vitoriosas nas cinco décadas que se seguiram à Revolução 30 não seriam mais únicas em um país que encontrou a importância da melhor distribuição de renda como fator de construção da cidadania e do mercado interno.

 

Mas, sua concepção macro não se perdeu no tempo. Já que a indústria ainda é o motor do desenvolvimento. A urbanização traz consigo menores gastos sociais. A integração do território gera infraestrutura e vice-versa.

 

A ação estatal na economia é instrumento central para o desenvolvimento das nações.

 

Assim sendo, há alguns pressupostos para o desenho de um novo projeto de país, uma espécie de roteiro, que são premissas que se apoiam no passado, inclusive no passado recente, que se refletem no presente e se projetam para o futuro.

 

O primeiro pressuposto é que se constituiu, ao longo dos últimos anos, uma enorme dívida pública que inviabiliza qualquer ação estatal que necessite de investimentos e que poderia servir e ter êxito na solução dos entraves para promover o desenvolvimento do país.

 

O segundo pressuposto é que no século XXI houve uma melhor distribuição de renda, resultado da implantação de políticas sociais, possibilitada, também, pela melhor relação de trocas no comércio internacional, que elevou o preço das commodities.

 

O terceiro pressuposto é o fato de o país ter integrado ao litoral significativa parcela de seu interior, tendo até deslocado sua capital federal a mais de mil quilômetros da costa.

 

O quarto pressuposto é que o Brasil conta com uma indústria, ampla e diversificada, a mais completa do Hemisfério Sul e da América Latina.

 

O quinto pressuposto é o Brasil ter se transformado em um país urbano. Mais de 84% de sua população vivem em aglomerados urbanos e mais de 45% moram em grandes metrópoles.

 

Vamos agora analisar cada um dos cinco pressupostos:

 

1º. O Brasil possui uma enorme dívida pública

 

Toda a orientação da politica econômica recente tem sido no sentido de criar o impossível, ou seja, criar as condições de se honrar a enorme dívida pública, contraída ao longo dos anos e maximizada no último quarto de século.

 

Esta enorme e impagável dívida pública, ao invés de se tornar um impedimento ao exercício da ação estatal, via ajuste fiscal e cortes orçamentários, deveria ser vista como um elemento promotor de investimentos, pela sua ordenada e planejada alocação na atividade produtiva.

 

Tal modificação de enfoque é a chave para o sucesso de qualquer projeto de longo prazo para o Brasil.

 

Os instrumentos fundamentais para a construção desta enorme dívida pública foram, nos últimos anos, as sucessivas desonerações do capital acompanhadas por uma política econômica que não enfrentou as questões do câmbio apreciado e dos juros escorchantes.

 

Mantém-se um errôneo modelo que dá toda a liberdade para o capital e que pratica a mais alta taxa de juros do planeta.

 

Essa liberdade e os juros atraem capitais voláteis que promovem a apreciação cambial e a perda de competitividade da produção interna.

 

Por isso, a construção de um projeto nacional exige câmbio competitivo e controlado, uma nova política monetária que traga os juros aos níveis internacionais e a troca da lógica da atração da poupança externa pela enorme poupança interna, que será liberada pela conversão da dívida pública em investimentos.

 

2º. O Brasil precisa melhor distribuição de renda

 

A primeira década do século XXI demonstrou que a melhoria na distribuição de renda, através de políticas sociais, pode ser uma peça importante no processo de desenvolvimento do país. Contudo, ela tem de ser permanente e baseada em fatores internos e não sabor da alta internacional das commodities.

 

O reconhecimento constante do fator trabalho, no processo, deve ser buscada através de uma política que valorize o emprego, o salário mínimo e as relações trabalhistas. Este é um instrumento importante de distribuição de renda.

 

Contudo, um dos elementos centrais para a melhoria permanente na distribuição de renda é a construção de um sistema educacional que garanta, no mínimo, uma década e meia de bancos escolares à população e que vocacione a maior parte dos formandos para as ciências naturais e engenharia.

 

A reformulação de currículos, a valorização do magistério, o fomento à pesquisa científica precisam ser pilares neste modelo de educação em massa.

 

Montar uma economia não dependente da mão-de-obra barata para ser bem-sucedida, exige um novo tipo de trabalhador, um trabalhador educado e com maior renda.

 

3º. O Brasil precisa integrar seu território

 

Todo o esforço de construção da infraestrutura do Brasil, no último século, foi incapaz de prover acesso dos meios modernos de logística à metade do território nacional. Isto se deve, entre outros fatores, ao desprezo ao planejamento da ocupação do território, a não priorização de recursos para a infraestrutura e a excessiva prioridade concedida ao modal rodoviário.

 

A formação da infraestrutura seja social, aquela que envolve ações nas áreas de educação, saúde, segurança e saneamento, seja a econômica, vocacionada para energia, transportes e comunicações requerem, necessariamente, planejamento de longo prazo e a elaboração detalhada de projetos de engenharia. Mas requer, antes de tudo, a elaboração de um plano de ocupação do território, que envolva desde ações de ordenamento territorial até política de ocupação fundiária.

 

Dentre essas ações deve estar presente, com destaque, o planejamento da integração física do Brasil com os demais países da América do Sul e sua inserção mais logisticamente apoiada no comércio mundial.

 

4 º. O Brasil conta com uma base industrial

 

Em síntese, o Brasil conta com uma indústria, mas não é um país industrializado. Um país é industrializado quando sua população usufrui dos bens produzidos por essa indústria.

 

 Grande parte da população brasileira não tem acesso aos bens industriais produzidos no Brasil. A começar pela sua casa, a casa própria. Logo, temos de aprofundar a industrialização do país.

 

 A industrialização do Brasil foi feita de forma progressiva e desbalanceada, em ciclos, sendo que o seu último grande movimento se deu faz meio século, provocado pelo segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, no setor de bens de capital e insumos básicos.

 

 Isso resulta, hoje, numa indústria que necessita ser modernizada para ser mais competitiva internacionalmente.

 

 Além disso, houve permanentemente um incentivo à indústria metalomecânica, em especial ao seu ramo automobilístico, que colocou esta atividade como a determinante na formação do produto industrial. Precisamos, agora, incentivar setores que formam a moderna capacidade industrial de um país, quais sejam o eletroeletrônico, o de química fina, o de biotecnologia, dentre outros, de forma a balancear melhor o produto industrial.

 

Uma das peças centrais de qualquer projeto de industrialização são as vantagens competitivas estáticas do país.

 

E uma dessas principais vantagens com que conta o Brasil é o mercado interno, a capacidade de gerar massa crítica, ganhos de escala, para permitir a busca do mercado internacional.

 

A essas vantagens cabe agregar outras, vantagens comparativas tidas como dinâmicas, que resultam do planejamento, da formação de blocos de capitais e principalmente da ação estruturada do Estado.

 

5º. O Brasil é um país urbano

 

Urbanizar vai muito além de colocar gente nas cidades. Significa construir moradias, mecanismos de suporte como escolas e hospitais, de convivência como praças, de lazer como cinemas e teatros, de segurança como delegacias, fornecer transportes públicos que adequem deslocamentos.

 

E, fundamentalmente, prover infraestrutura social que dê saúde, educação e saneamento básico.

 

Mas o Brasil apenas colocou gente nas cidades como atestam as favelas, os cortiços e os mocambos. Não urbanizou o país. É preciso fazer muitíssimo, ainda, na urbanização do país de forma a vencer a imensa desestruturação urbana que se vê nas cidades e metrópoles brasileiras. Isto requer planejamento urbano e um programa de construção civil, de moradias, que se encaixe no conceito moderno de formatação de cidades.

 

Nas políticas urbanas, deve ser dado à saúde pública tratamento privilegiado, valorizando a medicina preventiva e o conceito de médico de família, promovendo o conceito de esferas crescentes de especialização nas clínicas e unidades hospitalares.

 

Parte central de qualquer urbanização é a construção da coesão social. Logo, os grupos de pressão que se reúnem em torno de tal e qual bandeira devem entender que a democracia é o governo da maioria e esses grupos precisam dar um passo além de seu fechado círculo de interesses, endossando todas as medidas que possam promover a massificação dos direitos civis.

 

Urbanizar vai muito além de deslocar pessoas do campo para a cidade. Urbanizar é dar a essas pessoas emprego, educação, saúde, segurança e uma boa moradia provida de água, esgoto, energia e dos meios modernos de convivência social.

 

6º. O Brasil no mundo

 

Todos os pressupostos acima dizem respeito à vertente interna de um projeto nacional.

 

A inserção internacional do país e a conquista do mercado externo, seja política ou econômica, necessitam de uma estratégia geopolítica e de um conjunto de ações diplomáticas.

 

Ações planejadas são necessárias para a conquista de novos mercados, para a montagem de grandes parcerias no mundo, para a atração de investimentos.

 

Exemplos de ações bem-sucedidas e praticadas recentemente pela nossa diplomacia foram a investida brasileira na África, a constituição do Banco dos BRICS e a formação da UNASUL.

 

Dispor de um bom aparato dissuasivo de defesa, investir em tecnologia militar, ter uma indústria moderna e diversificada produtora de material bélico, ganhar total autossuficiência energética, praticar o soft power com vizinhos e países menores, divulgar amplamente nossa cultura, tudo isto faz parte da constituição dessa estratégia que lastreia a vertente externa de um Projeto Nacional.

 

Concluindo, o Brasil tem vantagens comparativas estáticas amplas, recursos agroindustriais e minerais, um mercado de consumo crescente e uma cidadania mais exigente, que vem cobrando políticas nacionais para todos, como na saúde e na educação.

 

Esse deve ser o ponto de partida para identificar as vantagens competitivas dinâmicas, sua priorização, para a elaboração de um bem-sucedido Projeto Nacional.

 

- Roberto Requião é senador do Paraná

 

7 de abril de 2017

http://www.robertorequiao.com.br/requiao-apresenta-um-projeto-para-o-brasil-soberania-inclusao-e-desenvolvimento/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/184673
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