O ajuste fiscal neoliberal no Brasil, a “PEC do fim do mundo”, a contrarreforma do Ensino Médio e a educação no Espírito Santo

02/03/2017
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Em Fevereiro de 2017 foi aprovado no Senado Federal, o Projeto de Lei de Conversão (PLV) 34/2016 que regulamenta a Medida Provisória (MP) 746/2016, fomentando a criação de Escolas de Ensino Médio em tempo integral, de maneira a alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei 9394/96 e o FUNDEB – Lei 1494/2007, instituindo uma reforma nefasta nos currículos da Educação Básica, mais especificamente do Ensino Médio.

 

A contrarreforma do Ensino Médio surge dentro de um contexto de radicalização do neoliberalismo no Brasil sob a gestão do Governo “ilegítimo” de Michel Temer (PMDB), após o golpe de Estado jurídico-midiático-parlamentar e policial contra a gestão de centroesquerda de Dilma Roussef (PT), conjurado numa aliança do imperialismo norteamericano (inclusive do capital corporativo, ressaltando-se o capital financeiro internacional) com a oligarquia brasileira, perpetrado em meados de 2016, enfatizando-se a “lei de bronze” do ajuste fiscal oligárquico, que institui a PEC 55 (241/2016), conhecida como a “PEC da maldade” ou “do fim do mundo”, onde a “palavra de ordem” passa a ser a redução dos gastos primários do Governo Federal, isto é, investimentos em políticas públicas e sociais, comprimindo a expansão dos orçamentos em saúde, educação, assistência social, cultura, etc.

 

Segundo a própria Consultoria Legislativa do Senado Federal e técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a PEC 55 poderá estancar investimentos de aproximadamente R$ 510 bilhões, em 20 anos de duração da mesma, uma paródia da ditadura civil-militar e empresarial. Cabendo a nós reiterar o que Karl Marx há muito tempo o dissera, quando escreveu o “18 Brumário de Luis Bonaparte” (1852), referindo-se ao “Segundo Império” (1852-1870) na França, instaurado pelo farsesco Napoleão III, ao afirmar que a história se repete, na primeira vez como tragédia, depois como farsa. Entretanto, na periferia do sistema-mundo, em um país de “capitalismo dependente” tal como o nosso, a supracitada “PEC do fim do mundo” apresenta uma “jaboticaba brasileira”, isto é, um dispositivo jurídico inédito na história do ajuste fiscal neoliberal mundial, referimo-nos a um artefato bélico da ditadura do capital [ultraneoliberal] sobre o trabalho que, na pior das hipóteses, durará 20 anos, ao interditar o futuro de milhões de estudantes da Escola Pública e matar milhares de pessoas amontoadas nas longas filas do Sistema Único de Saúde (SUS).

 

 A contrarreforma do Ensino Médio se apresenta neste contexto de desinvestimentos e privatização da educação pública brasileira, sob as falácias do Governo de que “agora o aluno vai poder escolher o que estudar” e da “devida preparação do estudante para a sua inserção no mercado de trabalho”. Ela aumenta, gradualmente, a carga horária mínima anual do Ensino Médio para 1400h, evidenciando um desmonte efetivo dos seus currículos, uma vez que arrasa a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cerceando a oferta dos ensinos de Arte, Educação Física, Sociologia e Filosofia, além de tornar 40% da base comum optativa, concernente às disciplinas de História, Geografia, Química, Física e Biologia.

 

Dessa forma, refletimos sobre esta ação do Governo Federal enfocando três eixos que se entrecruzam. Primeiro, enfatizamos o desinvestimento e a privatização da educação pública, um direito social reconhecido atualmente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) da ONU e, por enquanto, assegurado pela Constituição Federal [burguesa] cidadã de 1988. O segundo, mediante a erosão dos currículos da Educação Básica, constitui uma “espada de dois gumes”, que opera na sublimação ainda maior dos corpos docente e discente, inseridos no seio da “instituição disciplinar” Escola, reduzindo-os a "corpos dóceis" ou “corpos disciplinados e obedientes”.

 

Salientamos esse processo de configuração dos corpos dóceis, principalmente nas Unidades Federativas (UFs), onde há gestão das Escolas por Organizações Sociais (OSs). Nelas, sub-repticiamente medram códigos de conduta análogos ao sinistro projeto “escola sem partido”, embutidos nos regimentos privados ou códigos de ética dessas organizações, que dispõem não somente sobre as condições para a contratação de professores, mas também sobre as normas de comportamento de docentes e discentes. Sem contar a inovação agourenta, conjugando a militarização e a privatização de escolas, experienciados enfaticamente na gestão Marconi Perillo em Goiás (PSDB-GO), instituindo um “estado de exceção”, onde se desrespeita os direitos humanos, acentuadamente os civis, das comunidades escolares, embargando a preleção de determinados conteúdos, inseridos nas diretrizes e parâmetros curriculares nacionais e regionais, contidos nas disciplinas das áreas de ciências humanas, linguagens e códigos.

 

A contrarreforma promove o “assalto à razão” dos estudantes, suprimindo o seu direito social a uma formação substantiva que, na maioria das vezes, restringirá os seus saberes a pouco mais que ler, escrever e contar, prejudicando ainda mais a aquisição de uma consciência histórico-crítica e reflexiva, necessária à compreensão da sociedade em que vivemos. Diga-se de passagem, uma sociedade capitalista, violenta, dependente, periférica, de repressão ao consumo, hierarquizada e estratificada em classes sociais. Ela também achaca o professorado, quando institui o “notório saber”, ou pior, o “notório não saber” para a educação técnica, flexibilizando o acesso à docência no ensino regular, para que um profissional não licenciado numa área de formação próxima àquela da disciplina a ser lecionada, curse uma complementação pedagógica (CP) de apenas um ano, a fim de substituir um licenciado que estudou pelo menos quatro anos. No fundo ou no raso, a governança neoliberal atual espera tornar a carreira do magistério ainda menos atrativa, prosseguindo com a chantagem da formação do “exército industrial de reserva” ou do “excesso de contingência” de professores no mercado de trabalho, visando no final de um processo de médio prazo, aumentar a carga horária de trabalho dos mesmos, sem o consequente aumento do preço da sua força de trabalho, preferencialmente deteriorando-a.

 

Em terceiro, ressaltamos que o referido mercado brasileiro atravessou um déficit fiscal de R$ 155.8 bilhões, em 2016, aprofundado pela “gestão fiscal do golpe”, encontrando-se atualmente com uma taxa de 13 milhões de desempregados (cerca de 12,6% da população economicamente ativa), necessitando desses “corpos dóceis” ou mesmo dessa “carne de canhão”, a fim de compor um amplo "exército industrial de reserva", enfim, uma farta mão-de-obra barata formada em excesso e imbuída de um “arremedo” de formação técnica, já que não haverá investimentos substantivos na educação (no estudante e na escola) pública, tendo em vista a “necessidade da burguesia brasileira” apropriar tal momento de crise, para aumentar as suas taxas de lucro empresarial, dispondo de uma mão-de-obra duplamente servil, tanto sub-remunerada ou remunerada através de um salário rebaixado, quanto destituída de um formação cognitiva, intelectual e cultural, necessária para interpretar e superar a sociedade capitalista e profundamente desigual em que vivemos.

 

Nas “terras guaranis e tupiniquins” capixabas, atualmente reina o “imperador” Paulo Hartung (PMDB-ES), que nos termos da radicalização do ajuste fiscal dentro da gestão neoliberal do Estado moderno burguês, quer ser “mais realista que o próprio rei”, ou seja, mais fundamentalista que a ilegítima gestão neocolonial do Governo Federal, pois tem pretensões e projetos de poder com envergadura nacionais. No Espírito Santo (ES), o calendário escolar da Secretaria de Estado da Educação (SEDU) começou mal no ano de 2017. Na virada do ano, a SEDU e a Escola do Serviço Público (ESESP) ou “Escola de Governo” conduziram um processo seletivo simplificado “inédito”, atravessado por fraudes generalizadas em ambas as provas realizadas (sendo a primeira delas anulada, devido ao excesso de midiatização sobre a falta de lisura no certame), a fim de contratar professores para atuarem por designação temporária (DT), num período de dois anos, prorrogáveis por mais dois anos. Atualmente, mais de 70% do quadro do magistério no ES é composto por professores DTs. Da mesma forma, a SEDU instituiu uma matrícula online para o estudante do Ensino Médio e terceirizou o sistema e a gestão das matrículas, havendo problemas tanto na realização das matrículas, quanto na administração do sistema terceirizado, inviabilizando a constituição de turmas e, por conseguinte, o ano escolar se iniciou sem professores e estudantes na maioria das escolas.

 

Abundam denúncias de encerramentos de turmas e turnos em escolas públicas da Grande Vitória (ES). Em muitas unidades onde existe o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), a SEDU compôs menos turmas que o costumeiro, porém mais superlotadas, dispondo de um teto de 50 educandos, ou seja, com um contingente de até 25% maior de alunos(as). O jornal regional Século Diário noticiou em 28 de Fevereiro que a SEDU determinou a extinção de Conselhos Escolares em cerca de 60 Unidades Escolares, considerando tal medida, um “golpe fatal” aplicado pelo “imperador” contra a educação pública capixaba, destacando-se as Escolas Rurais, os Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos (CEEJAs) e as Escolas de Atendimento Exclusivo aos Estudantes em Privação de Liberdade.

 

Para nós comunistas, a contrarreforma do Ensino Médio apresenta e representa a precarização da educação, da escola e da formação do educando (de escola pública), corroborando um “darwinismo social neoliberal” que reforça o status quo, onde este estudante, muitas vezes, negro, periférico e trabalhador, distancia-se ainda mais da Universidade pública, na proporção inversa em que as vagas desta instituição são reservadas aos setores das elites da sociedade brasileira. Assim, a contrarreforma do Ensino Médio tende a corroer ainda mais as desigualdades sócioestruturais do país, esgarçando o seu tecido social, mediante o alargamento do abismo entre as classes sociais e a violência contra o trabalho perpetrada pelo capital.

 

A superação deste modelo de educação burguesa, da sociedade marcada pelo antagonismo entre as classes sociais e do Estado capitalistas ocorrerão apenas por intermédio da construção do poder popular e do socialismo. Somente através das muitas lutas sociais, considerando categorias analíticas marxistas, tais como a “classe”, a “luta de classes” e o “imperialismo”, nós conseguiremos organizar a classe trabalhadora, criar um povo forte, superar a propriedade privada dos meios de produção e instaurar uma sociedade socialista, orientada pelo humanismo, onde o acesso aos direitos sociais e econômicos farão parte da vida Social quotidiana da classe trabalhadora e do povo brasileiro!

 

- Vinícius de Aguiar Caloti. Cientista Social, graduando em Filosofia e Especialista em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professor da Escola Pública capixaba.

https://www.alainet.org/pt/articulo/183864
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