O ódio como categoria política: onde a democracia errou?
- Opinión
Neurocirurgião, sobre AVC de ex-primeira dama: “Tem que romper no procedimento. E o capeta abraça ela”.
Procurador de Justiça sobre Lula: “Não tenho provas mas tenho convicção”.
Hanna Arendt, em sua literatura, em especial em suas obras “Eichmann em Jerusalém” e “As Origens do Totalitarismo”, já afirmava que o mal, assim como seus resultados como o ódio e a violência, não é uma categoria da natureza, tampouco da metafísica, mas sim uma categoria política e histórica. Banaliza-se pelas condições que lhe são oferecidas pelo contexto e pelo arranjo institucional de poder.
O Brasil é um país de profundas injustiças e injustiça é a inversão da verdade, a deformação do razoável, a corrupção da igualdade.
Uma das mais abjetas injustiças vem do processo educacional e da estrutura de ensino público. Mesmo com a expansão de vagas em todos os níveis, incluindo-se, e talvez principalmente, o ensino superior, os espaços continuam sendo ocupados por aqueles que compõem as classes ricas do país.
Por mais que se tenham criado mecanismos de compensação deste privilégio de classe, como quotas, PROUNI, ENEM, as vagas continuam sendo amealhadas por aqueles cujas famílias os sustentam exclusivamente para estudarem para o ingresso na universidade pública, ou seja, a elite econômica. A manutenção de programas de ensino, com conteúdo e valores presididos pelo mercado, pelo individualismo e pelo lucro tornaram os conteúdos humanistas, comunitários e democráticos secundários e, verdadeiramente, desprezíveis.
Mesmo processo impacta os concursos públicos de altas carreiras do aparelho de estado. Ingressam os filhos da elite que se preparam em universidades públicas e sem trabalhar até os 30 ou 35 anos.
Isso pode estar na base de um fato que impacta a todos nós. Uma parcela aterradora de jovens médicos e jovens tecnocratas (incluindo juízes e promotores) são antidemocratas e odeiam pobres e não brancos. Transformaram-se em formadores de ódio como categoria da ação política. Transformaram-se em construtores de fatos que banalizaram o ódio. Pessoas comuns, envoltas em um contexto de vazio de pensamento como diz Arendt, se mostram capazes de propor o ódio como estratégia e método de supremacia política.
Vivemos a hegemonia política do individualismo sobre valores comunitários e sociais, da concorrência sobre a cooperação, do eficaz sobre o justo. Por isso se impõe uma questão, onde a democracia errou?
Parte da resposta, com certeza, está no fato de que a democracia brasileira nunca se completou, não passou de seu aspecto formal, institucional. Reduziu a igualdade a um aspecto normativo. A democracia no Brasil não ganhou contornos substantivos, o que exigiria uma revolução profunda no país, com medidas de ruptura no campo da economia, da participação e da igualdade, para enfrentar o poder da injustiça.
O ódio, portanto, não pode ser refutado apenas no campo da moral. Deve ser refutado no campo da política. Refutado como elemento que obstaculiza a democracia como substantivo, para além da normatividade liberal. O que se requer é demonstrar que o ódio é produzido pela hegemonia dominante e pelas forças que a sustentam. O que se precisa é desnudar que o ódio se transformou, para as elites dominantes, em argumento racional para agir sobre a realidade. Não emerge de baixo, mas é propagada de cima, através dos meios de comunicação, do sistema educacional, de religiões sectárias, da elite intelectual e da aplicação discricionária da lei e dos mecanismos de estado.
- Jorge Branco é sociólogo.
7/fev/2017