Entrevista com Pedro Telles

Acordo de Paris é mais sólido que o de Kyoto

24/11/2016
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“A discussão sobre mudanças climáticas já atingiu um grau de importância geopolítica internacional importante, e vários países, como China, França e Brasil, se manifestaram dizendo que seguirão adiante com o Acordo de Paris. Disseram também que um retrocesso dos EUA em relação ao acordo não será bem-vindo”, diz Pedro Telles à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone.

 

Segundo Telles, a eleição de Donald Trump repercutiu negativamente nos primeiros dias da COP 22, especialmente por conta das declarações que o futuro presidente dos EUA manifestou contra a agenda climática. Apesar da apreensão em relação ao futuro, diz, “tanto governos quanto ONGs e movimentos sociais adotaram um discurso de que irão seguir adiante na discussão climática, porque os EUA não dão as cartas sozinhos”.

 

Na avaliação de Pedro Telles, embora haja risco de os EUA anular o Acordo de Paris, esse acordo “é muito mais sólido e resiliente do que o Protocolo de Kyoto”, porque ele surgiu “em um contexto internacional muito mais forte de ação climática”. Portanto, avalia, “não vejo risco de que a saída dos Estados Unidos tenha consequências como teve em Kyoto”.

 

Pedro Telles é coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace e mestre em Estudos do Desenvolvimento pelo Institute of Development Studies, na Inglaterra.

 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line - Que avaliação faz da COP 22? Quais foram os pontos altos dessa conferência, que foi, na avaliação de muitos, mais técnica em relação à COP 21?

 

Pedro Telles – Exatamente, essa Conferência foi mais técnica do que a anterior. Podemos dizer que aconteceram três fatos importantes nessa COP. Um deles é a pauta da COP em si, o segundo ponto é a eleição de Trump nos EUA e o terceiro ponto é a participação brasileira nesse processo.

 

Sobre a pauta da COP em si, a COP 22 teve uma pauta muito mais técnica do que a de Paris, e a melhor metáfora para explicá-la é a seguinte: a COP de Paris chegou num acordo e a COP 22 está construindo as formas de como será implementado esse acordo, ou seja, é mais ou menos como quando se aprova uma lei e depois é preciso regulamentá-la. Então, o acordo de Paris seria a lei aprovada, e a partir da COP 22 se entra numa etapa de explicar em detalhes como vamos fazer o acordo de Paris acontecer de verdade. Essa pauta tende a se estender nos próximos dois anos. Nesse sentido, a COP deste ano entregou o que tinha que entregar, ou seja, não foi uma COP excepcional, mas construiu os caminhos que os governos vão seguir para lidar com as frentes de trabalho, como transparência, financiamento etc.

 

Eleição de Trump

 

O segundo ponto da COP 22 foi a eleição de Trump no meio da primeira semana do encontro. Os EUA são, ao lado da China, a maior economia do mundo, e Trump já disse diversas vezes que não concorda com a ação climática, assim como contesta que a causa das mudanças climáticas esteja na ação humana. No dia da eleição nos EUA, houve um impacto forte na Conferência e as pessoas não souberam como reagir, mas, logo em seguida, tanto governos quanto ONGs e movimentos sociais adotaram um discurso de que vão seguir adiante na discussão climática, porque os EUA não dão as cartas sozinhos.

 

Além disso, considera-se que a discussão sobre mudanças climáticas já atingiu um grau de importância geopolítica internacional importante, e vários países, como China, França e Brasil, se manifestaram dizendo que seguirão adiante com o Acordo de Paris.

 

Disseram também que um retrocesso dos EUA em relação ao acordo não será bem-vindo e, portanto, haverá consequências negativas para os americanos, caso retrocedam o acordo. Então, essa manifestação foi um ponto positivo porque, apesar de ficarmos apreensivos com a eleição de Trump, se insistiu que a discussão climática seguirá adiante.

 

Participação brasileira

 

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, falou barbaridades durante a COP

 

O terceiro ponto da COP 22 diz respeito à participação do Brasil, que teve uma participação mista. Por um lado, durante a COP o governo brasileiro anunciou que serão vetados novos incentivos ao uso de carvão no país. Essa decisão é consequência de um trabalho de pressão realizado pelas ONGs. Durante a COP, mais de mil ONGs internacionais assinaram um artigo pedindo o veto do Brasil nesse quesito.

 

Também foi retomado o Fórum de governo de mudanças climáticas, que é um fórum vinculado à Presidência e que conta com a participação de membros do governo e da sociedade civil. Mas, por outro lado, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, falou barbaridades durante a COP. Ele negou problemas que existem na agricultura brasileira com relação ao clima e fez uma participação desastrosa, a qual foi, inclusive, encoberta pela mídia. Esse foi um ponto baixo da participação brasileira no evento.

 

IHU On-Line – Apesar de os membros da COP terem insistido que irão dar continuidade ao Acordo de Paris, mesmo que os EUA anulem sua participação no acordo, há riscos de o acordo de fato não sair, como ocorreu com o Protocolo de Kyoto, que não foi assinado pelos americanos?

 

Pedro Telles – Esse risco existe. Mas a punição em relação a uma futura postura dos EUA não foi explícita; de outro lado, houve, sim, um discurso de que as mudanças climáticas são um assunto de extrema relevância e que não será bem-vindo um retrocesso americano nesse assunto.

 

O Acordo de Paris é muito mais sólido e resiliente do que o Protocolo de Kyoto, por algumas razões. Primeiro porque o Protocolo de Kyoto não visava a adesão de todos os países do mundo; o Acordo de Paris, sim. Em segundo lugar, em razão dos detalhes técnicos do acordo em si, do momento histórico em que ele aconteceu, o Acordo de Paris nasce muito mais bem amarrado e em um contexto internacional muito mais forte de ação climática. Então, não vejo risco de que a saída dos Estados Unidos tenha consequências como teve em Kyoto.

 

Agora, existe, sim, a possibilidade de os Estados Unidos saírem do Acordo de Paris, e Trump já indicou que iria avaliar isso durante a campanha. No entanto, depois que foi eleito, ele passou a adotar um tom de discurso bem mais moderado e não falou mais em sair do Acordo de Paris e da Convenção do Clima. De todo modo, há uma pressão muito forte de vários líderes de governo para que os EUA não saiam do acordo, mas não dá para dizer que é impossível que isso ocorra.

 

IHU On-Line - Alguns avaliam que o Acordo de Paris foi ratificado muito depressa e houve muito entusiasmo em relação a ele. Concorda?

 

Pedro Telles – Não tem certo ou errado no que tange à velocidade correta de ratificação do acordo. Certamente seria ruim se a ratificação demorasse demais. Mas a questão é que, de fato, o acordo foi ratificado de modo muito mais rápido do que todos esperavam: em menos de um ano o acordo já estava vigorando, porque já tinha ultrapassado o número de ratificações necessárias para ele entrar em vigor.

 

Agora que o acordo entrou em vigor, vão passar a ocorrer, anualmente, as reuniões da CNA, entre os países que já ratificaram o acordo. A primeira CNA ocorreu neste ano, mas foi uma reunião breve, porque os membros precisam de mais tempo para organizar os trabalhos.

 

A rapidez na ratificação do Acordo de Paris é um bom sinal, é o que chamamos de bom problema. Apesar de gerar algumas correrias burocráticas, isso é um sinal de que os governos do mundo inteiro estão, realmente, querendo fazer esse negócio acontecer, portanto vejo a ratificação com bons olhos.

 

IHU On-Line - Qual é o significado da meta brasileira de reduzir suas emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030? Essa meta é ou não é ambiciosa em relação ao que o Brasil pode fazer?

 

Segundo a meta brasileira, o Brasil só acabará com o desmatamento ilegal na Amazônia em 2030, isto é, o governo vai aceitar a ilegalidade do desmatamento na Amazônia por mais 14 anos

 

Pedro Telles – Ela poderia ser bem melhor. O governo apresentou essa meta em Paris, e ela basicamente propõe evitar as emissões brasileiras em algo como 3 bilhões de toneladas de carbono por ano. Quando o governo lançou essa meta, o Greenpeace e várias outras ONGs lançaram, por meio do Observatório do Clima, uma meta nossa, a qual achamos que seria a adequada: enquanto a meta do governo é de 1,3 bilhão por ano, nós propomos que seja de 1 bilhão por ano.

 

Segundo a meta brasileira, o Brasil só acabará com o desmatamento ilegal na Amazônia em 2030, isto é, o governo vai aceitar a ilegalidade do desmatamento na Amazônia por mais 14 anos – no resto do país nem se fala. Isso é absolutamente inaceitável, temos que acabar com o desmatamento ilegal imediatamente, e o governo não pode dar um sinal de que vai, por mais 14 anos, tolerar a ilegalidade. Por essas e outras razões que o desmatamento voltou a subir.

 

Agora, em relação à energia, a proporção de energias renováveis que o Brasil apresenta para 2030 é muito próxima do que temos hoje; é praticamente a mesma coisa. Temos que acelerar isso, precisamos de uma parcela bem maior de energia solar e eólica, porque só manter a atual proporção não é suficiente. Então, a meta do Brasil parece boa se compararmos a de outros países que têm metas muito ruins, mas se compararmos com o potencial nacional, ela é muito fraca e tem que melhorar.

 

24 Novembro 2016

http://www.ihu.unisinos.br/562675-acordo-de-paris-e-mais-solido-que-o-de-kyoto-entrevista-especial-com-pedro-telles-entrevista-especial-com-pedro-telles

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/181924
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