Stédile: "espero que a classe trabalhadora comece a se mexer"
- Opinión
O Brasil 247 entrevistou João Pedro Stédile dez dias depois do ataque a Escola Florestan Fernandes, do MST, quando a polícia civil de São Paulo fez um espetáculo típico de um regime de exceção que procura se consolidar, sem exibir mandado judicial e dando tiros para o alto. Aqui você pode ler a primeira parte da entrevista, onde Stédile define a invasão como "uma burrada espetacular da direita do governo Richa com a direita do governo Alckmin" e se define como "otimista. Haverá luta e mobilização. Quando luta, a classe trabalhadora aprende em vinte dias o que deixou de aprender em vinte anos."
247 – É claro que a invasão da Escola Florestan Fernandes não foi o primeiro ataque sofrido pelo MST ao longo de sua história. Tampouco foi o mais violento. Mas como podemos interpretar esse ataque, numa conjuntura atual?
STÉDILE – O ataque da policia civil a Escola nacional Florestan Fernandes, foi uma burrada espetacular da articulação da direita do governo Richa com a direita do governo Alckmin, e cometeram uma serie de atropelos legais, tentando buscar dois militantes do MST do Paraná, que estariam na escola, sem nenhum mandado judicial. Mais do que o fato real, do abuso de autoridade, da prepotência das armas empregadas revela como as forças conservadoras se sentem livres, agora, para cometerem todo tipo de atropelos ilegais, durante o governo golpista, que também é ilegal.
247 – Vivemos uma conjuntura que pode avançar para a consolidação de um estado de exceção, isto é, uma nova ditadura. Você vê uma saída para evitar isso? Um acordo, uma transição?
STÉDILE – De fato já vivemos um estado de exceção por várias circunstâncias, que começam na posse de um governo ilegítimo, que impôs um processo de impeachment sem que houvesse crimes. O acompanhamento do STF e votação do Senado não dão nenhuma legitimidade. Ao contrario eles mesmos não tiveram coragem de tirar os direitos políticos da presidenta. O próprio impostor Michel Temer, revelou aos empresários americanos em Nova York o motivo do golpe, retomar um plano neoliberal para sair da crise econômica. Por outro lado, todos dias assistimos o estado de exceção nos atos do STF, que rasga a constituição ao decretar prisão em segunda instância, e ao julgar direitos trabalhistas. Sem falar nas atitudes dos atores da autodenominada “República de Curitiba”, que se comporta assim, como uma republiqueta, acima da constituição brasileira. E isso é muito grave.
247 – A ideia de que a recuperação das lutas populares passa por uma frente de esquerda é uma dessas propostas que está na boca de todo mundo. Parece reforma política, reforma tributária: todo mundo acha que sabe o que é mas ninguém explica como se faz. Qual sua opinião a respeito?
STÉDILE – Como você disse, não é difícil ter propostas, o problema é ter força popular para construi-las. Do ponto de vista político, só recuperaremos um estado democrático, com a realização de uma profunda reforma política, que devolva ao cidadão o poder político pelo voto, que hoje foi sequestrado pela mídia e pela força do dinheiro. Como o atual congresso também foi eleito pela força da mídia e do dinheiro, somente a eleição de uma assembleia constituinte, soberana e exclusiva poderia corrigir. Por outro lado, precisamos ampliar ao máximo o debate na sociedade da necessidade d e um novo programa que consiga enfrentar a crise econômica e social, que resolva os graves problemas da população que viriam, com uma reforma tributaria, controle do pagamento dos juros da divida interna, reforma democrática dos meios de comunicação e a retomada do crescimento com investimentos na indústria nacional e na agricultura familiar. Porém, tudo isso só será possível, se antes houver uma retomada das lutas de massa, e com isso a classe trabalhadora retomar seu papel na luta de classes, realizando grandes mobilização de massas, para mudar os rumos do país, como aconteceu na década de 60, e depois na década de 80.
247 – Numa hora difícil como a atual, é sempre bom recordar que a história nunca termina. Você espera uma retomada dessa luta para breve?
STÉDILE – O plano neoliberal do governo golpista, é um plano contra a classe trabalhadora, porque os capitalistas querem sair da crise jogando o peso dela apenas nas costas dos trabalhadores. E para isso estão sendo até didáticos. Precisam aumentar a exploração dos trabalhadores, diminuir salários, aumentar o desemprego, como forma de derrotar politicamente a classe, e tirar direitos trabalhistas históricos, que estão na CLT e na constituição. Por outro lado precisam se apoderar dos recursos públicos que antes iam para educação e saúde. Taí a PEC 241 que virou 55 no senado, justamente para isso. E precisam se apoderar de recursos naturais, para se apropriarem da renda extraordinária que eles geram. Dai a privatização do pre-sal, o código de mineração, a venda de terras para o capital estrangeiro. E o ultimo ponto do programa deles é realinhamento de nossa economia de forma subordinada aos interesses dos capitalistas estadunidenses. O problema e a contradição deles, e isso nos ajuda é que esse plano é contra o povo, e por tanto vai aumentar os problemas. E não vai tirar a economia da crise.Assim, espero que a classe trabalhadora comece a se mexer logo. Acho que algumas categorias mais organizadas, já começam reagir, como os petroleiros, professores, etc. É outro sinal positivo, é a mobilização da juventude com o movimento de ocupação das escolas. Embora, eles não afetem o capital, e os golpistas diretamente, mas nos ajudam a conscientizar a população. Todos os pais desses jovens estão participando dos debates e precisam autorizar os filhos a ficarem na escolas. A juventude, em todos os processos históricos de mudanças, representam o termômetro da sociedade, o indicativo de que haverá luta, haverá mobilização. Sou um otimista. Sigo o filosofo russo, que dizia, que o povo quando luta, apreende em vinte dias o que deixou de apreender em vinte anos.
- Paulo Moreira Leite, jornalista e escritor, é diretor do 247 em Brasília
20 de Novembro de 2016
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