Sair ou não sair não é a questão

04/07/2016
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As turbulências da Brexit e as batalhas da eleição americana estripam as vísceras da globalização neoliberal. Já escrevi a respeito do assunto em parceria com Gabriel Galípolo, no espaço generosamente concedido por CartaCapital. Peço licença para reproduzir: “O nacionalismo xenófobo de Donald Trump nos EUA, o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, a tensão entre a Alemanha e a política monetária do senhor Mario Draghi na Zona do Euro, o Japão à beira da recessão e a desaceleração chinesa são sintomas dos achaques e estertores que acometem o arranjo geoeconômico erigido nos últimos 40 anos”.

 

Em sua configuração atual, o capitalismo escancara a incapacidade de entregar o que promete aos cidadãos. A exclusão manifesta-se no desemprego dos jovens, no desemprego estrutural promovido pela transformação tecnológica e pela migração da manufatura para as regiões de baixos salários. 

 

Os debates sobre a Brexit, assim como os discursos de Trump e Sanders nos Estados Unidos, escracham as ingenuidades do debate binário entre progressistas e conservadores. Nesse compasso de dois tempos, a falsa dicotomia “mais mercado e menos Estado” ou “menos mercado e mais Estado” esconde a apropriação privada do Estado e do espaço público para aprisionar os indivíduos livres nas enxovias do despotismo mercantil e do monopólio da opinião. 

 

O poeta e crítico literário Anis Shivani invadiu o terreno da crítica social para escrever um texto admirável a respeito das peripécias do neoliberalismo. Shivani espanca os engodos que desencaminham defensores e adversários do regime de liberdade vigiada. É um engano, diz ele, imaginar que o neoliberalismo é o retorno ao liberalismo clássico. O neoliberalismo pressupõe um Estado forte, operando exclusivamente em benefício dos ricos e poderosos, sem qualquer pretensão de neutralidade e universalidade. O capitalismo como forma de controle da sociedade e da vida humana encontrou sua epifania nas mudanças tecnológicas, no controle dos mercados globais pelas grandes empresas. “Em vez de reivindicarem a proteção social como um direito legítimo, os cidadãos sentem-se culpados, vexados e deprimidos por sua dependência dos programas governamentais.”

 

Convencidos de sua liberdade, os indivíduos livres entregam seu destino aos grilhões da concorrência e às ilusões da meritocracia. Transtornados por suas culpas, os perdedores acomodam-se aos suplícios da exclusão e da desigualdade. Hegel diria que o capitalismo realizou o seu conceito

 

Sair ou não sair não é a questão. Os cidadãos estão assombrados pelos fantasmas econômicos das “tecnocracias sem rosto”, como disse o ator Michael Caine ao defender a saída do Reino Unido da União Europeia. Os governantes acuados pelos favores e poderes da alta finança tratam de cortar os direitos sociais e econômicos de seus cidadãos, enquanto proclamam a eficiência dos mercados. Sob o pretexto de enfrentar o corporativismo e a resistência dos “direitos adquiridos”, os serviçais da globalização propõem o retorno aos padrões primitivos nas relações entre as forças do capital e as debilidades do trabalho. Advogam o encolhimento do sistema de proteção social criado para impedir a desgraça dos mais fracos, o sofrimento do homem comum atormentado pelas ameaças da precarização e do desamparo na saúde e na doença. 

 

Esses são os princípios que vêm conduzindo as “reformas”, tanto as dos países desenvolvidos quanto as mimetizadas por governantes de países periféricos. Julgam, com esses programas, estar comprando o ingresso para o clube dos ricos. Estão, na verdade, trocando a saúde, a educação do povo e o sossego dos velhos por miragens. 

 

Quando perguntaram ao ex-ministro grego Yanis Varoufakis sobre o déficit democrático na União Europeia, ele soltou uma gargalhada e disse: “Déficit democrático? Não se tem democracia. A democracia real supõe que os cidadãos não só elejam como também tenham participação nas decisões diretamente mediante a construção de acordos sociais. Na verdade, estamos vivendo um período, no mundo inteiro, onde a democracia não é uma democracia, é uma oligarquia financeira e midiática que manda no mundo”.

 

A Brexit e as eleições americanas exprimem o inconformismo com o estreitamento do espaço democrático e o desejo dos cidadãos de decidir sobre a própria vida  no exercício da política.

 

- Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.

 

04/07/2016

http://www.cartacapital.com.br/revista/907/sair-ou-nao-sair-nao-e-a-questao

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/178567
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