Direitos humanos: retrocesso - o pior está por vir
- Opinión
O governo federal interino instalou um ministério de apenas homens brancos com a divisa a” Ordem e Progresso”, que encerra o que há de mais conservador no pensamento político brasileiro. Seria bom alguém dizer a esse governo que estamos em 2016 e não em 1889.
O seu primeiro ato foi mandar para o espaço a Ciência, a Cultura e os Direitos Humanos. Aquí extinguiu o ministério dos direitos humanos e as secretarias da igualdade racial das mulheres e dos direitos humanos. Assim fazendo o governo interino revela uma sesquipedal ignorância em duas vertentes. Primeiro na esfera do direito internacional dos direitos humanos e em segundo, quanto a política de Estado de direitos humanos, relegando-a a uma diversãozinha de cidadania no ministério da justiça.
Depois da declaração universal dos direitos humanos em 1948 e a partir dos dois pactos internacionais de direitos civis, políticos e culturais e aquele dos direitos económicos e sociais progressivamente foram reconhecidos os direitos das crianças, das mulheres, dos indígenas, dos migrantes, dos idosos e de temas como a tortura, as execuções sumarias pelas policias, a pedofilia, a homofobia. O conceito de cidadania que o governo provisório resolveu enfiar no ministério da justiça não da absolutamente conta dessa complexidade que a garantia dos direitos humanos assumiu na segunda metade do século XX.
Por sua vez a decisão da extinção das secretarias de estado põe abaixo a continuidade, acima dos partidos políticos, da política de Estado de direitos humanos no Brasil. Pode-se dizer que todos os governos depois da volta ao governo civil em 1985 contribuíram, cada um à sua maneira, para a promoção e proteção a de direitos humanos no Brasil.
Sarney na sua ida a Assembleia da ONU assinou a convenção da tortura e o pacto internacional de direito humanos. Collor enviou uma circular aos postos diplomáticos brasileiros obrigando-os a responder as cobranças das organizações de direitos humanos e da tribuna da ONU afirmou que a soberania nacional não pode ser o escudo de proteção das violações de direitos humanos no Brasil. Itamar formulou com a sociedade civil a agenda brasileira para a Conferencia Mundial de Direitos humanos em Viena em 1993, na qual o Brasil teve um papel protagonista com a presidência do comité de redação da declaração e programa de ação de Viena..
Fernando Henrique cria a secretaria de estado de direitos humanos, para dar mais visibilidade aos direitos humanos, como registra no seu Diários da Presidência. Foram preparados os Programas Nacionais de Direitos Humanos, PNDH I com ênfase nos direitos civis e políticos e PNDH 2, com ênfase nos direitos económicos e sociais. Pela primeira vez na República foi criado um programa e organismo de combate ao trabalho escravo. Foi reconhecida a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que permitiu que mais tarde fosse exarada a sentença sobre as operações de extermínio da guerrilha do Araguaia pela ditadura militar.
Lula transformou a secretaria de estado em secretaria especial da presidência da republica e criou as secretarias especiais também na presidência das políticas da mulher e da igualdade racial. Preparou o PNDH3, alargando nacionalmente as bases da sua elaboração nos estados da federação, inusitadamente publicando as duas introduções de Fernando Henrique aos dois PNDH anteriores. Apesar de enorme resistência, propôs e sancionou a lei contra o castigo corporal das criança e foi enviado ao parlamento um projeto de lei criando a comissão nacional da verdade sobre os crimes da ditadura militar. A presidenta Dilma Rousseff foi na mesma direção. Por convocação de seu governo todos ministros e secretários de estado de direitos humanos se mobilizaram para defender a aprovação da lei sobre a comissão nacional da verdade no Congresso Nacional. Instalou a Comissão Nacional da Verdade, a qual garantiu todo o apoio sem jamais fazer nenhuma interferência nos seus trabalhos, somente tomando conhecimento do relatório quando estava impresso.
Afinal qual o impacto dessa política de estado de direitos humanos? Essas frestas abertas pelo mais alto escalão no governo federal na presidência, especialmente a partir de 1995, fizeram entrar nas políticas do governo federal direitos e temas na defesa daqueles tradicionalmente excluídos, que outrossim jamais teriam podido ter sido promovidos. Tortura, racismo, homofobia, execuções sumarias pelas policias militares, violência contra a mulher, trabalhadores escravos, portadores de deficiência, federalização dos crimes de direitos humanos, programas de proteção as vítimas, passaram a ser alvos de políticas públicas de garantia e prevenção. Enfim uma infinidade de pautas que nunca tiveram espaço nem na ditadura militar nem no autoritarismo socialmente implantado que prevalece na democracia.
Essa liquidação da política de Estado e dos mecanismos nela construídos corresponde por sua vez aos projetos de lei de desmonte da constitucionalidade de 1988, como a destruição do estatuto do desamamento, a redução da idade laboral e da maioridade penal, o cerceamento dos direitos das mulheres, o enfraquecimento da definição de trabalho escravo. Não esqueçamos a já sancionada lei do anti-terrorismo abrindo para a criminalização dos movimentos sociais, que certamente esse governo não ira hesitar em usar, se levarmos em conta o ministro da justiça que classifica protestos populares como “guerrilhas.” (sic).
O desaparecimento das secretarias de direitos humanos convida a um prognostico profundamente alarmante em relação a todos aqueles temas, pois vai acarretar a destruição de estruturas e mecanismos construídas a duras penas, em parceria com a sociedade civil, durante todos os governos democráticos para implementação dos direitos dos pobres e excluídos.
Quanto aos direitos humanos, com esse governo extremamente conservador, nunca no Brasil foi tão atual o ditado o pior ainda está por vir.
- Paulo Sérgio Pinheiro, presidente de comissão internacional de inquérito independente sobre a Síria das Nações Unidas, Genebra; professor de ciência política (aposentado) da Universidade de São Paulo, USP, Brasil. Pesquisador Associado, Centro para o Estudo da Violência, NEV / USP
Fonte: Caderno Alias/ estadao. 15.5.2016-
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