Bastidores da crise: evasão, fraudes e lavagem de dinheiro
- Opinión
Inquérito judicial iniciado em 2004, na França, avalia que os ativos franceses desviados por intermédio da União de Bancos Suiços-UBS, possam ficar entre 13 e 23 bilhões de euros. Suspeita-se que cerca de 38.330 contas tenham sido abertas por clientes franceses na Suiça, das quais pouco mais de 4.200 já teriam efetuado repatriação dos recursos.
A base “legal” para esta maciça evasão de recursos, que atingiu não apenas a França mas amplo conjunto de países, é o segredo bancário, sistema que foi instituído na Suiça por lei federal de 8 de novembro de 1834, válido para bancos e caixas de poupança.
Desde a crise financeira de 2008, os Estados Unidos apertaram o cerco contra a evasão tributária e criaram uma nova legislação fiscal que recebeu a aprovação do presidente Obama em março de 2010, a Foreign Account Tax Compliance Act (acrônimo FATCA). Trata-se de um texto extraterritorial que entrou em vigor a partir de janeiro de 2013, obrigando todas as instituições bancárias a identificar os clientes de nacionalidade norte-americana, ou tendo ligações com os Estados Unidos.
Com base na nova legislação norte-americana o suiço UBS vem sendo acusado de facilitar que 17 mil ricos daquele país tenham escapado à Receita dos EUA, escondendo ativos avaliados em cerca de 20 bilhões de dólares entre 2002 e 2007. Pesadas multas já foram cobradas da UBS e do Crédit Suisse, em razão das suspeitas apuradas de evasão tributária. Em 2013, foi selado um acordo entre Estados Unidos e Suiça, permitindo aos bancos suiços declarar-se culpados de favorecimento à evasão de divisas mediante o pagamento de multas avaliadas em torno de 3 bilhões de euros.
No rastro dos bancos suiços, descobriu-se também gigantesca fraude de responsabilidade do HSBC Private Bank, em escala planetária, com suspeita de que os crimes de fraude e evasão de divisas tenha sido ampliados e possam ter acobertado lavagem de dinheiro de mercados mafiosos.
Conforme vem sendo noticiado por Le Monde, não se tratou de práticas que possam ser imputadas a alguns individuos. Foi uma estratégia global desenhada por UBS.
Na trilha dos Estados Unidos, e tendo em vista igualmente a ocorrência da crise econômico-financeira iniciada em 2008, os países do G-20 (o grupo dos mais ricos) decidiram que já era tempo de acabar com o segredo bancário suiço. E, na reunião de 2009 em Londres, solicitaram à OCDE a elaboração de uma lista dos paraísos fiscais não cooperativos, isto é, onde o segredo bancário continuaria sendo a « regra do jogo ». Passavam então a ser considerados responsáveis por fraude todos os individuos possuidores de contas em paraisos fiscais, se tais contas não tivessem sido declaradas aos órgaos da receita federal, no país de origem.
É claro que o privilégio de se ocultar por trás do segredo bancário suiço não era para qualquer um. Na França, a entrada no clube desses privilegiados só era permitida para pessoas detentoras de no mínimo 250 mil euros (pouco mais de um milhão de reais, à taxa de câmbio de março de 2016). Foi desenvolvida uma rede de segurança, considerada por muito tempo inexpugnável, da qual fizeram parte procedimentos e métodos específicos, clubes de golf, hotéis luxuosos e, claro, uma rede interminável de contas em paraísos fiscais, de modalidades variáveis, operadas por laranjas, testas- de- ferro e nomes fictícios.
No Brasil, CPI organizada pela Câmara dos Deputados, « em junho de 2003, a fim de investigar as responsabilidades sobre a evasão de divisas do Brasil para paraísos fiscais entre 1996 e 2002, estimou em US$ 84 bilhões o montante retirado indevidamente do País, por meio de contas do Banco do Estado do Paraná ou Banestado, segundo a Policia Federal ». (cf revista Caros Amigos No.227/2016, reportagem de Fania Rodrigues). Na mesma reportagem, estima-se que há 4 mil pessoas físicas e jurídicas que possuem dívida com o Fisco em montante igual ou maior do que R$ 50 milhões. « Somadas essas dívidas totalizam R$ 906 bilhões. O valor representa 40% do PIB brasileiro. » (ibid) Em 2015, dívida desse porte representou, aproximadamente, 40% da dívida pública do Estado nacional brasileiro.
Ainda em 2015, o governo Dilma deflagrou a Operação Zelotes, iniciada com a apuração das contas secretas de brasileiros no HSBC na Suiça. Dados fornecidos pelo artigo acima citado, de Caros Amigos, informa que, segundo a CPI do HSBC, existem mais de 200 mil brasileiros (0,001% da população do Brasil) com contas no exterior. « No escândalo do HSBC foram identificados 8.667 correntistas brasileiros que possuíam, em 2006 e 2007, cerca de US$ 7 bilhões depositados na filial suiça do HSBC. ...
Esse escândalo, que também envolve grandes magnatas da imprensa brasileira, logo saiu dos holofotes e a investigação se concentrou apenas na suposta venda de medidas provisórias para driblar a cobrança de impostos da Receita Federal ». (ibid)
Á luz de tantos e volumosos números, fica mais fácil entender a crise política que se desenrola desde a derrota dos partidos de oposição ao governo Dilma, em outubro de 2014. Mais do que nunca, fraudadores necessitam, urgentemente, da chave do cofre e do comando total sobre o poder de Estado, no Brasil.
- Ceci Juruá, economista, doutora em Políticas Públicas
Referências:
Créditos da foto: reprodução
07/03/2016
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