Ciclo de liquidez e taxa de câmbio no Brasil
- Opinión
Na história recente brasileira, destaca-se o cenário externo como elemento importante na determinação da flutuação da taxa de câmbio. Essa influência ocorre tanto na volatilidade, que responde às mudanças súbitas de expectativas dos agentes, quanto no patamar da taxa de câmbio, que obedece às mudanças de orientação da política monetária dos países centrais e provoca tendências de apreciação e depreciação da moeda brasileira.
Esse curto artigo explora os motivos para a forte influência desses fatores externos com base nas pesquisas que estão sendo desenvolvidas no Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp.
Há três conceitos importantes para que se compreendam esses condicionantes externos: a hierarquia de moedas, o ciclo de liquidez e o carry trade. As moedas nacionais são ativos financeiros que diferem qualitativamente, de acordo com a sua aceitabilidade no plano internacional. O diferente uso das moedas caracteriza uma hierarquia monetária que tem efeitos sobre a autonomia da política monetária dos diferentes países e condiciona a mecânica do ciclo de liquidez.
O ciclo de liquidez, por sua vez, é fenômeno monetário e financeiro que pode ser definido como a variação periódica das transações financeiras internacionais, com etapas ascendentes e descendentes.
Dois grupos de fatores podem ser apontados como motores do ciclo de liquidez. O primeiro deles é o patamar de taxas de juros nas moedas centrais, uma vez que as baixas taxas de juros no centro do sistema funcionam como pushfactors e incentivam os agentes financeiros que transacionam nesses mercados a buscar rentabilidade em outras praças financeiras.
O segundo fator determinante do ciclo de liquidez é a preferência pela liquidez, dos agentes no plano internacional; um aumento da preferência pela liquidez engendra mudança na composição do portfolio dos agentes que, de forma mimética e generalizada, se livram de ativos menos líquidos e passam a demandar os ativos mais líquidos.
No mercado de moedas, o carry trade é um dos principais mecanismos de transmissão do ciclo de liquidez para as taxas de câmbio. A estratégia aí consiste em um investimento intermoedas no qual se formam um passivo (ou uma posição vendida) na moeda de baixas taxas de juros; e um ativo (ou uma posição comprada) na moeda de juros mais altos.
É, portanto, um investimento alavancado que implica descasamento de moedas. Num movimento pendular, as operações de carry trade tendem a apreciar as moedas com altas taxas de juros durante a fase ascendente do ciclo de liquidez e a depreciá-las na fase de reversão. O detalhe importante é que esse movimento tende a ocorrer de forma assimétrica: o processo de otimismo que caracteriza a expansão da liquidez internacional ocorre de forma mais gradual; e as reversões de humor são usualmente mais abruptas.
As operações de carry trade destacam uma característica importante do ciclo de liquidez: ele não constitui apenas um processo de alocação de ativos, mas também de formação de passivos. A fase de cheia do ciclo é caracterizada pela formação de passivos e a inflação de ativos, como moedas, ações e commodities; e a crise constitui processo de redução de passivos e deflação de ativos. Trata-se, portanto, de fenômeno monetário de criação e destruição de liquidez.
A figura abaixo apresenta algumas evidências da relação entre o ciclo de liquidez e a taxa de câmbio. O ciclo de liquidez é dado pela soma dos influxos de capitais para 30 países emergentes, ponderada pelo produto dessas economias, fazendo uso dos dados do IIF (Instituteof Internacional Finance); e a taxa de câmbio dólar/real é dada por um índice com base em 2003.
Observam-se fortes oscilações do ciclo de liquidez que representa as variações no volume dos influxos. Em 2003, os influxos de capitais representavam 3,6% do PIB das economias emergentes e chegaram a 8,4% em 2007, aumento de 130%. Já o movimento da taxa de câmbio dólar/real oscila conforme as tendências da liquidez internacional. Entre 2003 e 2007, a taxa de câmbio média apreciou 36%; e após a depreciação gerada pela crise de 2008, volta a acompanhar a retomada da liquidez internacional em movimento de apreciação até 2011, quando passa para trajetória de depreciação que também segue a tendência do ciclo de liquidez.
Pode-se atribuir a sensibilidade de uma moeda ao ciclo de liquidez a dois fatores essenciais: 1) ao grau de abertura financeira e o ambiente financeiro-institucional; e 2) ao grau de atratividade e rentabilidade de seus ativos. Assim, países com baixo grau de abertura financeira, com rígidos controles de capitais e mercados de capitais pouco desenvolvidos tendem a sofrer um impacto menor do ciclo de liquidez. E países com altas taxas de juros e de lucros tendem a atrair mais capital no período de cheia do ciclo econômico; e na baixa do ciclo econômico, tendem a sofrer mais com fugas de capitais.
O Brasil reúne simultaneamente as duas características citadas, a saber: ambiente institucional que favorece a entrada de investimentos especulativos; e taxa de juros muita alta para padrões internacionais. Portanto, faz-se necessário discutir uma agenda de regulação financeira que reduza a sensibilidade da moeda brasileira ao ciclo de liquidez e às motivações financeiras dos investidores internacionais.
- Pedro Rossi é professor do Instituto de Economia da Unicamp, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp e coordenador do Conselho Editorial do Brasil Debate.
Artigo em parceria com a Plataforma Política Social e Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI, publicado na Revista Política Social e Desenvolvimento #23
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