A inceitável sobrevivência do machismo

01/11/2015
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 marcha de mujeres
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Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância. ”

(Simone de Beauvoir)

 

Jamais serei a pessoa mais adequada para tratar do tema. Como homem, de fenótipo branco, não sou vítima dos sistemas simbólicos de opressão, salvo pelas minhas convicções ideológicas, e desta forma, acabo sempre analisando os fatos de fora, de forma solidária e indignada, mas nunca senti na pele o peso de carregar sobre as costas o peso de uma sociedade que discrimina as pessoas pelo sexo, pela cor da pele, por preferências sexuais ou religiosas, dentre outras formas de ódio.

 

Mas é lamentável quem em pleno século XXI, a prova do ENEM, preparatória para o ingresso no ensino superior (o grifo é obrigatório), tenha sido vítima de ataques pela simples citação de uma das maiores intelectuais do século XX, Simone de Beauvoir. Por outro lado, é louvável que a mesma prova de seleção universitária tenha tido a coragem de expor a violência contra a mulher como tema a ser debatido.

 

Não sejamos hipócritas: “vivemos numa sociedade machista sim, e do pior tipo, de um machismo velado, que credita que o simples ingresso das mulheres no mercado de trabalho acabou com a discriminação. Mesmo as mulheres que vencem no competitivo espaço profissional, ainda são vítimas constantes de várias formas de violência, e a mais grave de todas é a violência simbólica”.

 

Assim como não temos uma “democracia racial”, não temos, também, uma “democracia sexual”.  Já perdi as contas de quantas vezes ouvi ofensas à nossa Presidenta, exatamente isto, PresidentA, com a letra “A” no final, como corretamente conota a língua portuguesa desde 1896, foi vítima de críticas não por erros técnicos ou políticos, mas pelo simples fato de ser mulher.

 

Quantas mulheres são diariamente vítimas da carnificina das clínicas clandestinas porque tabus religiosos se negam a debater o aborto?  Pior do que isto, as próprias vítimas de estupro podem perder a preferência de atendimento do SUS por uma manobra do fundamentalismo religioso dentro do Congresso Nacional aprovada na semana passada.

 

Não se enganem, o estupro, uma das maiores de todas as violências, pois ofende a dignidade íntima das mulheres não é praticado por fantasmas. Os principais responsáveis por este tipo de ação são homens adultos, entre 25 e 50 anos, casados, e não raras vezes cônjuges, pais ou padrastos das vítimas. Tais dados são escondidos pela mídia que prefere viver honrando seus tabus e manipulando dados.

 

Outra pergunta: quantas mulheres poderiam ser salvas da violência física ou simbólica, se os delegados de polícia tivessem o mínimo conhecimento da Lei Maria da Penha? Quanta vidas seriam salvas? A cruel violência simbólica, que consiste na agressão verbal, moral, na fofoca vazia, embora seja um tipo penal, segue sendo desconhecido e desconsiderada pelas autoridades policiais, pelo Ministério Público, pelas gerências administrativas, e pelas mais diversas instâncias deliberativas.

 

Portanto, viva a Simone de Beauvoir, Emma Goldman, Frida Kahlo, Betty Friedman, Alzira Rufino, e tantas outras mulheres que ousaram gritar contra a discriminação! A defesa do feminismo é sim uma luta por democracia, por igualdade e por dignidade! E enquanto a direita e o fundamentalismo religioso continuarem gritando contra os direitos das mulheres apenas demonstram a pequenez da sua intolerância.

 

- Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

 

Publicado em 26 de outubro de 2015

 

https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2015/10/26/a-inceitavel-sobrevivencia-do-machismo/

https://www.alainet.org/pt/articulo/173382
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