Uma economia política da ciência e tecnologia

Se trata de formar nuestros propios centros de investigación capaces de formular planes de conocimiento orientados a las necesidades de sus pueblos.

05/10/2015
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 507: Conocimiento, ciencia y tecnología 29/09/2015

Diante da quantidade de pesquisas realizadas sobre globalização e as questões do desenvolvimento global e o novo sistema mundo, um novo esforço de pesquisa no Sul, articulado à formação de quadros políticos, gestores e elaboradores de políticas públicas, acadêmicos e pesquisadores se faz não só necessário, mas urgente. Trata-se de criar uma articulação profunda entre ensino e pesquisa, produzindo um espaço de reflexão coletiva e de produção de conhecimento.

 

Os países em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina precisam fortalecer a capacidade de seus próprios sistemas de pesquisa e instituições acadêmicas para assim: estabelecer bases conceituais que permitam a compreensão mais profunda do atual processo de globalização; analisar sua situação, diagnosticar seus problemas; determinar os seus  objetivos nacionais, regionais e locais; desenhar políticas de desenvolvimento sustentável capazes de superar os graves limites estruturais do processo de globalização; controlar a conformação de megalópolis desarticuladas e irracionais nos seus territórios e, finalmente, colocá-los num grau de civilização compatível com as potencialidades da revolução científico-tecnológica em marcha e capaz de estabelecer padrões de riqueza e poder democratizantes.

 

Para isso é necessário desenvolver uma metodologia de análise não somente das estruturas básicas do sistema mundial como também um método de análise das conjunturas produzidas pelas principais tendências do processo de globalização no mundo contemporâneo.  Esta articulação servirá de ferramenta para a pesquisa, cujos resultados serão integrados aos conteúdos pedagógicos dos Programas de Pós Graduação.

 

Os alunos de pós-graduação terão oportunidade de desenvolver os seus próprios trabalhos de conclusão de curso a partir da sua participação das linhas de pesquisa que logrem  compreender as forças que levam atualmente à expansão econômica dependente dos mercados mundiais, integrados de maneira desigual e combinada, articulando classes sociais e grupos sociais significativos incorporados em geral a grandes cidades, aglomerações demográficas que rompem cada vez mais os limites geográficos racionais.

 

Nestas novas unidades populacionais, as relações entre bairros de distintas cidades, estabelecem uma preferencia por moradias em cidades diferentes dos locais de trabalho, apesar de não possuírem meios de transporte adequados para transladar-se aos locais    de trabalho. As fortes emigrações do campo para as cidades incorporam novas comunidades, inclusive novos povos que rompem os limites nacionais, diferentes grupos linguísticos, étnicos, sociais, económicos.

 

As últimas décadas dominadas por uma ofensiva de uma ideologia “neoliberal” só fizeram emergir mais violentamente esta nova realidade que recebeu o nome de megalópoles, isto é, unidades anárquicas de grandes centros urbanos.

 

Nas zonas subdesenvolvidas do mundo estes fenómenos assumiam formas cada vez mais desarticuladas e geravam-se novos fenómenos sociais sem precedentes e fortes anomias sociais que as ciências sociais muito influenciadas pelo estrutural funcionalismo não conseguiam explicar. Fenómenos micro económicos super estudados sofriam mudanças  fundamentais nestas novas realidades como resultado de forcas socioeconômicas globais que afetavam toda a humanidade mas produziam realidades concretas muito diferenciadas.

 

Estes efeitos locais dependiam da posição relativa que assumiam os vários grupos sociais nesta nova realidade global em plena expansão. A enorme socialização do processo produtivo numa escala mundial levava à divisão do trabalho em escala mundial,  na qual as tarefas de planejamento, pesquisa e desenvolvimento, desenho, market e incorporação de inovações significativas ficavam  nos centros do sistema mundial, enquanto se transferia para as zonas periféricas as atividades produtivas com uso mais intensivo de mão de obra.

 

Hoje em dia, este fenômeno adquiriu características gigantescas de impacto cada vez mais definitivo no mundo contemporâneo. Os centros de decisão politica e administrativa continuam se apoiando nas distribuições de poder do período de pôs II Guerra Mundial  enquanto a realidade dava saltos espetaculares enquanto as zonas semi periféricas e periféricas começam a aproveitar-se das inconsistências produzidas pela contradição entre as crenças dos centros de poder mundial localizados nos Estados Unidos da América e na Europa Central e Norte na capacidade e na qualidade de suas instituições para manter a atual estrutura de poder mundial e a complexidade crescente deste sistema mundial em plena mutação.

 

A terceira revolução industrial

 

O processo de globalização da economia e política mundiais, baseado na revolução técnico-científica que teve início nos anos 1940, submeteu progressivamente o processo de produção ao desenvolvimento científico, introduzindo a pesquisa e o desenvolvimento no coração mesmo do processo econômico. Hoje em dia a robótica e a telemática produziram uma expansão da informação, que vem mudando radicalmente a relação entre ciência, tecnologia e processo produtivo, alterando sensivelmente as escalas de produção pelo efeito da automação. Apesar da produção estar subordinada ao avanço científico – particularmente a inteligência artificial e a comunicação – ele permite ao mesmo tempo um diferencial de produtividade importante a favor das áreas outrora periféricas.

 

Essas inovações tecnológicas produziram mudanças estruturais ao ampliar o papel dos serviços assim como das atividades relacionadas à pesquisa, ao planejamento e ao desenho dos produtos, criando também novos setores – indústrias e atividades econômicas – e mudando as relações entre eles. O resultado é uma terceira revolução industrial que integra o planeta em uma nova divisão internacional do trabalho que se articula com o processo instantâneo de comunicação e interdependência e reduz a distância entre as várias regiões do globo. Neste contexto, o equilíbrio ecológico global é quebrado, ameaçando a sobrevivência da humanidade devido à degradação ambiental e ao risco de um holocausto nuclear[1].

 

Nesse contexto de rápidas mudanças, regiões que não participam do desenvolvimento de novas formas de produção industrial e pós-industrial ficam cada vez mais distantes dos centros de poder mundial. Esse processo de globalização, portanto, aumentou o vão tecnológico entre os países desenvolvidos e os “em desenvolvimento”. Mas por outro lado produziu oportunidades de concentração da riqueza produzida nas mãos de fortes Estados Nacionais, com impressionantes massas humanas e processos de educação capaz de aumentar rapidamente a capacidade intelectual, política e econômica destas zonas antes subordinadas aos designios dos centros de poder mundial.

 

As regiões menos avançadas tecnologicamente têm sido penalizadas por um perverso movimento duplo. Como vimos, a introdução desordenada de novas tecnologias e sistemas produtivos eliminaram setores de subsistência, não-monetarizados, que sustentavam significativas populações camponesas, como uma produção comunitária, o artesanato, o escambo etc. Essas transformações conduziram a um massivo êxodo da população rural para regiões urbanas, criando uma grave e complexa interação entre alta tecnologia, concentração de riqueza e condições de vida miseráveis.  Esta nova realidade se converte em uma fonte de tensões sociais e ambientais cujos limites não puderam ainda ser estabelecidos.

 

Por outro lado, há uma marcante ausência de desenvolvimento global que permita uma industrialização equilibrada, um sistema educacional de amplo alcance e um setor de serviços bem coordenado para sustentar o avanço de novas tecnologias e do novo sistema produtivo.

 

Os resultados têm sido, como vimos, a urbanização explosiva, não acompanhada de uma razoável estrutura socioeconômica, a deterioração do meio-ambiente e o aumento da pobreza, da miséria, da marginalização e exclusão social, fenómenos estes que marcam as chamadas megalópolis. Todas essas tendências são reconhecidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento (PNUD) e por outras organizações internacionais dedicadas ao estudo do desenvolvimento. A cada dia surgem novas literaturas sobre estes fenômenos.

 

A economia mundial desregulada e direcionada ao mercado está trazendo uma impressionante concentração da riqueza e, ao mesmo tempo, o aumento da pobreza e da miséria, que levam a sérios problemas de desintegração social e exclusão social sob o impacto  do desemprego e do subemprego. Essa situação propõe uma importante questão à humanidade: Justiça social e desenvolvimento econômico são incompatíveis? A humanidade conseguirá dominar as aparentemente incontroláveis relações econômicas capitalistas?

 

Desafios

 

O surgimento dos BRICS como uma nova articulação dos centros de poder continentais que cobrem todos os continentes com diversificados mecanismos de integração e cooperação e solidariedade cria uma massa de poder mundial em plena expansão ao se apoiar em impressionantes capitalismos de Estado que se mostram capazes de se impor sobre   os centros de poder privados articulados em monopólios e oligopólios cada vez mais ineficientes, ambiciosos e especulativos e – portanto – acomodando-se cada vez mais à sombra dos Estados Nacionais compelidos a confrontar-se com as necessidades e as expectativas dos mais diversos povos. 

 

Os debilitamentos dos centros hegemónicos mundiais e a sua incapacidade de revisar suas teorias e seus valores exigem cada vez mais que criemos nossos próprios esforços teóricos e empíricos com metas próprias de desenvolvimento de acordo com nossas capacidades e possibilidades. É neste plano que devemos formular uma economia política capaz de redefinir o papel da ciência e da tecnologia de acordo com nossas próprias realidades. Nossos próprios problemas que exigem soluções adequadas. Nossas próprias tradições de organização comunitária, nossos instrumentos materiais e intelectuais para construir um projeto cultural e intelectual a serviço de nossos povos, começando por uma capacidade de organização acumulada em séculos de gestão de milhões de seres humanos. A ciência econômica desenvolvida pelos centros de poder mundial e seus copiadores dependentes e subordinados não têm muito a ensinar-nos pois vivem da criação de modelos formalizados – cada vez mais longe da realidade - nos quais as diferenças locais e as suas raízes culturais não têm nenhum papel... 

 

Por último, mas não menos importante, os cientistas sociais do Sul devem se unir às suas próprias forças sociais e movimentos políticos a fim de produzir uma resposta efetiva às mudanças globais. Devem congregar esforços locais, regionais e globais na luta por novos estilos de desenvolvimento sustentável e justiça socioeconômica, que incorporem as etnias subjugadas historicamente e excluídas do exercício pleno da sua cidadania.

 

Os trabalhadores, as mulheres, a juventude que emergem no quadro político mundial como sujeitos políticos ativos, com perspectivas próprias,  têm sua integração no sistema de poder mundial como objetivo impostergável. Cabe as ciências sociais ajudar a formar uma nova geração de pesquisadores, mas também de gestores à altura dessas tarefas. Não se trata somente de elevar-se ao nível dos grandes centros de poder mundial e sim de formar nossos próprios centros de pesquisa e pensamento capazes de formular seus próprios planos de conhecimento voltados para as necessidades de seus povos. Produz-se assim um projeto geopolítico novo que se confronta com as pretensões de domínio exclusivo e imperial do grande capital instalado nos seus poderosos mas decadentes Estados Nacionais.

 

- Theotonio Dos Santos, pesquisador visitante nacional sênior da UERJ; Presidente da Cátedra UNESCO sobre Economia Global e Desenvolvimento  Sustentável (REGGEN); Prêmio Mundial de Economista Marxiano de  2013 da Associação Mundial de Economia Política (WAPE).



[1]  O caráter global da ameaça nuclear e ecológica exige uma mudança radical nos instrumentos da gestão internacional levando a uma ampla discussão internacional e criação de instituições responsáveis por encaminhar uma nova ordem internacional e novos mecanismos de governança.

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/172804
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